A seita dos assassinos

Fanáticos não costumam reagir aos argumentos da razão. Os seguidores de Bin Laden, os malucos do Isis e os bárbaros do Hamas não entendem a linguagem diplomática

Bandeiras do grupo Hezbollah - Foto: Shutterstock

Por Rodrigo Constantino (*)

Ao contrário dos nazistas, que tentaram ocultar do mundo as atrocidades de seus campos de extermínio de judeus, os terroristas do Hamas ostentaram com orgulho o massacre que realizaram em Israel, postando nas redes sociais vídeos e imagens de suas vítimas. Eles querem que todos saibam o que fizeram. Quanto mais judeus matam, mais comemoram, gritando e cantando “Alá é grande”.

O narcisismo da elite ocidental, que projeta no mundo sua própria imagem refletida no espelho, impede uma compreensão mais acurada do fenômeno. Mas fingir que há uma disposição racional desses terroristas ao diálogo, que é possível utilizar diplomacia e fazer concessões para obter a paz, significa o caminho certo para a barbárie. Basta olhar como tem gente no próprio Ocidente apoiando essa selvageria toda. Como entender isso?

“A maior parte dos muçulmanos não é composta de fundamentalistas, e a maior parte destes não é terrorista, mas a maior parte dos terroristas atuais é muçulmana e tem orgulho de se identificar como tal”, explica Bernard Lewis, estudioso do Islã. E isso não vem de hoje. Na Idade Média, uma seita de fanáticos assassinos surgiu no Irã e se espalhou pelas montanhas sírias e libanesas. A fama do grupo se alastrou até o mundo cristão, que ficou surpreso com a fidelidade de seus membros, mais até que com sua ferocidade.

Seu líder, conhecido como o Velho da Montanha, possuía cerca de 60 mil seguidores, segundo alguns relatos da época especulavam. Para Bernard Lewis, autor de Os Assassinos, os paralelos dessa época com a atualidade são incríveis, e podemos extrair importantes lições analisando a seita medieval. De todas as lições, segundo o autor, “talvez a mais importante seja a do seu fracasso final e completo”.

Capa do livro Os Assassinos, de Bernard Lewis – Foto: Reprodução

A maioria dos alvos da seita era formada pelos próprios muçulmanos, muitas vezes autoridades estabelecidas. Quando o Velho tinha que matar algum príncipe, escolhia um dos jovens seguidores e dizia: “Vai tu e mata Fulano; e, quando retornares, meus anjos te levarão para o paraíso. E, se acaso morreres, não obstante, ainda assim enviarei meus anjos para carregar-te de volta para o paraíso”. Conta-se que o Velho oferecia haxixe como entorpecente para seus jovens seguidores. Ele os fazia acreditar no seu poder de lhes oferecer o paraíso, e isso possibilitava que os assassinos enfrentassem qualquer perigo.

Não é possível saber ao certo o que é fato e o que é fantasia nisso tudo. Alguns querem acreditar que o nome “assassino” deriva dessa droga supostamente consumida pelos seguidores da seita. Para Lewis, “muito provavelmente, foi o nome que deu origem à história, e não o contrário”. Mas isso não é importante.

A Al-Qaeda liderada por Osama bin Laden se assemelhava em vários aspectos à seita de Hasã, assim como o Estado Islâmico, o Hezbollah e o Hamas, os dois últimos apoiados pelos aiatolás xiitas do Irã

Durante o longo reinado do oitavo califa al-Mustansir (1036-1094), o império fatímida alcançou o apogeu e caiu em rápido declínio. No século 11, a debilidade interna do mundo islâmico foi revelada por uma série de invasões. Houve importantes mudanças culturais, sociais e econômicas, mudando a história do Islã. A antiga pregação do ismaelismo fracassara, e o império fatímida estava agonizando. Como coloca Lewis, “faziam-se necessários ‘nova pregação’ e novo método”.

O revolucionário que projetaria as mudanças seria Hasã-i Sabá. Para os povos belicosos e descontentes das montanhas de Dailã e Mazandarã, seu credo militante possuía atrativo poderoso. Hasã estabeleceu-se como senhor de Alamut. A vizinhança foi conquistada por seus ardis e propaganda, e, quando isso falhava, pelo morticínio, pilhagem, derramamento de sangue e guerra. Era fundada a seita dos assassinos.

Hasã-i Sabá, líder religioso e militar, fundador da seita Ordem dos Assassinos – Foto: Reprodução/Wikimedia Commons

Para suas vítimas, eles eram criminosos fanáticos, mas para os ismaelitas eles eram “um corpo de elite na guerra contra os inimigos do imame”. Abatendo os usurpadores e opressores, davam prova suprema de sua fé e lealdade. A guerra santa era o caminho para Alá. Não havia espaço para a flexibilidade na fé. Um dos filhos da Hasã teria sido executado por beber vinho. A seita era temida por todos, e o caráter suicida de seus membros gerava pânico em muitos. Até mesmo Saladino foi vítima de atentados da seita.

Na opinião de Lewis, os Assassinos não têm precedentes no uso sistemático, planejado e a longo prazo do terror como arma política. Assassínios anteriores, normalmente, eram obra de indivíduos ou pequenos grupos de conspiradores. Por esse motivo, Lewis considera que os Assassinos “podem ser os primeiros terroristas”. Havia as condições óbvias presentes: organização e ideologia. A organização permitia planejar os ataques e sobreviver ao contra-ataque. A crença, através do fanatismo religioso, inspirava os atacantes até o momento da morte.

Lewis explica: “Sua religião, cada vez mais, adquire as características mágicas e emocionais, as esperanças milenares e de redenção, associada aos cultos dos desapossados, dos destituídos de privilégios e dos instáveis”. Como podemos ver, os fundamentalistas islâmicos modernos são os herdeiros desses Assassinos. A Al-Qaeda liderada por Osama bin Laden se assemelhava em vários aspectos à seita de Hasã, assim como o Estado Islâmico, o Hezbollah e o Hamas, os dois últimos apoiados pelos aiatolás xiitas do Irã.

Foto: Shutterstock

Claro que a culpa em si reside no fanatismo, mas não é possível negar que a religião islâmica fornece os pretextos adequados. O próprio Lewis escreve em A Crise do Islã: “Segundo a lei islâmica, está de acordo com as escrituras fazer guerra contra quatro tipos de inimigos: infiéis, apóstatas, rebeldes e bandidos”. A jihad é uma obrigação religiosa para muito muçulmano.

Diante desse breve resumo, fica mais fácil compreender algumas atitudes do Hamas, e o apoio que esses terroristas recebem de muçulmanos espalhados pelo mundo. Também fica claro que não há qualquer possibilidade de diálogo ou diplomacia com gente assim, cuja única missão é “exterminar os infiéis”.

Um ativista palestino admite o óbvio, que a elite “progressista” ocidental ignora: “O desastre da Palestina não é um desastre de perda de terras ou derrota militar. É um desastre de ausência de liderança que possa articular a alternativa árabe à guerra e à morte. Pedimos ao mundo que pare a guerra israelita contra o Hamas, mas o que oferecemos como alternativa para parar a guerra? Deixar apenas os bandidos do Hamas, que massacraram 1,3 mil israelitas, escaparem impunes dos seus crimes?”

A seita dos Assassinos encontrou seu fim na força mongol. Apenas a violência foi capaz de barrar a violência. Fanáticos não costumam reagir aos argumentos da razão. Os seguidores de Bin Laden, os malucos do Isis e os bárbaros do Hamas não entendem a linguagem diplomática. E o fanatismo é alimentado desde muito cedo, tal como era na seita de Hasã. Crianças indefesas sofrem verdadeiras lavagens cerebrais. Quando jovens, já devidamente devotos, alienados diante do mundo global moderno e materialista, enfrentando dificuldades e tendo um livro sagrado de regras duras impostas pela sua religião intransigente, que exige total submissão, o terrorismo é para muitos uma fuga. Convidar alguém com esse perfil para um chá das cinco no afã de convencê-lo a deixar seus inimigos em paz é suicídio.

Terroristas do Hamas – Foto: Anas Mohammed/Shutterstock

(*) Economista liberal-conservador, autor do best-seller “Esquerda Caviar” (Editora Record)

Fonte: https://revistaoeste.com/revista/edicao-187/a-seita-dos-assassinos/?logged

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