Morte ao mensageiro

O possível reconhecimento externo do Brasil como uma ditadura disfarçada de democracia, através da repercussão internacional, quebrou as pernas do consórcio

Notícias sobre os tuítes de Elon Musk questionando Alexandre de Moraes, nos principais jornais do mundo - Foto: Reprodução

Por Ana Paula Henkel (*)

“Por que você está exigindo tanta censura no Brasil?” Com apenas uma pergunta, o bilionário Elon Musk, dono da rede X (antigo Twitter), colocou o Brasil diante dos olhos do mundo. E sem vendas. Há seis dias, o Brasil está nas principais manchetes do planeta — Elon Musk finalmente furou a bolha e expôs globalmente o estado de exceção de um Judiciário completamente autoritário e inconstitucional ao qual nosso país está hoje submetido.

Em uma publicação no X de 11 de janeiro em que o ministro Alexandre de Moraes parabeniza o ex-ministro da Corte Ricardo Lewandowski pelo cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública, Elon disparou o questionamento que qualquer brasileiro são quer fazer: por que estamos diante de tanta censura no Brasil?

Depois da exposição dos arquivos do Twitter Brasil, trazida a público pelo jornalista americano Michael Shellenberger, o dono da rede X entrou em uma sequência de mensagens para Alexandre de Moraes que colocou não apenas lenha em uma fogueira já com altas chamas, mas mostrou ao mundo o que brasileiros vêm sofrendo com prisões ilegais, desrespeito à Constituição e ao devido processo legal, perseguições políticas e censura — muita censura nos últimos anos. Toda essa barbaridade para “proteger a democracia”.

Logo após a denúncia dos arquivos do Twitter Brasil, o perfil Global Government Affairs, uma das contas oficiais da rede X que representa duas grandes entidades dentro da XCorp, de Elon Musk, postou a seguinte mensagem:

“No centro desse debate está nossa crença de que algumas das ordens judiciais que recebemos não estão de acordo com o Marco Civil da Internet ou com a Constituição Federal brasileira.

As pessoas devem saber por que sua conta está bloqueada ou por que estão sendo investigadas, e devem ter direito ao devido processo para se defenderem em um tribunal público. Acreditamos que esse direito é garantido pela Lei do Marco Civil e pela Constituição Federal do Brasil.

O sigilo em torno desse processo está prejudicando a confiança nas instituições públicas. Entramos com vários recursos, alguns dos quais estão pendentes há mais de um ano. Ignorar esses recursos é uma violação do devido processo legal.

Pedimos ao tribunal que levante as ordens de sigilo sem demora, que ouça nossos recursos e que os outros poderes da República façam todos os esforços, dentro de suas respectivas jurisdições, para exigir a transparência essencial em uma democracia próspera.”

Desde então, uma série de postagens de Elon revelariam ao mundo a absoluta juristocracia de Alexandre de Moraes. Através de questionamentos e afirmações, Elon toca nas acusações contidas nos arquivos do Twitter Brasil de que o ministro teria desrespeitado a Constituição do Brasil e violado leis com ordens ilegais de banimento de contas na plataforma. Musk acabou movendo peças no tabuleiro político que estão deixando autoridades brasileiras preocupadas com o que ele pode expor — o verdadeiro complexo industrial da censura no Brasil, implementado através de nossas instituições. Em seis dias, o assunto já foi abordado em quase 2 mil artigos em todo o mundo.

Notícias sobre o Brasil em alguns dos principais jornais do mundo – Foto: Reprodução

Mas não são apenas as postagens de Musk que mencionam Alexandre de Moraes que já alcançaram números impressionantes — mais de 350 milhões de visualizações. O número de salas de áudio na plataforma de Musk para discutir os arquivos do Twitter Brasil, o X Spaces, também é histórico. Salas de discussões estão sendo abertas todos os dias por jornalistas, políticos e perfis de todo o mundo para debater o que está acontecendo com os brasileiros. Muitos afirmam que esse nível de censura está “vindo para todos nós no mundo”.

Há dois dias, Elon Musk apareceu em uma dessas salas de que eu participava como jornalista convidada, juntamente com outros nomes brasileiros, como Rodrigo Constantino, Renata Barreto e os parlamentares Marcel van Hattem, Bia Kicis e Eduardo Girão. As falas de Musk desnudam, mais uma vez, a grave realidade do Brasil. Consequentemente, suas declarações chegaram até as manchetes globais novamente.

“O povo do Brasil deve saber que existe um abuso do Poder Judiciário em um grau extremo que não vimos em nenhum país da Terra. Nunca vi nada dessa magnitude. Então é uma loucura. E os representantes eleitos do povo do Brasil é que deveriam estar no comando. O Judiciário está lá para, sabe, executar a lei, mas não para fazer a lei. Mas eles estão fazendo a lei e eu acho que é um ultraje. As pessoas deveriam estar extremamente preocupadas. Então isso tem que parar.

Eles ameaçaram cortar o X inteiramente do Brasil. Eles também ameaçaram prender nossos funcionários e determinaram uma multa de US$ 20 mil por dia. Isso é exatamente as ameaças que foram feitas. Não sei se essas ameaças vão se concretizar ou não, mas a julgar pelo que aconteceu com outros eu acho que essas ameaças são reais. Eu acho que isso é realmente a autoridade judicial indo muito além da autoridade judicial se transformando em uma autoridade executiva. Então, eu só acho que isso é totalmente impróprio. Quero dizer, a lei está violando a lei — é uma loucura.”

E é claro que, diante da global repercussão, o sistema e o consórcio logo deram as caras para assassinar o mensageiro. Já lemos os maiores absurdos na imprensa vendida ao establishment sobre as mais estapafúrdias teorias conspiratórias envolvendo não apenas o nome de Elon Musk com um “grupo secreto de bolsonaristas”, mas sua infância, adolescência e vida adulta.

Fato é que essa marcha cega para matar o mensageiro não vai arrefecer a temperatura do teor das mensagens. Talvez o consórcio Lula/STF/imprensa ainda não tenha entendido onde se meteu, ou contra quem está brigando. Elon Musk é dono de um império no qual a rede social X é apenas um banco de dados para futuros desenvolvimentos de projetos muito maiores. Um “troco” em sua fortuna. Elon hoje pode até ser o soldado destemido contra a censura, e devemos, sim, usá-lo para isso. Mas é ingenuidade achar que toda a trama dessa tapeçaria seja apenas a liberdade de expressão. Musk, hoje, tem uma fortuna avaliada em quase US$ 200 bilhões. Ninguém atua brilhantemente nas áreas em que ele opera sem um imenso respaldo de setores estratégicos.

Nascido na África do Sul, de pai sul-africano e mãe canadense, Musk demonstrou um talento precoce para computadores e empreendedorismo muito cedo. Aos 12 anos, ele criou um videogame e o vendeu para uma revista de informática. Em 1988, depois de obter um passaporte canadense, Musk deixou a África do Sul por não apoiar o apartheid e por querer maiores oportunidades econômicas. Frequentou uma universidade no Canadá antes de se transferir para a Universidade da Pensilvânia, onde obteve bacharelado em física e economia.

Dois dias depois de se matricular em um programa de pós-graduação em física na Universidade Stanford, aqui na Califórnia, Musk adiou sua entrada na turma para lançar o Zip2, um dos primeiros serviços de navegação on-line. Ele então investiu uma parte dos lucros dessa startup para criar o X.com, sistema de pagamento on-line que foi vendido ao eBay e que, finalmente, tornou-se o PayPal.

Em 2004, Musk tornou-se um grande financiador da Tesla Motors (agora Tesla), o que o levou à sua posição atual como CEO da empresa de veículos elétricos. Além da sua linha de automóveis elétricos, a Tesla produz dispositivos de armazenamento de energia, acessórios para automóveis e, desde a aquisição da SolarCity, em 2016, sistemas de energia solar. Musk também é CEO e engenheiro-chefe da Space Exploration Technologies (a SpaceX), desenvolvedora de foguetes de lançamento espacial.

Em dezembro de 2020, a Tesla juntou-se ao S&P 500, tornando-se a maior empresa já adicionada, e, em janeiro de 2021, Musk tornou-se a pessoa mais rica do mundo — um título que oscila juntamente com o valor da Tesla. Também em 2020, a SpaceX fez história quando se uniu à Nasa e enviou dois astronautas à Estação Espacial Internacional e os trouxe de volta — a primeira vez que uma empresa privada fez isso.

Depois que a confiabilidade foi estabelecida, a Nasa viu uma oportunidade de contratar a SpaceX para voar até mesmo suas cargas úteis mais cruciais. Os militares também aproveitaram a confiabilidade a custos reduzidos. A SpaceX ramificou-se e implantou a Starlink, uma rede de comunicação de 5,2 mil satélites, um sucesso comercial amplamente utilizado, inclusive pela Ucrânia em sua guerra com a Rússia. O objetivo de Musk é colocar 40 mil satélites na órbita da Terra.

O desfecho indireto para os brasileiros em seu mais recente capítulo se apoia também na combinação com um detalhe importantíssimo nessa equação: a aposta na vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais em novembro. A dimensão do escândalo dos Twitter Files Brasil, mais a batida de Moraes contra Musk — agora incluído em um dos inquéritos sem fim do ministro —, e mais o amor declarado do governo Lula ao eixo do mal (com direito a cartinhas de amizade e agradecimento do Hamas) podem acelerar as coisas.

A bolha foi furada. Nosso futuro ainda é incerto, mas demos um passo importante. Ficou um pouco mais difícil manter a ditadura de um ministro com rompantes napoleônicos

Aliás, essa bizarra inclusão do bilionário em inquéritos draconianos de Moraes foi um dos pontos altos da imprensa internacional — e uma das melhores reações que Musk poderia conseguir. A total subversão do sistema acusatório brasileiro e a existência de práticas típicas de tribunais de exceção estão expostas ao mundo agora — como brilhantemente mostrou o deputado Gustavo Gayer no Parlamento Europeu, nesta semana.

Para completar, tudo isso acabou despertando o interesse formal da Câmara dos Estados Unidos, que agora pede a Elon Musk que o material exposto no Twitter Files Brasil seja apresentado ao Congresso Americano. Isso não é certeza de retorno da normalidade democrática para o Brasil. Antes de tudo melhorar, as coisas podem ficar bem ruins.

Se tudo isso vai melhorar a situação do Brasil? Não sabemos. Se sairemos do estado de exceção ao qual o país está de joelhos? Só o tempo nos mostrará. Fato é que chegamos aonde chegamos por causa da imprensa. A velha e vendida, que ajudou a colocar de volta no cenário político brasileiro um dos maiores corruptos de nossa história, e a imprensa independente no Brasil e no mundo, que não aceitou ser calada.

O possível reconhecimento externo do Brasil como uma ditadura disfarçada de democracia, através da repercussão internacional, quebrou as pernas do consórcio. A verdade chegou aonde o sistema não esperava. A bolha foi furada. Nosso futuro ainda é incerto, mas demos um passo importante. Ficou um pouco mais difícil manter a ditadura de um ministro com rompantes napoleônicos.

Como disse John Adams (1735-1826), segundo presidente dos Estados Unidos: “Fatos são coisas teimosas; e quaisquer que sejam os nossos desejos, as nossas inclinações, ou os ditames da nossa paixão, eles não podem alterar o estado dos fatos e as evidências”.

Desta vez, ficou difícil esconder os fatos. E também o mensageiro.

Pesquisadora associada do Instituto Ronald Reagan, é hoje arquiteta e analista política. Ex-atleta, atuou pela Seleção Brasileira de Voleibol e disputou quatro Olimpíadas. Foi medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de 1996, em Atlanta, Estados Unidos, pelo vôlei de quadra. É bicampeã mundial no vôlei de praia. Tornou-se um dos principais nomes femininos do pensamento liberal-conservador. Vive em Los Angeles, onde cursa Ciência Política pela Ucla.

Fonte: https://revistaoeste.com/revista/edicao-212/morte-ao-mensageiro/

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