O bem é trabalho de todos os dias

Escritora Dina Arce - Foto: Divulgação

Nesses dias, reverberou o diálogo entre um apresentador de podcast e um parlamentar em que o primeiro defendeu o direito de ser antissemita e a criação de um partido nazista no Brasil, recebendo a manifestação de concordância e apoio do deputado, pois, segundo ambos, isso seria liberdade de expressão.

Quando ouvi essa abjeção, lembrei da frase básica que escutamos desde criança, “o seu direito termina quando começa o direito do outro”, ou quando questionávamos sobre a diferença entre o bem e o mal, e erámos levados a fazer o exercício de se colocar na pele do semelhante.

Atualmente, infelizmente, a vigília enfraqueceu e esses exercícios básicos deixaram de ser praticados. Temos permitido que o lixo enviado por tantas mídias entre em nossas casas. A religião, a união familiar e comunitária têm ficado em segundo plano e isso abriu brechas para o ócio permissivo.

Muitos têm apontado o apresentador do referido episódio como, apenas, um ignorante, desconhecedor da história; outros minimizaram sua afirmação como brincadeira de mau gosto. Mas, claro, não se trata disso. O ódio existe, e pessoas que o cultivam dentro de si não são necessariamente ignorantes ou fracas das ideias. Elas odeiam porque exercitam e escolhem esse sentimento. E não se enganem, tal sentimento cresce e contagia.

O locutor abordou o assunto com banalidade, como se fosse da sua rotina a ponto de sentir-se à vontade para expressar o absurdo no meio de comunicação de massa. Tal ação deve servir para acionar o alarme, e repudiarmos com veemência tais atitudes.

Ressalte-se, o episódio é só um dos exemplos do antissemitismo que parece estar crescendo no Brasil. Em 14 de dezembro de 2019, em Unaí-MG, um homem saiu com uma braçadeira com uma suástica, livre e solto sem qualquer impedimento, foi a um bar e, pasmem, dois policiais observaram e não fizeram nada, pois na interpretação deles não havia tipificação para prendê-lo, só depois foi denunciado pelo Ministério Público. Porém, não há publicização de qualquer sentença que indique que esse foi penalizado pelo ato.

Em junho de 2021, um jovem de 17 anos fez o mesmo em um shopping de Caruaru-PE, e quando confrontado defendeu-se afirmando que estava exercendo a sua liberdade. Apesar de ter sido feito boletim de ocorrência, não há registro de qualquer penalidade ao jovem ou aos pais.

Além desses episódios, cresce a adesão de indivíduos a grupos neonazistas pela internet. Muito em razão da falta de taxatividade clara das práticas antissemitas no ordenamento jurídico, pois a Lei 7.716 de 1989, em seus artigos 1º e 20º, deixa margem para a subjetividade e acaba por não enquadrar as ações que vêm sendo praticadas.

Assim, esses indivíduos desafiam as autoridades e fazem uso do corpo jurídico, similarmente como fizeram os nazistas quando negavam o holocausto e a prática de ilícitos, alegando que suas condutas estavam devidamente positivadas em lei.

Hoje, os neonazistas usam como desculpa de suas práticas não estarem descritas nos tipos penais.

Desse modo, estão soltos, disseminando o ódio, a um clique de uma criança ou um adolescente, sem qualquer impedimento. Por isso, é necessário e urgente o recrudescimento das leis contra o antissemitismo, de modo a frear a proliferação do ódio. É o mínimo a fazer em respeito às vítimas do episódio mais monstruoso da história da humanidade e garantir que coisa parecida não se repita.

E se o antissemitismo está crescendo no mundo, é o momento para o Brasil, por meio dos seus congressistas, do Ministério Público, das organizações de direitos humanos, aproveitar para se sobrepor e se impor como um país em que todos os povos que aqui vivem, independente de raça, da cor da pele e da religião, tenham a segurança de viver em plena paz e erradicar de vez qualquer fonte de racismo, punindo com rigor qualquer prática de enaltecimento ou reavivamento do nazismo.

Fiquemos atentos, o bem dá trabalho e deve ser cultivado todos os dias em nossos pensamentos, em nossos corações, em nossas ações e no meio em que vivemos. O exemplo aos mais novos é a maneira mais eficaz de impor-lhes limites e mostrar-lhes que não pode haver flexibilização ao que leva à crueldade.

Se os jovens estão esquecendo os horrores da última guerra é por escolha, pois não faltam plataformas de filmes repletos de títulos que abordam o tema do holocausto, creio que seja mais uma questão de diálogo e direcionamento das famílias para triar o que pode e o que não pode entrar em suas casas.

Lembrem-se, o mal perpetua-se nos detalhes e com a nossa conivência.

Escritora Dina Arce

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