A política suprema

Colocar 'república' no nome até as ditaduras comunistas colocam! Mas preservar os valores básicos republicanos é algo mais complicado

Cristiano Zanin e Luiz Inácio Lula da Silva - Foto: Montagem Revista Oeste/ Ricardo Stuckert/PR/Carlos Moura/SCO/STF

Por Rodrigo Constantino (*)

“Com nomeação e telefonema, afago de Lula a Nunes Marques sinaliza ampliação do diálogo entre o presidente e o STF”, dizia a chamada do jornal O Globo nesta semana. Logo abaixo, o subtítulo: “Iniciativa é vista por assessores como um mergulho necessário no cotidiano das articulações”. É incrível como a velha imprensa vê com tanta naturalidade a transformação do STF numa entidade totalmente política.

Foi a semana do aniversário de nossa suposta República. Nada a comemorar. Nem precisamos entrar no mérito de sua origem golpista. Basta concluir que não há nada parecido com pilares republicanos em nosso país hoje. Afinal, uma república pressupõe igualdade perante as leis, respeito à “coisa pública” e estado de direito em vez de arbítrio de homens. Como anda o Brasil nesses quesitos?

Colocar “república” no nome até as ditaduras comunistas colocam! Mas preservar os valores básicos republicanos é algo mais complicado. Censura prévia de jornalistas, prisões políticas, perseguição ideológica: essas são características de republiquetas das bananas, isso sim. São modelos mais próximos do tribalismo, ou da “cosa nostra” da máfia, onde o Estado não passa de um puxadinho do clã no poder.

O Brasil é o país do patrimonialismo, do clientelismo e do socialismo — a privatização dos lucros e a socialização dos prejuízos e das faturas. O povo trabalhador rala metade do ano praticamente só para pagar privilégios da casta poderosa e esmolas para o povão não se rebelar. A classe média, responsável por trazer solidez a qualquer república séria, acaba esmagada no Brasil pela esquerda, que sequer esconde seu desprezo por ela.

Voltemos à reportagem no Globo. O jornal carioca divulga, como se fosse tudo dentro da mais perfeita normalidade republicana, que o presidente Lula tem se esforçado para manter bons relacionamentos pessoais com cada ministro supremo. Tanto que, em determinado momento, os jornalistas soltam esta pérola: “Nesse cenário, Lula também vai intensificar o diálogo com senadores”. Tratar “juízes” da última instância do Poder Judiciário como se fossem senadores é algo tido como normal pela mídia — e pela esquerda lulista, claro.

Segundo O Globo, as “desavenças” do passado ficaram para trás, e agora reina a “harmonia” — mas não dá para falar em independência, não é mesmo? Havia alguns melindres por causa de decisões anteriores contra Lula, e o fato de o jornal considerar que isso foi superado demonstra como tudo é visto pela lente política, e não jurídica. Então quer dizer que as decisões não foram técnicas antes, com base na Constituição, e que não serão técnicas agora? Diz o jornal:

Audiência dos ministros do STF com o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva no gabinete da Presidência | Foto: Nelson Jr./SCO/STF

“Um caso de aproximação mais avançada é entre Lula e o atual presidente da Corte, Luís Roberto Barroso. Apesar de ter sido indicado para o tribunal pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT), Barroso passou a ser alvo de críticas de petistas por decisões favoráveis à Operação Lava Jato. Essas decisões incluíram a negativa de um habeas corpus para o próprio Lula, em 2018, e um voto contra o registro de candidatura dele, no mesmo ano. Entretanto, os dois deixaram as desavenças no passado e passaram a se falar ao telefone com frequência. Um dos responsáveis pelo apaziguamento foi o ministro Cristiano Zanin, que fez a mediação para um jantar que reuniu Lula e o ministro pouco antes da posse dele no comando do STF. Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes são outros dois ministros que já tiveram desavenças com o PT, mas hoje possuem boa interlocução com Lula.”

Qualquer pessoa séria já se deu conta daquilo que Charles de Gaulle concluiu décadas atrás: o Brasil não é um país sério

Puxa, que bom que tudo aparentemente ficou na paz entre Lula e seus, digo, nossos ministros do STF! Seria terrível para o país que houvesse um clima de guerra entre ambos os lados, como havia durante o governo Bolsonaro, não é mesmo? O mais triste é que justamente o advogado petista que bombou em duas tentativas de virar juiz, mas conseguiu vaga no Supremo, ainda é aquele que não recuperou a confiança do antigo chefe. Mas vem se esforçando, claro. Diz o jornal:

“Por outro lado, Dias Toffoli, que foi indicado por Lula ao STF em sua primeira passagem no Executivo, ainda não conseguiu uma reconciliação com o presidente. O petista demonstra mágoa por Toffoli não ter autorizado sua ida ao velório do irmão Genival Inácio da Silva, o Vavá, quando ele estava preso, em 2019.”

Lula não perdoa tal decisão? E Toffoli precisa cair nas graças do companheiro novamente? É tudo bem pessoal, intimista, na base da camaradagem, não é verdade? Fica a pergunta: há algum espaço para a Constituição nessa dinâmica?

Ministro Dias Toffoli, durante sessão plenária | Foto: Gustavo Moreno/SCO/STF

Estou chovendo no molhado, eu sei. Qualquer pessoa séria já se deu conta daquilo que Charles de Gaulle concluiu décadas atrás: o Brasil não é um país sério! Flertou com a ideia de se endireitar durante o governo Bolsonaro, sem escândalos de corrupção, com escolhas técnicas para ministérios, priorizando os interesses nacionais em vez de grupos de interesses particulares. Mas essa tentativa de consertar a bagunça foi traumática demais para nossa “república” esculhambada. Os próprios ministros supremos tiveram que colocar as chuteiras políticas e entrar em campo de vez, para garantir o resultado do jogo que interessava aos donos do poder.

“Perdeu, mané. Não amola! Nós derrotamos Bolsonaro!” E agora a “república” tupiniquim brasileira pode descansar em paz e harmonia. Tudo voltou ao normal. O amor venceu. E a república perdeu, mané!

(*) Economista liberal-conservador, autor do best-seller “Esquerda Caviar” (Editora Record)

Fonte: https://revistaoeste.com/revista/edicao-191/a-politica-suprema/

DEIXE SEU COMENTÁRIO

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.