Encantos do rio Amazonas

Lizon Binda*

Nas manhãs de março cortejadas pelo orvalho, ouço o anúncio dos sons que reverberam da portentosa sapopema encantando centenas de pássaros e aves empoleiradas. A sequência de sons harmônicos faz vibrar os poros da argila vermelha polidos pelas unhas do maçarico-real formando inusitados paralelepípedos oblíquos que ornamentam a imensa serra ondulada e entrecortada por fontes e igarapés a desembocar nas margens de todos os afluentes do rio Amazonas.

O vento que sopra do rio para a terra realça os ramos da vegetação rasteira e limpa toda a extensa da praia prateada deixando-a mais repleta de encantos. A mormaceira celebra a união das rosas perfumadas que exalam essências e a vitalidade exuberante da vida, tornando muito mais fértil o solo das barrancas e fazendo que a extensa cadeia de serras se transforme num dos mais belos paraísos de marquises verdes de mais de mil rios da Amazônia.

No portal da enseada, logo na primeira foz, milhares de orifícios ornamentam a pedreira das Amazonas, abarrotada de muiraquitãs de todas as cores que, agraciadas com o líquido precioso da vida, seguem por centenas de veias límpidas, enchendo microbacias para atenuar a sede de tantas espécies; sem contar com outro sem-número de quelônios visitando a praia de viração da extrema para a desova e incubação, de junho a outubro; mas é nos meses de julho e agosto que a população ribeirinha faz a festa, recolhendo tão apetitosa iguaria.

A ventania da foz do Amazonas beija quilométricas ribanceiras e vai esculpindo-as com belíssimos funis disformes no entorno dos beiços dos barrancos; é quando surgem gaivotas e andorinhas para darem início à decoração do novo lar construído nos ombros dos pequenos despenhadeiros. Em poucos dias, dezenas de encostas do saudoso rio ficam pontilhadas de suítes aconchegantes para recepcionar uma nova leva de voadores multicoloridos que distribuirão alegrias e esperanças ao canoeiro que labuta e saúda o pescador, identificando os primeiros cardumes no espelho d’água.

Pequenos pés viçosos de capim-colônia se sobressaem em verde-musgo e, com a ponta suave, desenham a trilha estreita ao caminhante solitário que, na luta pela sobrevivência, busca incansavelmente alternativas de manejo para o sustento dos seus, sem agredir a grande floresta – manancial das fontes de eternas vidas tanto em alimentos saudáveis quanto em víveres benfazejos para atender a cada minúscula partícula de seu corpo.

O rio Amazonas, de mãos dadas com os ventos soprantes, tira algumas manhãs para o entretenimento e, por algumas horas, revolve as águas nas pequenas enseadas manifestando-se em redemoinhos espumosos que, num baile aquático de ir e vir, terminam encorpando-nos com magias; e energias positivas envolventes ganham a atenção respeitosa, então verdadeiramente há reconhecimento de que é o rio quem comanda a vida.

É nos beiradões que me surpreendo com o líquido precioso, quando suas águas penetram os grandes lençóis submersos e em milhares de canais estacionam bilhões de gotas de lágrimas no imenso reservatório da rocha vermelha, que agora ficou muito mais brilhante e tonificada.

Nas cheias e nas vazantes, o grande rio continua revigorando as várzeas, outrora improdutivas;agora ficam patentes, no médio platô, as viçosas raízes do Camapu* que bebericam águas profundas, imantando de nutrientes suas folhas verdejantes que atomizam suas belíssimas flores em tons multifacetados em amarelo-ouro, vermelho-escarlate e branco brilhante, enquanto fios sextavados fazem carinho por toda a face rosada de novos frutos que nascem.

Uma força vibratória de energias benfeitoras toma conta de inúmeros potentes esteios que sustentam nos altos a pequenina casa ribeirinha do irmão caboclo. É quando o olhar sublime dos justos alcança os sorrisos das crianças inocentes que estão brincando na sombra aconchegante de um pé de maracujá e de repente avisa querer alcançar toda a cobertura da abençoada moradia. Poucos observam que o pau-de-escora está entrelaçado por seus ramos, enquanto oferta uma belíssima flor de pétalas brancas e uma coroa lilás. Longos fios verde-água abraçam todos os esteios, enquanto o outro maracujazeiro já se encontra na perpendicular dizendo que, até o próximo amanhecer, estará terminando a grande ponte da paz profunda.

É numa observação mais acurada que se vê, no emaranhado de ramos de centenas de metros, que de cada centímetro brotam pequenas mãozinhas, todas guardando as sementes dosaudoso maracujá em tonalidade amarelo e verde-esperança. É a força que vem da natureza sempre construindo um mundo muito mais vivente para deleite dos homens de boa vontade, ora representados pelo humilde caboclo – verdadeiro guardião das florestas e dos rios, e por muitas vezes alguns insistem em não querer aceitá-lo, e tudo fazem para expulsá-lo das margens do caudaloso rio.

Ao largo, pegando carona das correntezas, vão descendo dezenas de bolas de Matupá*, cuja missão será preencher, em algum lugar, afluentes do esplêndido rio Amazonas que sofreram investidas do homem em prejuízo de toda a humanidade. Enquanto isso, na outra margem, uma centenária árvore também vai sendo levada pelos ventos e pelas correntes, tendo a companhia de centenas de borboletas amarelas que bailam sem parar, espalhando a mensagem cifrada dos deuses da floresta e das águas do quanto foi importante a missão cumprida daquele tronco semissubmerso em algum lugar do quilométrico rio Amazonas.

Todos os Direitos Reservados

USBN 978-85-912406-1-6

*é escritor

DEIXE SEU COMENTÁRIO

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.