Conservadores de ocasião

A direita oportunista ajudou a alimentar o monstro das perseguições políticas e segue muda diante da barbárie contra a Constituição

Ana Paula Henkel

Por Ana Paula Henkel (*)

Em 2020, a pandemia colocou máscaras em todos. Mas foi apenas em 2022 que elas caíram de vez da cara de pau de conservadores e liberais de ocasião no Brasil — aqueles que, durante quase quatro anos, surfaram na onda da eleição de Jair Bolsonaro e fizeram marketing, muito marketing, como paladinos do “conservadorismo”, do “liberalismo” e de uma série de conceitos ligados ao espectro da direita no mundo apenas para vender seus cursos e desfilar sua arrogância.

Foi em 2022 que os “defensores do constitucionalismo” abandonaram suas fantasias de vez, fizeram cara de nojo para o movimento de uma direita que cresceu aos trancos e barrancos no Brasil, e não apenas traíram todo um movimento, mas alimentaram o monstro das atuais perseguições políticas no Brasil, ignorando as incontáveis inconstitucionalidades que testemunhamos — afinal, elas foram cometidas contra “bolsonaristas sujinhos”. A direita também tem suas Marilenas Chauís.

A história está cheia de traidores. Alguns explicitaram suas traições em ações. Outros, no silêncio e na conivência com regimes totalitários. Durante a Guerra Revolucionária Americana, a traição de Benedict Arnold é um exemplo histórico significativo. Inicialmente, Arnold desempenhou um papel crucial em batalhas-chave para as colônias americanas, ganhando uma reputação como líder militar habilidoso e corajoso. No entanto, dificuldades financeiras subjacentes e a percepção da falta de reconhecimento que almejava alimentaram seu crescente descontentamento com a causa americana.

Pintura de Benedict Arnold, general da Guerra Revolucionária Americana, por Thomas Hart (1776) – Foto: Wikimedia Commons

Não conseguindo ser um dos protagonistas da revolução, Arnold iniciou uma troca de correspondência secreta com autoridades britânicas, incluindo Sir Henry Clinton, o comandante-chefe britânico. Essas comunicações lançaram as bases para sua traição final. No comando do forte estrategicamente crucial em West Point, Benedict planejou entregá-lo aos britânicos, com o objetivo de dar a eles controle sobre uma posição militar chave e obter proteção caso a coroa britânica vencesse as colônias.

Júlio Lancellotti é uma vergonha para a Igreja e para os cristãos. Permanecer em silêncio diante das heresias que ele comete como sacerdote seria um pecado imperdoável

No Brasil, nossos “Benedicts” visitaram as mesmas páginas. A decepção por não serem protagonistas, por não terem sido nomeados chefes da comunicação do governo, por não terem conseguido permanecer em cargos e secretarias e, claro, alguns por não terem se tornado ministros e membros do círculo fechado de Jair Bolsonaro. Diante das frustrações narcisistas, alguns saíram do governo cuspindo marimbondos. Outros, que não conseguiram subir na vida usando as escadas políticas, não apenas abandonaram o barco, mas fizeram campanha pelo voto nulo em 2022, colocando Lula e Bolsonaro em um mesmo patamar, em um claro sinal de puro revanchismo por não terem suas aspirações individuais concretizadas.

Nossos paladinos do conservadorismo, os mesmos com cursinhos caros sobre como democracias saudáveis têm absoluto respeito a constituições, ficaram mudinhos diante da barbárie diária cometida contra a nossa Carta Magna pelo STF, durante a censura imposta pelo TSE, durante a perseguição a jornalistas que tiveram suas contas bancárias bloqueadas, suas redes sociais derrubadas e seus passaportes cancelados, durante a prisão ilegal de um deputado “bolsonarista” que, mesmo recebendo o indulto presidencial, segue na prisão.

Daniel Silveira progressão semiaberto
Em 2022, Daniel Silveira foi condenado pelo STF a oito anos e nove meses de prisão – Foto: Plínio Xavier/Câmara dos Deputados

Os defensores da liberdade que citam Edmund Burke e os Pais Fundadores da América como bússola moral seguem num silêncio sepulcral diante das atrocidades cometidas contra presos políticos do 8 de janeiro e de como o atual (des)governo segue implementando o projeto de poder tão sonhado pelo Foro de São Paulo e seus ditadores.

E, em 2024, nossos conservadores de ocasião que vendem livros e palestras sobre as barbáries de regimes totalitários seguem não desapontando. Enquanto alguns continuam fazendo cara de paisagem com um comunista no STF, outros decidiram repaginar a imagem através da sinalização de virtude religiosa, afinal, o que pode garantir com mais eficácia um lugar ao sol do que fotos rezando? Talvez fotos de mãos dadas com ministros influentes, mesmo que eles sejam os carrascos de antigos amigos de trincheiras.

Na onda da mais absoluta conivência, agora testemunhamos a postura de nossos bravos conservadores religiosos defensores da liberdade, das leis e de tudo o que é correto — desde que isso os ajude financeiramente — mergulhados no mais absoluto silêncio diante de uma das maiores farsas da Igreja Católica no Brasil: o padre Júlio Lancellotti. Como Católica Apostólica Romana, digo sem pestanejar e para que a minha imperfeita Igreja volte a ter como bússola moral o refúgio de papas como João Paulo II: Júlio Lancellotti é uma vergonha para a Igreja e para os cristãos. Permanecer em silêncio diante das heresias que ele comete como sacerdote seria um pecado imperdoável.

Padre Júlio Lancellotti – Foto: Reprodução/Redes Sociais

Recentemente, houve uma tentativa de recolhimento de assinaturas para a instauração de uma CPI na Assembleia de São Paulo que investigaria ONGs que contariam com atuação do padre Júlio Lancellotti junto a pessoas em situação de vulnerabilidade social no centro da cidade. A notícia, uma investigação, foi tão incômoda que até o arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer, ligou para o prefeito da capital paulista, Ricardo Nunes (MDB), solicitando que a CPI das ONGs não fosse instalada na Câmara de Vereadores. A preocupação de dom Odilo é que a presença do nome do padre na CPI possa atingir a imagem da Igreja Católica como um todo (não ria!). A Arquidiocese de São Paulo publicou uma nota no dia 4 de janeiro na qual se pergunta “por quais motivos se pretende promover uma CPI contra um sacerdote que trabalha com os pobres, justamente no início de um ano eleitoral”, e ainda afirma que “o Padre Júlio não é parlamentar”.

O padre pode não ser parlamentar, mas age como um ativista da esquerda mais radical que existe. Chega a ser curioso como apenas uma investigação que possa envolver o padre político e militante que, recentemente, participou de uma manifestação pró-Hamas em São Paulo possa reunir a defesa em massa de políticos da esquerda metidos em maracutaias e, vejam só, do digníssimo ministro do STF, Alexandre de Moraes.

Igualmente curioso é o fato de que não encontramos nenhuma nota ou declaração da Arquidiocese de São Paulo até hoje repudiando a participação do padre em uma manifestação que apoia terroristas que degolaram bebês, estupraram e mataram mulheres em um dos eventos mais sórdidos da humanidade. Ah… que falta faz um líder como João Paulo II!

Não é novidade que a Igreja Católica no Brasil está infestada de peões da nefasta Teologia da Libertação e de seu claro alinhamento com as ideologias marxistas — o que, por si só, já gera um enorme conflito com os ensinamentos católicos tradicionais. E, infelizmente, parece que o atual papa Francisco é parte dos problemas, e não da solução. Seu silêncio ensurdecedor, tal qual o de nossos bravos conservadores de teclado, diante do avanço dos tentáculos marxistas não deixa dúvidas de que a mudez — para os reais fiéis — não pode ser uma opção.

papa Francisco cancela ida à COP28
Papa Francisco – Foto: Divulgação/Vatican News

Foi na Nicarágua, do amigo ditador de Lula, que João Paulo II demonstrou sua coragem e seu propósito contra os marxistas dentro da Igreja. Em 4 de março de 1983, o papa pousou em Manágua para uma visita oficial. As autoridades da Junta Governativa Sandinista esperavam pelo líder religioso, incluindo Daniel Ortega e sua esposa, Rosario Murillo. O papa polonês havia chegado ao país que estava à beira de uma guerra civil.

No aeroporto, havia uma faixa que dizia “Bem-vindo à Nicarágua livre graças a Deus e à revolução”. Nesse cenário, Ortega fez um discurso de apoio ao regime sandinista. João Paulo II cumprimentou as demais autoridades que o esperavam, bem como Ernesto Cardenal, padre e ativista marxista da teologia da libertação que ocupava um importante cargo público como ministro da Cultura do regime, algo incompatível com o Ministério dos padres católicos.

Quando João Paulo II se aproximou de Cardenal, o marxista tirou sua boina e ajoelhou-se para beijar o anel do pontífice. O papa não deixou que ele beijasse o anel e, com dedo em riste, chamou a atenção do falso profeta, em absoluto tom de reprovação.

Na época, Cardenal era um dos quatro padres que trabalhavam para o regime opressor. Ele e seu irmão, o jesuíta Fernando Cardenal, serviam ao governo revolucionário sandinista, além de Miguel d’Escoto, como ministro das Relações Exteriores, e Edgard Parrales, um diplomata. Cardenal acreditava que seu serviço como ministro da Cultura era uma extensão de seu ofício sacerdotal. João Paulo II, que viu e viveu de perto os horrores do comunismo, discordava veementemente e fez questão de não esconder isso — mesmo em público.

O corajoso ato de João Paulo II foi uma prévia do resto da viagem do papa. Ele também não escondeu sua oposição ao governo sandinista que pregava a integração dos ideais cristãos e marxistas — absolutamente incompatíveis! —, e sua desaprovação daqueles cristãos que, como Cardenal, abjetamente viram na revolução nicaraguense uma oportunidade para promover a nefasta doutrinação marxista através da “caridade”.

João Paulo II, em 1983 – Foto: Domínio Público

Quando os padres do governo da Nicarágua recusaram a exigência do papa de que deixassem seus cargos, eles foram excomungados e privados de suas faculdades sacerdotais. No caso de Cardenal, essa situação continuou até 2020, quando o papa Francisco lhe concedeu a “absolvição de todas as censuras canônicas”. Até hoje, os católicos espalhados pelo mundo, e atônitos diante das barbáries cometidas contra seus irmãos e irmãs na Nicarágua, aguardam uma palavra firme do papa Francisco contra as ações do ditador amigo de Lula.

A visita de João Paulo II à Nicarágua, em 1983, deixa lições até hoje — principalmente para o Brasil e seus conservadores e cristãos de araque que, em silêncio, veem a total ruptura de um estado de ordem e liberdades com a volta do lulocomunismo ao poder. Durante a homilia de João Paulo II em Manágua, além dos fiéis aplaudindo o papa, grupos de sandinistas gritavam slogans a favor de sua revolução: “Entre o cristianismo e a revolução não há contradição!”. Os gritos enfureceram o papa, que pediu silêncio mais de uma vez e finalmente lhes disse: “Silêncio. A Igreja é a primeira a querer a paz”. João Paulo II então saiu do roteiro e disse: “Cuidado com os falsos profetas. Eles se apresentam em pele de cordeiro, mas por dentro são lobos ferozes”.

A coragem para mostrar a verdade é carregada no legado de João Paulo II e é o único caminho para desmascarar os falsos sacerdotes — e sufocar a mentira da face dos falsos fiéis.

(*) Pesquisadora associada do Instituto Ronald Reagan, é hoje arquiteta e analista política. Ex-atleta, atuou pela Seleção Brasileira de Voleibol e disputou quatro Olimpíadas. Foi medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de 1996, em Atlanta, Estados Unidos, pelo vôlei de quadra. É bicampeã mundial no vôlei de praia. Tornou-se um dos principais nomes femininos do pensamento liberal-conservador. Vive em Los Angeles, onde cursa Ciência Política pela Ucla.

Fonte: https://revistaoeste.com/revista/edicao-199/em-breve-5/

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