O dia da infâmia

A cruel legalização do aborto vai ser enxovalhada garganta abaixo por uma ministra militante no Brasil

Foto: Shutterstock

Por Ana Paula Henkel (*)

No último 14 de julho, durante um discurso em um seminário, Rosa Weber, ministra do Supremo Tribunal Federal e atual presidente da Corte, achou inteligente comparar o vandalismo do fatídico 8 de janeiro no Distrito Federal — repudiado veementemente por todos nós da Revista Oeste — ao ataque à base naval de Pearl Harbor, nos Estados Unidos, feito pela marinha japonesa em 1941. Usando a mesma expressão que o presidente Franklin D. Roosevelt usou um dia após um ataque de guerra que matou mais de 2,4 mil pessoas, “o dia da infâmia”, Rosa Weber proferiu: “O presidente Franklin Roosevelt, em 8 de dezembro de 1941, perante o Congresso Norte-Americano, ao reagir ao ataque aéreo japonês, deflagrado na véspera, contra as Forças Navais Norte-Americanas, em Pearl Harbor, no Havaí, disse que aquela data, 7 de dezembro de 1941, pelo caráter traiçoeiro da agressão, viveria eternamente na infâmia. Para nós, 8 de janeiro de 2023 será eternamente o dia da infâmia. E não deixaremos ser esquecido, na defesa da democracia constitucional e do Estado Democrático de Direito”.

Na ocasião, escrevi um artigo aqui em Oeste mostrando que a comparação de Rosa Weber não mostrava apenas uma ignorância abissal, mas um desrespeito histórico às vítimas daquele brutal ataque que acabou colocando os Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial.

Agora, diante da aposentadoria, Rosa Weber mostra sua verve mais cruel. Ao apagar das luzes, a saída da ministra da Corte se dá pela porta traseira, colocando em julgamento a ADPF 442 que, em mais uma manobra ativista de um membro do tribunal, sequestra a prerrogativa do Congresso e joga para o plenário do STF o poder de legislar que o tribunal simplesmente não possui. Na famigerada ação proposta pela extrema esquerda — e abraçada por Weber — está a descriminalização do aborto no Brasil e a autorização para aplicar a pena de morte a milhões de inocentes que nunca cometeram crime algum. Assim como na descriminalização do porte e uso da maconha, o Supremo Tribunal Federal dá de ombros aos limites constitucionais da instituição e mostra com veemência o mais retumbante desrespeito às nossas casas legislativas.

Ministra Rosa Weber em sessão plenária do STF (21/9/2023) – Foto: Carlos Moura/SCO/STF

Há enormes diferenças entre a política norte-americana e a brasileira, desde o próprio colégio eleitoral até o cenário que envolve partidos; no Brasil são dezenas deles, e nos Estados Unidos apenas os dois maiores importam e ditam os caminhos políticos. No entanto, há sempre algo que podemos aprender com a política americana e suas ramificações. A eleição presidencial americana de 2016 trouxe um ponto de reflexão para o mundo. Na histórica eleição que deu a vitória a Donald Trump, muitos eleitores rejeitavam ambos os candidatos, e aquele pleito ficou marcado como “uma eleição entre dois candidatos ruins”. E foi ali que muitos — muitos — republicanos mostraram o que é chamado aqui nos Estados Unidos de single issue voter, ou “eleitor de questão única”.

Alguns, sem demonstrar apoio incondicional a Trump, votaram no empresário de sucesso apenas pela experiência na economia e em negociações, afinal, a América é a terra da oportunidade. Outros votaram contra Hillary Clinton e sua plataforma de governo que já demonstrava que o Partido Democrata fazia uma guinada severa à esquerda radical. No entanto, como uma grande nação cristã, um dos pontos mais importantes que pesou na balança a favor do malcriado das redes sociais e de coletivas de imprensa foi o foco “na floresta e não na árvore”, como dizem os ianques. O alvo? A Suprema Corte Americana.

Trump
Ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump – Foto: Tia Dufour/Casa Branca

Com uma mancha brutalmente ativista em sua história, o famoso caso Roe vs. Wade, processo usado pela Suprema Corte Americana para legalizar o aborto em 1973, colocando na Constituição um “direito” que nunca existiu por lá, muitos cristãos, republicanos, democratas e independentes que são contra o aborto taparam o nariz em 2016 e miraram a floresta, ajudando a eleger Trump pelo único, mas o mais importante motivo na vida — a proteção à própria vida. Resgatar a maioria de juízes constitucionalistas na Corte, e trabalhar para reverter a lei que nasceu de um ativismo judicial histórico e que ceifou a vida de quase 65 milhões de bebês desde 1974, foi a única e principal razão para eleger o republicano.

Eleição ganha em 2016, logo em abril de 2017, Neil Gorsuch, um defensor do originalismo na interpretação da Constituição dos Estados Unidos (o que os Pais Fundadores estabeleceram nos documentos) foi confirmado para a SCOTUS através da primeira nomeação de Trump. Em 9 de julho de 2018, o presidente Trump nomeou mais um juiz conservador para a Suprema Corte dos Estados Unidos, Brett Kavanaugh, dessa vez para preencher o cargo vago pelo juiz Anthony Kennedy, que havia se aposentado. A balança, até então sólida para o lado progressista e ativista, havia finalmente sofrido severo dano. Antes de sair da Casa Branca, Trump colocou uma terceira juíza originalista, Amy Coney Barrett, para assegurar ainda mais o respeito à Constituição americana, evitando assim que uma Corte constitucional legislasse.

Neil Gorsuch, Brett Kavanaugh e Amy Coney Barrett – Foto: Wikimedia Commons

Para aqueles que votaram em Donald Trump de olhos fechados, mas com olhos na Suprema Corte — aqueles que clamavam e defendiam que 2016 seria uma eleição para 40 anos, e não apenas quatro —, o trabalho estava iniciado e a partir dali seria uma questão de tempo até a Corte revisitar o diabólico Roe vs. Wade. A Suprema Corte nos Estados Unidos é sempre um assunto extremamente estratégico para qualquer presidente deles — e deveria ser para nós, brasileiros, também.

Nesta semana, a cruel legalização do aborto — a prática diabólica de ceifar vidas inocentes no ventre de suas mães como “política de saúde pública”, ladainha demoníaca também empurrada aos americanos usando Roe vs. Wade — vai ser enxovalhada garganta abaixo por uma ministra militante no Brasil. Em Roe vs. Wade, os juízes simplesmente inventaram um direito que não existe, o mesmo que seguirá no Brasil se o Congresso continuar de joelhos a um sistema que alimenta um monstro jurídico com uma ganância sem freios para fazer leis. Nos Estados Unidos, esse erro não foi lamentável apenas por tirar dos estados o direito e a autonomia para decidir a questão através de suas legislaturas estaduais, mas ceifou a vida de quase SESSENTA E CINCO MILHÕES de bebês nos ventres de suas mães desde os anos 1970.

Manifestantes se reúnem na Suprema Corte dos Estados Unidos, em Washington, DC, após um relatório de que a contagem anularia Roe vs. Wade, encerrando o direito constitucional ao aborto (3/5/2022) – Foto: Drew Petrimoulx/Shutterstock

Para aqueles que taparam o nariz e votaram no malcriado do século exatamente pelas indicações à SCOTUS para a reversão de Roe vs. Wade, os dividendos foram colhidos. Depois de quase meio século, os eleitores norte-americanos finalmente tiveram seus direitos restaurados sobre a questão do aborto. Em junho de 2022, a decisão mais desonesta e destrutiva da história dos Estados Unidos finalmente foi derrubada. A Suprema Corte, com maioria conservadora graças a Donald Trump, anulou Roe vs. Wade e, efetivamente, encerrou o reconhecimento do “direito constitucional” ao aborto, dando aos estados o poder de permitir, limitar ou proibir completamente a prática. Uma vitória não apenas para aqueles que são contra o aborto, mas para aqueles que têm constituições como o único norte possível em uma nação séria, já que o que também sempre esteve no centro desse debate não era apenas a sagrada proteção à vida humana, defesa importante para um país fundado em preceitos cristãos, mas a manutenção de um dos pilares mais preciosos da República norte-americana: o federalismo e a autonomia dos estados de passar suas próprias leis de acordo com o que a população deseja.

Para milhões de cristãos nos Estados Unidos, o voto em Donald Trump em 2016 tinha um objetivo bem maior que todos nós: a proteção à vida humana. Em uma passagem de uma decisão da Suprema Corte de 1992, no caso Planned Parenthood vs. Casey, o juiz Anthony Kennedy, nomeado por Ronald Reagan, escrevendo para a maioria, disse: “No coração da liberdade está o direito de definir o próprio conceito de existência, de propósito, de universo e do mistério da vida humana. Crenças sobre esses assuntos não podem definir os atributos da personalidade se forem formadas sob coação do Estado”. Derrubar Roe vs. Wade não encerra a luta para proteger a vida humana desde o útero. Proteger a vida desde a sua concepção ainda é uma das batalhas mais importantes para os cristãos aqui nos Estados Unidos, principalmente pelo simbolismo que o caso leva para o mundo e, como vimos, com eco também no Brasil.

Reunião do presidente Ronald Reagan com o juiz Anthony Kennedy, no Salão Oval (11/11/1987) – Foto: Domínio Público

Alguns de nós têm ideias sobre o que é justo, decente, bom, prudente e necessário que são radicalmente diferentes das ideias que outros americanos ou brasileiros têm sobre o que é justo, decente, bom, prudente e necessário. A democracia não é muito boa em muitos aspectos, ou sequer perfeita, mas as instituições democráticas são a forma como resolvemos essas divergências. É disso que elas derivam sua legitimidade. A democracia tem suas deficiências — principalmente enraizadas no fato de que os seres humanos são universalmente falhos. Mas a alternativa — a de não obedecer e respeitar os pilares institucionais de uma nação — é inflamar ainda mais a sociedade, já tão exaurida por desentendimentos. E muitas dessas graves fagulhas que mantêm o fogo da discórdia aceso vêm exatamente dessas falhas de nossas instituições em não se manter em suas esferas e prerrogativas.

É preciso seguir firme na inviolável proteção à vida de inocentes e na defesa de nossos pilares constitucionais. A vergonhosa e covarde decisão de Rosa Weber de legislar a favor da morte não pode seguir seu caminho

O simbolismo do fim de Roe vs. Wade vai além da bela e justa proteção à vida: é um triunfo da defesa fiel dos impotentes contra os poderosos, de juízes e niilistas de Washington a Hollywood. No entanto, aqui nos Estados Unidos, os defensores da vida não devem ficar complacentes depois que a institucionalização do assassinato de bebês foi revertida, pois tal decisão apenas devolve a política de aborto aos processos americanos comuns de democracia representativa, sagradamente protegidos nas fundações da República. Alguns estados americanos restringirão ou proibirão abortos eletivos, outros continuarão a celebrá-los e subsidiá-los. O movimento pró-vida ainda enfrentará muitas batalhas. No Brasil, o mesmo movimento da Suprema Corte Americana de 1973, da legislação do aborto pelas vias judiciárias, tenta ganhar fôlego e ares de normalidade. Para o ativismo, a letra fria da lei; mas também podemos mostrar que existe um modo de vida melhor do que aquele incentivado por uma cultura do aborto.

Ativistas antiaborto marcham em Washington, DC, nos Estados Unidos, até a Suprema Corte, na esperança de derrubar o caso Roe vs. Wade (21/1/2022) – Foto: Shutterstock

A verdadeira fissura que atravessou a Suprema Corte Americana em 1973 e hoje corta o STF não é entre os chamados progressistas e conservadores, mas entre aqueles que acreditam que os juízes são superlegisladores — o que acontece atualmente com praticamente todos os ministros no Supremo Tribunal Federal. Ministros que não são nem juízes, com poderes surrupiados para impor sua própria visão sobre a sociedade e legislar à vontade.

É preciso seguir firme na inviolável proteção à vida de inocentes e na defesa de nossos pilares constitucionais. A vergonhosa e covarde decisão de Rosa Weber de legislar a favor da morte não pode seguir seu caminho. E a ministra, que tanto falou sobre Pearl Harbor, agora tem um dia da infâmia para chamar de seu.

Ana Paula Henkel

(*) Pesquisadora associada do Instituto Ronald Reagan, é hoje arquiteta e analista política. Ex-atleta, atuou pela Seleção Brasileira de Voleibol e disputou quatro Olimpíadas. Foi medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de 1996, em Atlanta, Estados Unidos, pelo vôlei de quadra. É bicampeã mundial no vôlei de praia. Tornou-se um dos principais nomes femininos do pensamento liberal-conservador. Vive em Los Angeles, onde cursa Ciência Política pela Ucla.

Fonte: https://revistaoeste.com/revista/edicao-183/o-dia-da-infamia/

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