O controle da linguagem

O julgamento dos 'atos golpistas', que não deveria se dar no foro supremo, foi um típico show trial soviético

Por Rodrigo Constantino (*)

Em Winter is Coming, livro em que analisa a ascensão de Putin ao poder e como ele se transformou num tirano, o enxadrista Garry Kasparov, também ativista pela liberdade, diz o seguinte sobre o famoso livro de Orwell:

“O tema mais poderoso do livro de Orwell não é o do Grande Irmão que tudo vê, mas o do controle e da distorção da linguagem, especialmente na forma de ‘novilíngua’. As palavras assumem significados invertidos, as palavras que expressam ideias não aprovadas são eliminadas e o próprio pensamento humano é restringido através da redução e simplificação do vocabulário. Esta tentativa de distorcer a realidade através do controle da informação não é ficção científica para quem leu o Pravda na União Soviética, ou para quem vive hoje na Rússia de Putin.”

Poderíamos acrescentar sem medo de errar: e no Brasil do PT e do STF. Afinal, o julgamento dos “atos golpistas”, que não deveria se dar no foro supremo, foi um típico show trial soviético. Com o apoio da velha imprensa, o ministro Alexandre de Moraes posou de defensor da democracia contra “terroristas”, mas acabou foi trucidando, uma vez mais, as leis do país e aviltando a própria democracia. Ele proferiu a pena ao primeiro “golpista”: 17 anos de prisão! Por vandalismo! Isso num país em que os vândalos do MST, do MTST, da Antifa, dos Black Blocs nunca terminam atrás das grades. Num país em que traficantes são soltos pelo STF, que manda devolver seus bens. Num país em que o STJ reduziu a pena de Elize Matsunaga, condenada por matar e esquartejar o marido, para 16 anos!

Foto: Leka Sergeeva/Shutterstock

Ao menos ela não participou de uma manifestação em que alguns indivíduos cometeram crimes de depredação do patrimônio público, não é mesmo? Alexandre de Moraes criou também a culpa coletiva, atribuindo crimes individuais à “turba golpista”; ou seja, basta ter estado entre os manifestantes que você pode ser responsabilizado pelo que outra pessoa fez no calor do momento.

O desembargador aposentado Sebastião Coelho apresentou a defesa do primeiro réu. No mesmo dia do julgamento, o CNJ abriu investigação e quebrou o sigilo dele por “incitação a atos golpistas”. O doutor Coelho apresentou tal “coincidência” como uma clara tentativa de intimidá-lo e disse nada temer. Sua fala foi de uma coragem inspiradora, que tanto tem feito falta ao Brasil e ao mundo. Ele teve de desenhar o absurdo. Golpe de Estado sem arma? Golpe de Estado sem o presidente na capital? Golpe de Estado com vendedor ambulante de algodão-doce? Golpe de Estado sem qualquer reação de quem tem o monopólio das armas?

Ao ministro visivelmente incomodado com tais verdades restou a ironia de que não se tratou de um passeio no parque ao domingo, o que até parecia ser o caso para o general G. Dias ao ciceronear os “golpistas” dentro do prédio. Alexandre acusou o outro lado de negacionista e terraplanista, e já sabemos que quem apela assim é porque perdeu no argumento. Eis o fato: basta um homem de coragem, armado apenas com a verdade, para fazer balançar todo um regime ditatorial que envolve desde o governo federal até o poder “supremo”, passando pela velha imprensa vendida. Eles tremem diante da simples fala que derruba narrativas falsas. Pois eles vivem das falácias. E sem elas suas ações ficam escancaradas pelo que são: pura perseguição política, abuso de poder, arbítrio.

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O ministro Alexandre de Moraes, durante a sessão de julgamento dos primeiros réus pelo 8 de Janeiro – 13/09/2023 – Foto: Wilton Junior/Estadão Conteúdo

No mesmo dia em que Alexandre condenava um manifestante a 17 anos de prisão, o brasileiro psicopata que esfaqueou a mulher na frente dos filhos foi preso nos Estados Unidos, depois de duas semanas em fuga. “No Brasil, nunca ia ser preso”, disse a irmã da vítima de Cavalcante. Errada ela não está. Mas, se ele por acaso fosse preso, o STF daria um jeito de soltá-lo, pois ao menos o monstro assassino não “atentou contra a democracia”. Tamanha inversão de valores só é possível num regime tirânico e quando as palavras e os conceitos perdem o sentido.

Juntando as peças, os comunistas no poder e seus companheiros supremos precisam manipular os conceitos das palavras, colocar-se como defensores da democracia e espalhar o medo para ter total controle sobre a população

“As ditaduras devem ser temidas para sobreviver e por isso não suportam ser ridicularizadas”, disse Kasparov. Por isso Putin foi implacável com as moças do Pussy Riot. Por isso já tem humorista perseguido no Brasil. O medo é o melhor instrumento do tirano. Por isso o Ocidente fracassou no teste da pandemia: pois o pânico incutido pelas “autoridades” levou muita gente a entregar de bandeja suas liberdades básicas. Os globalistas usam o alarmismo do “aquecimento global” pela mesma razão: desejo de controle, de poder.

Em The Psychology of Totalitarianism, Mattias Desmet comenta:

“Sempre que surge um novo objeto de medo na sociedade, existe apenas uma resposta e uma defesa na nossa forma atual de pensar: maior controle. O fato de que o ser humano pode tolerar apenas uma certa quantidade de controle é completamente ignorado. O controle coercitivo leva ao medo e o medo leva a um controle mais coercitivo. Simplesmente assim, a sociedade é vítima de um círculo vicioso que conduz inevitavelmente ao totalitarismo, o que significa um controle governamental extremo, resultando eventualmente na destruição radical da integridade psicológica e física dos seres humanos.”

Capa do livro The Psychology of Totalitarianism, de Mattias Desmet – Foto: Reprodução

Juntando as peças, os comunistas no poder e seus companheiros supremos precisam manipular os conceitos das palavras, colocar-se como defensores da democracia e espalhar o medo para ter total controle sobre a população. No fatídico dia 8 de janeiro, Alexandre de Moraes escreveu em tom de ameaça: “Os desprezíveis ataques terroristas à Democracia e às instituições Republicanas serão responsabilizados, assim como os financiadores, instigadores, anteriores e atuais agentes públicos que continuam na ilícita conduta dos atos antidemocráticos. O Judiciário não faltará ao Brasil!” Ele já sabia, pelo visto, quem eram os responsáveis e quais eram os crimes: e não teve ninguém do governo omisso sequer com sigilo telefônico quebrado! Até aqui, convenhamos, tem tudo dado certo para eles. E é por isso mesmo que o Brasil caminha a passos largos para o abismo.

(*) Economista liberal-conservador, autor do best-seller “Esquerda Caviar” (Editora Record)

Fonte: https://revistaoeste.com/revista/edicao-182/o-controle-da-linguagem/

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