A garota que apanhava camapu

Lizon Binda*

Elisabete Santos nasceu à margem do Paraná do Aduacá, precisamente na comunidade de Rio Branco, em Nhamundá. Desde muito cedo, foi uma criança extrovertida; passara a maior parte da infância cheia de pedidos para realizar os afazeres diários, que se estendiam ao longo do dia e por vezes alcançavam a noite.

“Não mate um pé de camapu… Uma árvore é uma costela da vida!” – ela dizia.

À primeira vista encantava a todos dado o seu sorriso; e, devido à sua presteza, era bastante requisitada.

Segundo a avó, dona Merandolina da Cunha Santos, Bebel, como todos a tratavam carinhosamente, nascera somente com alguns fios de cabelo; por sinal a cabeça parecia mais um coco disforme, razão maior de todos a desejarem por perto para transportar vasos de água em sua cabecinha do longínquo paraná até o jirau de paxiúba das casas.

Uma capina aqui, um mandado ali, e o conceito de Bebel foi subindo; em pouco tempo se transformara em uma menina de ouro, querida e amada por todos. Conforme a comunidade ia crescendo, Elisabete, muito inteligente, acompanhava todo aquele progresso, o que sobremaneira foi retirando gradativamente a beleza de seu mundo encantado, em face de mais famílias residirem ali e construírem suas casas às margens dos caminhos percorridos por tantos anos.

Tal fato foi de encontro às centenas de pequenas árvores de camapu, que, conforme o tempo ia passando, mais e mais iam morrendo devido a tantas agressões e colheitas indiscriminadas por parte da vizinhança.

A coisa mais importante de sua vida era despertar cedinho e ir ao encontro de seus camapus, momento que ela vivenciava de uma forma muito especial.

A distância, diminuía as passadas, levava os pés em cadência sem machucar sequer as folhas que forravam os seus caminhos, assim se curvava ese recolhia em absoluto silêncio; depois, usando das mãos, ia-se arrastando rés ao chão até alcançar os frutos na primeira árvore viçosa, cuja altura não era mais que sessenta centímetros, e por horas ficava contemplando as flores e a cor verde-esperança de cada fruto.

Com muito cuidado retirava todos os frutos maduros e vulneráveis e arrumava os galhos de maneira que aquelesficassem expostos ao sol e à sombra ao mesmo tempo.

Desse modo, Bebel elegera os camapus como espécies de frutos quase divinos, e alguns poucos passaram a notar a relevante diferença no seu semblante todas as vezes em que retornava das colheitas com os frutos saborosos.Os mais velhos ficavam a se perguntar o porquê de tanto carinho e amor de Bebel pelos camapus, mas não encontravam respostas.

Elisabete, ao completar quinze anos de idade, transformava-se fisicamente. Sua cor morena tornara-se tonificada. Os cabelos negros, encaracolados; os dentes, alvíssimos; as sobrancelhas,mais bonitas e bem distribuídas; o nariz, bem afilado; o brilho nos olhos, envolvente; sua face; aveludada e bela, espelhava seu charme ímpar numa aura de beleza também singular.

Uma menina-moça, portadora de uma verdadeira beleza das selvas.

Dada a invasão aos seus frutos, Bebel elegeu outra áreapara tratar dos camapus; e durante anos fazia pequenos experimentos na plantação das mudas, porém os vizinhos “amigos” do quadro da comunidade não tinham conhecimento de tal feito.

Em verdade, os destruidores ainda levaram um bom tempo até descobrirem os primeiros pés de camapu; estes, embora menores, eram diferentes, mais viçosos e taludos; assim não demorou espalharem na região o quase meio hectare de camapus plantados no centro da verdejante mata.

Em pouco tempo Bebel transformou-se num referencial de valores, dado o seu amor por aquela pequenina planta nativa, vindo a influenciar toda uma geração de jovens de sua idade na comunidade, o que fez que não levasse tempo para criarem receitas do cobiçado fruto.

Assim, os demais jovens de sua idade – visando dar um trato na beleza – passaram a saborear os frutos ligeiramente ácidos, porém de sabor sem igual e bastante apreciado na época por quase todos.

Há inclusive um velho provérbio dos mais antigos que diz: “Camapu, você gosta ou não gosta… decida-se. Mas que ele te transforma, hum… Que diga o tempo!”.

O certo é que nossa adorável Elisabete Santos, anos depois, passou a frequentar a escola, concluiu seus estudos de terceiro grau e hoje é uma senhora muito decente e honrada beirando os setenta e sete anos, com uma aparência jovial de quarenta, portadora de um charme encantador e de uma beleza ímpar; ainda deve viver mais umas décadas; assim o Altíssimo deseja.

Ao lado de sua casa há um verdadeiro jardim de camapu. Enquanto isso, cientistas estão chegando por essas paragens para estudarem a longevidade de todo o povo amazonense.

Hum…! Gostariam de conhecer a Dra. Elisabete? Sinto muito! Eu não tenho autorização para falar. É segredo!

*é escritor.

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