Encantos das ribanceiras

Lizon Binda*

A ribanceira extensa descortina uma imensa e exuberante vegetação alta e rasteira. No topo e rumo ao centro da floresta, encontram-se árvores nativas, como o ipê-amarelo, o araçá, a copaíba, o cedro, a jacarandá e as palmeiras de várias espécies. Galhos disformes e pontiagudos vão enforquilhando touceiras viçosas de bromélias formando um lindo jardim suspenso e oferecendo um desabrochar constante com o seu multicolorido e com aromas envolventes.

Ervas marcam suas presenças entre lascas, rompendo o âmago em decomposição ao longo dos tempos, sobressaindo-se múltiplas formas de vida que palmilham a magnitude do solo num palpitar em cadência sem parar, rompendo o silêncio que reina na grande floresta.

Entre o barro amarelo e a areia, escorrem minúsculas gotículas de águas. As lágrimas sorridentes de vida – minúsculas fontes –saem coloridas; e, quando o Sol as beija, prevalece o tom esverdeado e azul-petróleo, que vai abrindo passagem entre talos cravados no solo úmido e raízes do rasteiro capim bico-de-pato.

Olhos de água minam do solo, entre forro de folhas de tabocas que dançam a bel-prazer num bailar como em reverência à vida. O tronco roliço atolado à meia terra pontua o território, e frondosas flores nativas de múltiplas espécies coloridasquebram o verde-cana de capins-navalhas.

Os filetes de água descem em cadência rumo ao grande encontro de paranás e rios, beijando-lhes o extenso lábio de sorriso vibrante, saudando as milhares de espécies que passam ao largo.

O vento soprante empurra a densa camada de mormaço abraçando centenas de metros da belíssima paisagem emoldurada de outras espécies que se aconchegam como podem num cantinho de calor tropical produzido por seus próprios corpos.

É o equilíbrio harmônico de milhões de vidas que viveram e vivem há milhares de anos num processo de eterna evolução. O silêncio reina em absoluto, rompido somente pelo deslizar de pingos de água que brotam de milhões de poros em constante alternância volvendo as fontes inesgotáveis do reino da mãe natureza.

A vegetação aquática está envolta ao redor da sombra de um centenário tronco em pé, representando a guarida do morador anônimo.

No topo, faceiro e solitário, está o socó-boi, que, num ato de promessa ou esperança, tenta alcançar alguma isca sob os pés de mureru. É o café da manhã, almoçoou, quem sabe, o jantar. Impávido, resiste ao passar do mormaço e do vento forte; sua persistência é a lei da sobrevivência; o abandonar do posto resultará em estômago vazio, tornando-se vulnerável ao gavião real. A paciência, a persistência, as asas e o bico são suas únicas armas de ataque e defesa, quando subitamente avança rasgando as folhagens viçosas sobre as águas, levando a tão esperada alimentação do dia.

Em algumas áreas se encontram reduzidosdescampados, não maiores que dois metros quadrados, com pequenasbocas semiabertas fazendo borbulhas num vaivém sem parar; são minúsculascasas de traíras ou poraquês acasalando; as águas estão turvas dos solavancos no subsolo.

Noutras partes, os paredões estão desenhados por médios buracos disformes; são as casinhas de acari, construídas nas últimas cheias, hoje grande parte ocupada por andorinhas, gaivotas e demais pássaros, enquanto o canário passeia.

Nas enseadas da folha de rosto das ribanceiras, encontram-se árvores deitadas no solo, encharcadas e tomadas pelo lodo, palmilhadas em suas grossas cascas por pequenos pés de cogumelos nativos, em cores diversas; um verdadeiro recinto de milhares de borboletas amarelas que passam horas desfilando em voos rasantes na pista de seu tronco-aeroporto, encravado a céu aberto.

O céu de um azul límpido de repente passa a ser decorado por aves que voam em bandos formando desenhos de múltiplas formas; é quando rompem o silêncio reinante com os seus cânticos de felicidade em louvores tantos.

Cipós seguram gravetos e talas, deixados pelas correntezas nos ramos de pequenas e médias árvores, uma fonte inesgotável para a forragem de ninhos de passarinhos que disputam os mais resistentes, afora fechos de capins secos em formatos diversos.

O maçarico e a jaçanã delimitam áreas para a caça do momento, enquanto o jacaré sedisfarça tomando um banho de sol, finge que dorme e joga na sorte do descuido de ambos para uma saborosa refeição.

Enquanto isso, os tracajás fazem o reconhecimento da área para a próxima lua prateada, visando à desova quando agosto e setembro vierem.

O sol dourado anuncia que veio para ficar e passa a reinar em absoluto levando seus raios de ouro a todos os seres viventes nesse lugar de magia… As ribanceiras.

Todos os Direitos reservados.

ISBN – 978-85-912406-0-9

*é escritor

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