As crianças resolveram ir embora

Escritora Dina Arce - Foto: Divulgação

Conto

Foi em uma época quando os humanos se acostumaram ao sofrimento. Havia fome, guerra, raiva e muita covardia. Crianças sofriam e muitas morriam todos os dias por causa das brigas, dos abusos, dos maus-tratos, dos conflitos. Os Chefes de Estado encontravam-se regularmente em busca de soluções, mas o sofrimento não diminuía.

As crianças esperavam e esperavam por providências, que os problemas dos pais fossem solucionados e os adultos se entendessem. Sempre, aguardavam o próximo dia na esperança de poderem, enfim, brincar, sorrir e dormir sem medo. Esse momento, entretanto, nunca chegava.

Certo dia, muitas crianças, ao mesmo tempo, choraram em coro e se uniram em prece com suas dores. Nas suas orações, pediram, suplicando: QUEREMOS IR EMBORA DAQUI!

Naquele momento, houve um apagão em toda a Terra. Quando a energia voltou, as pessoas questionavam sobre o que poderia ter ocasionado a falta de luz. Uns pensavam ser o fim do mundo, outros, invasão alienígena ou, simplesmente, a Hora do Planeta, momento em que todos ficam no escuro como em uma atitude para “salvar” o Planeta.

Os telejornais, logo, anunciaram: “Milhões de crianças estão desaparecidas”. Em alguns lugares, é quase impossível encontrar alguma criança. Todos estavam assustados e não sabiam o que pensar.

Os pais, que ainda tinham seus filhos, estavam preocupados, com medo de perdê-los. Com o passar do tempo, alguns já não sentiam mais tanta falta e seguiram suas vidas. Outros, desolados, de tão tristes e depressivos, quase não saiam da cama.

Certa noite, enquanto dormiam, os adultos tiveram um sonho coletivo. Nele, conseguiram ver seus filhos muito felizes, pois eles foram para um lugar muito bonito. Lá, todos se amavam e eram unidos. Todos os dias, havia brincadeiras e eles sorriam constantemente.

Depois do sonho, os pais ficaram aliviados porque seus filhos já haviam sofrido tanto e vê-los felizes era um milagre. Outros pais não acreditavam no sonho e tentavam encontrar culpados para o desaparecimento. Muitas nações prepararam-se para deter ataques químicos e até extraterrestres.

As crianças sumidas, preocupadas em evitar mais conflitos sem sentido, do seu incógnito paradeiro, enviaram mensagens à ONU, aos Chefes de Estado e às demais Instituições, relatando como estavam felizes. Onde estavam, não havia raiva, nem dor, nem discriminação de nenhum tipo. Todos estavam em paz e abraçavam-se o tempo todo.

As autoridades perceberam terem sido as crianças desaparecidas vítimas de todos os tipos de sofrimento e não sabiam como enfrentar o problema. Os países, sem alternativas e preocupados com a baixa populacional, começaram a incentivar as mulheres a terem bebês. Na China, ao contrário do que foi no passado, os casais podiam ter quantos filhos quisessem e não mais importava o sexo. No entanto, as mulheres no mundo inteiro não engravidavam mais, pois sentiam medo de que seus filhos também sumissem. Pais, conscientes de suas negligencias, desesperados, tentavam mimar seus filhos e davam tudo quanto eles queriam para assegurar a permanência dos pequenos. Mas, eles também sumiam.

O mundo enfrentava uma crise. Com a escassez de crianças, o McDonald’s e a Disney acabaram. Os pediatras ficaram desempregados, e já não se ouvia falar em brinquedos, pré-escola ou qualquer coisa do universo infantil.

As pessoas ficaram velhas e não tinham mais obrigação de contribuir ou de votar nos candidatos políticos. Sem dinheiro, a administração pública não tinha mais relevância e muitos tiveram de abandonar a política, porque não havia mais recursos. Acabou a corrupção.

A iniciativa privada começou a dominar todas as relações na Terra, mas não havia mão de obra, porque todos estavam velhos e doentes. Aos poucos, acabou o poder de compra e as empresas privadas também faliram.

ONGs abandonaram o slogan “preservem a floresta” para se engajarem na mais nova e necessária moda: preservem nossas crianças, humanidade em extinção!

A humanidade, envelhecida, só podia pensar sobre o passado e seus erros, pois não havia esperança no futuro.

Os homens maus envelheceram e morreram. Os pequenos, que conseguiram crescer sem sofrimento, desenvolveram-se e, quando adultos, deram prioridade aos cuidados com a infância. Com o passar do tempo, as crianças passaram a ter esperança na transformação do mundo e segurança de permanecer em seus lares. Era um recomeço para a humanidade.

Escritora Dina Arce

DEIXE SEU COMENTÁRIO

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.