Uma Velha Amiga

Escritora Dina Arce - Foto: Divulgação

Conto

Madame Pérola desembarcou em Paris. A caminho do Hotel Champs Elysées, ela observava a cidade que, a seus olhos, naquele momento, era de um cinza tristonho. Ao sair do Brasil para o encerramento da Semana de Moda, Madame Pérola ou Madame Perle, para os franceses, pensou que, ao chegar a Paris, seu ânimo iria mudar. Mas a tristeza, como um casaco inconveniente em seus ombros, pesava e doía em sua alma. Madame Pérola era uma estilista famosa. Seus trabalhos revolucionaram o mundo da moda, suas composições eram extraordinárias e únicas. Inventou a moda soft, que consistia em peças de roupas sem costuras e zíperes, totalmente leves e confortáveis. No entanto, há alguns anos, Madame Pérola ficou reclusa e parou de produzir. Só, recentemente, aceitara participar da Semana de Moda em Paris. Ela havia-se tornado uma das mulheres mais ricas do mundo. Porém, nada a deixava feliz. O quarto de hotel luxuoso e todos os mimos que as pessoas lhe dispensavam não eram capazes de tirá-la daquela tristeza profunda. Ela sentia cansaço e falta dos que já haviam passado em sua vida. Apegada às suas lembranças, viajava em seus pensamentos para sua infância em Minas Gerais, que, apesar de ter sido difícil e desprovida de conforto material, deixou grande saudade.

Naquela primeira noite em Paris, Madame Pérola dispensou os convites para jantar, pediu um chá para tomar em seu quarto e tentou adormecer. Ao abrir os olhos, viu uma menina deitada ao seu lado, que lhe deu um grande Oiiii!,mostrando-lhe todos os dentes.

Bonjour, Madame Pérola! disse a menina, deitando-se em cima da barriga da Madame.

– Céus! Quem é você?

– Sou Berta, Madame. Sou Berta!

Madame Pérola olhou-a saudosa e abriu um sorriso desajeitado, enquanto Berta saltava da cama.

– Iupi!!! Noussommesà Paris!

– Sim, Berta, estamos em Paris. E creio que vou dormir mais um pouco porque não estou entendendo o que você está fazendo no meu quarto. Talvez, quando eu acordar novamente, tudo comece a fazer sentido.

Non, non, Madame, Paris não vai esperar você acordar! Precisamos aproveitar o dia.

– Berta, hoje é o último dia da Semana de Moda em Paris, e fui convidada para o encerramento, mas creio que não estou muito boa da cabeça. Então vou ligar para dizer que não posso comparecer.

Uai ! Por quê? Bora, Madame! disse Berta de maneira graciosa.

– Berta, não estou com vontade. Só quero voltar a dormir e acordar deste sonho estranho e engraçado.

– Sonho é Paris, Madame, sonho é Paris!

Assim, Madame Pérola, naquela manhã, contava inesperadamente com a companhia de Berta, que circulava pelo quarto do hotel com total desenvoltura. A menina ligou para o serviço de quarto e solicitou que servissem o café, enquanto a Madame apenas observava impressionada a pequena Berta interagir com tudo.

Após o café, Berta mostrava-se preocupada com o que as duas iriam vestir. Precisamos estar trèschic, Madame, trèschic! Afinal, é um desfile de moda.

Madame Pérola, mesmo contrariada, aceitou a aventura no grande closet montado especialmente para ela, no qual ainda nem havia dado uma espiada. Berta, maravilhada, divertia-se com os acessórios e maquiagens.

Madame Pérola, vendo Berta toda arrumada, falou com um grande sorriso.

Mademoiselle Berta, você é a mineira mais parisiense que já vi. Está muito chic!

Merci, Madame, merci! A Madame também está muito chic.

Gradecida! disse a Madame, soltando risinhos e um pouquinho do seu mineirês.

As duas saíram sorridentes, de mãos dadas, como duas crianças.

Entraram no luxuoso carro e Madame disse:

-Para o Carroussel du Louvre, Monsieur!

O grande desfile acontecia no Carroussel du Louvre. Madame Pérola, diferente de quando chegou a Paris, estava muito alegre em rever a cidade e seus pontos turísticos. Berta, a todo instante, gritava: Iupii! Je suisà Paris! E seguiu a viagem, cantando, entusiasmada, canções francesas.

Chegando ao grande evento, flashs!, flashs!

Madame e Berta eram celebridades. Foram colocadas na primeira fila dos convidados especiais. Madame Pérola ouviu os críticos de moda cochichando baixinho: – ‘’Nossa! Essa roupa não parece o estilo dela, diferente. Se não fossem as pérolas de sempre, não a teria reconhecido’’. Madame começou a rir sozinha, apertando as mãozinhas de Berta. Afinal, havia sido Berta que havia composto seu figurino. Madame, naquele momento, não se importava com as críticas. Por toda a vida, tentou ser impecável aos olhos dos outros. Agora, queria apenas sentir-se bem.

Enquanto assistiam ao desfile, Berta disse que sonhava desfilar em uma passarela como os grandes estilistas que encerram o desfile.

Pois bem, Berta, no final, vão chamar-me para prestar uma homenagem e eu terei de andar na passarela. Você vem comigo!

– Madame, eu tenho vergonha! disse Berta, apertando os olhos pequeninos.

– Que surpresa, querida! Você parece sempre tão desinibida.

– Nem sempre, Madame, nem sempre!

– Eu vou estar com você; não precisa ficar tímida.

Madame Pérola tentava fazê-la segura com uma coragem que não tinha, afinal todas as vezes em que ela subia na passarela, suava frio e tremia de tanta vergonha.

Chegando a hora do encerramento, prestaram homenagens à Madame Pérola e agradeceram a grande contribuição que a estilista prestou ao mundo da moda, momento em que a chamaram à passarela para dizer algumas palavras e, finalmente, encerrar o desfile. Berta e Madame deslizaram desfilando  alegremente com as famosas modelos e posando para fotos.

Aquele evento que, inicialmente, parecia uma tortura para Madame, tornou-se agradável e divertido.

Madame Pérola dispensou o carro luxuoso para que as duas pudessem passear livremente por Paris. O dia estava esplêndido. Passaram em uma loja de doces e Madame apresentou as delícias francesas à Berta. Provaram alguns doces e levaram outros para viagem. Deitaram na grama e ficaram admirando a Torre Eiffel, enquanto saboreavam as guloseimas e divagavam sobre algumas questões.

– O que é a felicidade, pequena Berta? perguntou Madame Pérola.

– Acho que a felicidade é como uma pérola; parece sólida e linda, mas é frágil e necessita de pequenos e contínuos cuidados, senão ela perde o brilho. Não é isso, Madame?

– Pode ser. Pode ser também que a felicidade seja uma criança. Com o passar do tempo, por vários motivos, ela esconde-se dentro de nós e esquecemos como é ser feliz. Então, para mim, felicidade é como uma pequena Berta.

– E, para mim, felicidade é uma linda pérola como a Madame, disse Berta, sorrindo e espremendo os olhinhos.

As duas ficaram descansando de seus passeios e pequenas aventuras na bela Paris e enquanto as duas ponderavam sobre várias questões, gotas de água anunciavam a chuva que estava por vir. Levantaram depressa e tentaram, inutilmente, escapar. Sem alternativa, aproveitaram para brincar de tomar banho de chuva como em Minas Gerais.

– Veja, Madame, os pingos de chuva que caem no chão.

– Estou vendo.

– São coroinhas que caem do céu. Você consegue vê-las?

– Sim, Berta, agora que você falou, consigo vê-las.

Trim. Trim. Trim! Tocou o telefone.

– Alô?

– Madame Berta ! Serviço de quarto. Já são 7h30 e Madame solicitou que a acordássemos nesse horário.

Merci!

Madame Pérola acordou e seus olhos, agora, conseguiam enxergar as cores do luxuoso quarto onde se havia hospedado. Solicitou café no quarto, misturou geleia com queijo. Depois se divertiu em seu maravilhoso closet, lembrando-se da pequena Berta em seu sonho.

Seguiu para o Carroussel du Louvre e, cheia de simpatia, esteve até o final do evento. Depois, seguiu para uma visita a uma grande oficina de confecções de roupas.

Na visita, sentiu uma enorme vontade de, novamente, começar a produzir.

– Vejamos se ainda lembro, pensou Madame Pérola. Remeteu-se à sua infância, quando fazia bonecas de pano com sua avó. Começou a recortar um molde para uma boneca. Escolheu tecidos, cortou, costurou e todos que a acompanhavam esperavam curiosos o resultado.

-Pronto! Uma boneca mineira, à moda parisiense.

– De onde vem a inspiração, Madame? perguntou um jornalista que a acompanhava.

– Da felicidade, da minha infância em Minas Gerais e da alegria por estar em Paris.

Assim, a boneca Berta tornou-se a nova criação de sucesso de Madame Pérola, que se sentia feliz em estar de volta ao trabalho com uma agradável companhia. Sua infância.

Boneca Berta – Gravura: Dina Arce

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