O presidente do nada

Se Lula opera o tempo todo em obediência a um sistema de miragens, é inevitável que todo o seu governo seja apenas uma coleção de miragens

Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil - Foto: Reuters/Ueslei Marcelino

Por J. R. Guzzo (*)

O presidente Lula, sempre que fala ou que tenta fazer alguma coisa, vai ficando cada vez mais parecido com esses jogos especialmente atrozes do recém-começado Campeonato Brasileiro — tão desesperadamente chatos que um dos piores problemas das transmissões esportivas é, justamente, a hora de passar os “Melhores Momentos”. Não há melhores momentos, esta é a questão. Numa das últimas rodadas, para se ter uma ideia, passaram no intervalo como “melhor momento” uma falta chutada dois metros por cima da trave; se essa foi uma das jogadas mais interessantes, imagine-se o resto do jogo. O governo Lula está assim, um ano e quatro meses depois de ter começado — e já a caminho do seu show do meio-tempo. Só tem piores momentos. Alguém é capaz de citar, honestamente, três coisas boas, ou duas, ou pelo menos uma, do Brasil Que Voltou? Vão acabar escolhendo como grande jogada alguma bola para a lateral, dessas que a defesa comemora como se tivesse ganhado a Copa do Mundo.

A última aquisição do presidente para esse tipo de “compacto do jogo” foi uma exibição típica do nível das prioridades que tem hoje na cabeça. “Eu, se pudesse, iria fazer um decreto: é proibido mentir”, disse ele num desses seus discursos para plateias imaginárias e em circuitos rigorosamente fechados. “Quem mentir vai ser preso.” Deixe-se de lado, para simplificar a conversa, a atual mania de Lula e da esquerda nacional pelo verbo “prender” — só pensam nisso, desde que voltaram para o governo. O sobrenatural, na sua ideia de “decreto”, é que ele, Lula, seria o primeiro a ser preso se fosse proibido por lei mentir no Brasil. Logo ele? O presidente, em matéria de mentira, tornou-se um personagem de Chico Anysio — a exata caricatura do político que não diz a verdade nunca, em nenhuma circunstância, porque o seu instinto não deixa. É o que fica comprovado em 40 anos de carreira. Ele começou a mentir quando subiu no primeiro palanque. Não parou mais.

O presidente, em matéria de mentira, tornou-se um personagem de Chico Anysio | Foto: Ricardo Stuckert / PR

Lula já disse em público, em vídeo gravado, que mentia de propósito sobre o número de crianças abandonadas no Brasil em suas palestras no exterior, para deixar a plateia mais chocada. Falava em “25 milhões” de menores jogados na rua — até alguém lhe dizer para baixar a bola, pois o número era impossível. Ao voltar ao governo, fez um escândalo com os móveis que teriam “sumido” do Palácio da Alvorada e que depois foram encontrados lá mesmo. “Levaram tudo”, acusou ele, deixando claro que a culpa era “do Bolsonaro”. Há pouco, depois de dizer que a ação militar de Israel em Gaza era um novo “Holocausto”, revelou que “12,3 milhões de crianças” já tinham sido mortas nas operações — mais um número demente, levando-se em conta que isso é mais que a população total de Gaza e de Israel, juntos. A maior mentira de todas as que tem dito ultimamente talvez seja o seu próprio “decreto” para proibir a mentira. Segundo ele, sua prisão se deve a uma “mentira”. Daí a necessidade da proibição.

Lula não foi preso por causa de mentira nenhuma. Foi preso pela decisão de dez juízes diferentes, em três instâncias sucessivas — os dois juízes da primeira instância, os três desembargadores do TRF-4 e os cinco ministros do STJ que o condenaram pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. É justamente o contrário. O presidente da República está solto por uma mentira, isso, sim — a mentira judicial que o tirou da cadeia e o colocou onde está, sem que ele tenha sido absolvido até hoje de nenhuma das acusações pelas quais foi condenado. É nisso, na verdade, que está a doença sem cura do governo Lula. Foi criado em cima de uma mentira — e optou, aí já por vontade própria, por continuar mentindo até hoje. É por isso que só há piores momentos. “Nada vem do nada”, diz o Rei Lear, de Shakespeare. É o Lula-3 em estado puro: não produz nada, não cria nada, não pensa em nada. Como poderia ser diferente, se o presidente é o maior nada do seu próprio governo?

É tudo um imenso relógio suíço made in Pedro Juan Caballero. Em quase um ano e meio, o que o sistema Lula deu de prático ao Brasil? Deu a volta do imposto sindical e a “regularização” dos motoristas de aplicativo — que não querem ser regularizados

O fato é que Lula decidiu viver dentro de uma ficção permanente; não se interessa, já há muito tempo, pela realidade. Aí não há solução. Nenhum governo consegue funcionar se mente até para si mesmo. Como poderia funcionar, ou propor alguma solução coerente para qualquer problema real, se está de relações rompidas com o mundo dos fatos? Lula diz que a corrupção ao longo dos seus governos, considerada pelo Banco Mundial como a maior da história humana, foi uma invenção do FBI para “acabar com a Petrobras”. Caso encerrado: se alguém acha que os Estados Unidos, com um PIB que se aproxima dos US$ 30 trilhões, estavam mesmo preocupados com uma petroleira de Terceiro Mundo, então não dá, realmente, para esperar mais nada. É simples: se Lula opera o tempo todo em obediência a um sistema de miragens, é inevitável que todo o seu governo seja apenas uma coleção de miragens. Começou com a farsa da “equipe de transição” de 900 pessoas. Continua transitando até hoje.

Nenhum governo consegue funcionar se mente até para si mesmo | Foto: Shutterstock

Os 900 cérebros da “equipe de transição” não conseguiram produzir uma única ideia útil. Por simetria, e pela lógica, o governo que saiu disso não conseguiu produzir uma única solução em seus 16 meses de existência — nenhuma, para nada. É tudo um imenso relógio suíço made in Pedro Juan Caballero. Em quase um ano e meio, o que o sistema Lula deu de prático ao Brasil? Deu a volta do imposto sindical e a “regularização” dos motoristas de aplicativo — que não querem ser regularizados. Deu o “arcabouço fiscal” que está a caminho do cemitério antes de sair da maternidade. Deu o novo mapa-múndi do IBGE, em que o Brasil aparece no centro geográfico da Terra. Deu o ministro Juscelino, aquele que voa de avião da Força Aérea Brasileira para assistir a leilão de cavalo. Deu o “Conselho de Ética”, que considera correto o pai do ministro despachar no gabinete do filho. Deu o veto do presidente à lei que restringe a odiada “saidinha”. Deu Janja.

Lula, como escreveu o jornalista Mario Sabino, não governa — brinca de Lego. Não está claro, até agora, se conseguiu montar a primeira casinha, mas o certo é que continua vidrado na intensa atividade de não fazer nada. No momento, por exemplo, Lula está em mais uma viagem à Colômbia — já fez 28 outras excursões ao exterior desde que foi declarado presidente pelo TSE e pretende fazer mais seis neste ano. Ir à Colômbia numa hora dessas, com a coisa do jeito que está, e pela segunda vez? Qual seria a possível utilidade para o interesse público de uma viagem à Colômbia? Fica parecendo a peixe graúda que está encarregada de cuidar da dengue no Ministério da Saúde e que foi passar férias de um mês na Índia, justo no momento em que a epidemia começa a pegar pesado. A mídia que leva a sério o Itamaraty e repete os seus comunicados de imprensa diz que Lula foi cumprir uma importante “agenda bilateral”. Que agenda? Consta, ali, que vai debater a importação de maconha colombiana para fins medicinais.

Luiz Inácio Lula da Silva, durante sessão de encerramento do Fórum Empresarial Colômbia-Brasil, em Bogotá, na Colômbia (17/4/24) | Foto: Ricardo Stuckert/PR

Nada poderia ilustrar tão bem essa comédia quanto a visita de Lula a uma nova fábrica da JBS — a mesma em que anunciou o seu “decreto” para proibir a mentira. Nem é preciso comentar, a esta altura, como seria possível o presidente da República ir a uma empresa que confessou na Justiça ser culpada de corrupção — e que acaba de receber o perdão de uma dívida de R$ 10 bilhões por via do ministro Dias Toffoli, o “amigo do amigo”. O que chama a atenção é que, enquanto o ex-presidente Bolsonaro continua atraindo multidões a cada vez que aparece em algum lugar, Lula continua não podendo pôr o pé na rua. Tem de falar dentro de lugares como a JBS — e o pior é que nem lá está dando certo. Seu público eram os funcionários da própria empresa, dos quais o patrão esperava comparecimento em massa. Não deu. De um jeito ou de outro, muitos escaparam desse mico — e Lula acabou falando para um auditório em que metade das cadeiras estava vazia. E daí? Pouco depois ele já estava voando para a Colômbia.

(*) J. R. Guzzo é jornalista. Integrante do Conselho Editorial de Oeste, foi um dos criadores da Veja, revista que dirigiu durante quinze anos, a partir de 1976, período em que sua circulação passou de 175.000 para 1 milhão de exemplares semanais. Correspondente em Paris e Nova York, cobriu a guerra do Vietnã e esteve na visita do presidente Richard Nixon à China, em 1972. Responsável pela criação da revista Exame, atualmente escreve no Estado de S. Paulo e na Gazeta do Povo.

Fonte: https://revistaoeste.com/revista/edicao-213/o-presidente-do-nada/

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