A perseverança de um povo

O que aconteceu em 7 de outubro desnudou todo o ódio e antissemitismo incubados na esquerda mundial, na imprensa, em políticos pelo mundo e em milhares de outros desmiolados

Oficial das FDI saudando a bandeira israelense - Foto: Shutterstock

Por Ana Paula Henkel (*)

Estamos em 2023 e parece que esquecemos a história. O mundo, mais uma vez, adoeceu gravemente.

A história da perseguição judaica é longa e trágica, com numerosos casos de discriminação, violência, expulsões e barbárie. Desde o Antigo Egito, quando a escravização dos israelitas se tornou um exemplo conhecido da antiga intolerância aos judeus; passando pelo período da Roma Antiga, quando os judeus enfrentaram várias formas de preconceitos e expulsão do Império Romano; atravessando a Inquisição Espanhola, com conversões forçadas ao Cristianismo; e, claro, o horror do Holocausto, com o genocídio sistemático de 6 milhões de judeus pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial — um dos eventos mais cruéis da história judaica e da humanidade. A discriminação dos judeus também passa pela União Soviética, antes e depois da Segunda Guerra Mundial, quando os judeus enfrentaram políticas antissemitas que incluíam restrições às práticas religiosas e proibição de frequentar determinados lugares. E essas são apenas algumas páginas de uma longa história de agressões, dor, morte e superação.

Homens de uma unidade não identificada executam um grupo de civis soviéticos ajoelhados ao lado de uma vala comum (1941) – Foto: Domínio Público

No Antigo Egito, de acordo com o relato bíblico no livro do Êxodo, os judeus foram escravizados pelo Faraó e submetidos a trabalhos forçados na construção de muitas estruturas, como, por exemplo, as Pirâmides. A exatidão histórica da narrativa bíblica é debatida, mas há evidências de povos semitas vivendo no Egito durante esse período, e alguns testemunharam a servidão. Mesmo que a extensão da escravatura seja centro de debates, há poucas dúvidas de que os judeus, como minoria, teriam enfrentado discriminação e marginalização na antiga sociedade egípcia, uma vez que eram vistos como “estranhos”.

Durante o Império Romano, os judeus enfrentaram várias formas de perseguição, incluindo conversões forçadas a deuses romanos e práticas religiosas. Além de as autoridades usarem esses métodos para controlar a população judaica, os romanos destruíram o Segundo Templo em Jerusalém durante a Primeira Guerra Judaico-Romana. O acontecimento foi um golpe significativo para a vida religiosa e cultural e levou à dispersão dos judeus por todo o Império Romano, obrigando-os a deixar sua terra natal e a estabelecer-se em diferentes regiões, o que lançou as bases para a diáspora judaica.

Maquete do Segundo Templo de Jerusalém, no Museu de Israel – Foto: WIkimedia Commons

Durante a Inquisição Espanhola, que começou no final do século 15 e se estendeu até o século 18, os judeus sofreram significativamente na Espanha e, mais tarde, nos territórios portugueses. A Inquisição foi, principalmente, uma ferramenta das autoridades religiosas e políticas para impor a ortodoxia religiosa, com graves consequências para qualquer pessoa considerada uma ameaça ao catolicismo, incluindo muitos judeus.

Foi o papa João Paulo II, cujo papado durou de 1978 a 2005, que liderou um papel significativo na melhoria das relações entre a Igreja Católica e a comunidade judaica. Seus esforços culminaram num histórico pedido de desculpas aos judeus — a principal razão foi admitir os maus-tratos aos judeus por parte da Igreja e promover a reconciliação e o diálogo entre as duas comunidades de fé. Através do reconhecimento de erros passados, o papa promoveu ações como a declaração “Nostra Aetate” (“Em Nosso Tempo”), documento que repudiou o antissemitismo e enfatizou a necessidade de aproximar as relações entre católicos e judeus.

Em 26 de março de 2000, durante a sua visita a Israel, o papa João Paulo II visitou o Muro das Lamentações em Jerusalém, um dos locais mais sagrados do judaísmo, e, num gesto simbólico de reconciliação, colocou um bilhete no Muro contendo uma oração de perdão e congraçamento, expressando remorso pelos erros na história e pelos sofrimentos suportados pelo povo judeu.

Antes de se tornar papa e escolher o nome João Paulo II, o padre Karol Wojtyła, ainda na Polônia, viu muitos de seus amigos judeus serem perseguidos e mortos pelos nazistas e, depois, pelos comunistas. Diante do testemunho ocular da barbárie, seu papado marcou um ponto de virada nas relações católico-judaicas e lançou as bases para o diálogo e a cooperação contínuos nos anos que se seguiram.

O Holocausto, perpetrado pela Alemanha liderada por Adolf Hitler, mostrou ao mundo um dos eventos mais hediondos de genocídio e antissemitismo da história. A perseguição e o assassinato em massa, patrocinados pelo Estado, de aproximadamente 6 milhões de judeus, juntamente com milhões de outros, incluindo os ciganos, indivíduos com deficiência e dissidentes políticos, escancaravam a genética nazista: a ideia do estabelecimento extremo da supremacia ariana, com os judeus e outros grupos “indesejáveis” vistos como inimigos a serem eliminados. Não é difícil enxergar que o mesmo abominável pensamento foi escancarado em pleno ano de 2023.

Mesmo antes do início do massacre em massa nos anos 1940, os nazistas implementaram uma série de leis e políticas antissemitas, incluindo as Leis de Nuremberg, que restringiam os direitos e liberdades dos judeus. Essas leis excluíam os judeus da vida pública, confiscavam suas propriedades e limitavam a sua capacidade de trabalhar e casar com não judeus. Nos territórios ocupados pelos nazistas, judeus eram frequentemente forçados a permanecer em guetos superlotados e segregados, que eram caracterizados por condições de vida deploráveis, acesso limitado a alimentos e falta de saneamento básico. Os lugares serviam como áreas de detenção temporária antes da deportação para campos de concentração ou extermínio.

Nesses infernos na Terra, os prisioneiros eram obrigados a realizar trabalhos forçados em condições subumanas. Os campos de extermínio mais notórios, como Auschwitz, Sobibor e Treblinka, foram concebidos para o assassinato em massa de judeus, onde as vítimas foram sistematicamente dizimadas através de métodos como câmaras de gás, fuzilamentos em massa e cremação em escala industrial. Aqueles que não eram escolhidos para a morte eram enviados para os médicos nazistas para que experiências horríveis, muitas vezes letais, fossem conduzidas em seus corpos.

Um corpo caído na rua do Gueto de Varsóvia, na Governadoria-Geral da Polônia (1941) – Foto: Wikimedia Commons

O Holocausto chegou ao fim com a libertação dos campos de horror pelas Forças Aliadas em 1945, mas os sobreviventes enfrentaram imensos traumas físicos e psicológicos, além do desafio de reconstruir suas vidas. Após a Segunda Guerra Mundial, os altos funcionários nazistas foram julgados por crimes contra a humanidade nos Julgamentos de Nuremberg, que estabeleceram precedentes legais para processar indivíduos por genocídio e crimes contra a humanidade.

O antissemitismo sob o regime soviético

Há páginas de pura barbárie contra os judeus também na União Soviética, onde o fenômeno foi complexo e multifacetado, influenciado por uma combinação de fatores políticos, ideológicos e sociais. O governo soviético, tanto sob Lenin como sob Stalin, implementou políticas que resultaram no sofrimento da população judaica, apesar da retórica oficial de igualdade e não discriminação. Sob o regime soviético, o antissemitismo persistiu, e os judeus enfrentaram discriminação em vários aspectos da vida, incluindo educação, emprego e interações sociais. Muitas vezes estavam sujeitos a estereótipos e preconceitos.

Durante a Guerra Civil Russa (1917-1923), os judeus foram apanhados no fogo cruzado entre o Exército Vermelho, o Exército Branco e várias forças nacionalistas. Os pogroms (violência antijudaica organizada) foram realizados por diferentes facções, resultando na morte e na migração e fuga de muitos judeus da região. O governo soviético também estabeleceu a Yevsektsiya, uma seção do Partido Comunista que visava a eliminar as práticas culturais e religiosas judaicas. Escolas, publicações e instituições culturais foram suprimidas ou cooptadas pelo Estado.

O regime soviético firmava a eliminação de uma identidade judaica distinta, promovendo, em vez disso, a ideia de um “cidadão soviético”. Os judeus foram forçados a assimilar as bases da sociedade soviética mais ampla, adotando a língua e a cultura russas, por vezes à custa de sua herança judaica.

Estátua de Lenin na Praça Ala-Too, em Bishkek, no Quirguistão – Foto: Shutterstock

Durante o Grande Expurgo de Stalin, na década de 1930, os judeus, tal como outros grupos minoritários, foram alvos desproporcionais. Muitos intelectuais, artistas e figuras políticas judaicas foram detidos, executados ou encarcerados, acusados de atividades antissoviéticas ou de “cosmopolitismo”, termo usado para sugerir que os indivíduos eram mais leais às influências culturais e políticas internacionais ou ocidentais (muitas vezes vistas como burguesas) do que à ideologia e aos valores soviéticos.

A barbárie de 7 de outubro deixou um rastro de sangue de inocentes em solo israelense, e estampou a verdadeira face demoníaca dos novos nazistas

Após a Segunda Guerra Mundial, a União Soviética experimentou um ressurgimento do sentimento antijudaico. A campanha “anticosmopolita” do final da década de 1940 teve como alvo, mais uma vez, intelectuais, escritores e artistas judeus, acusando-os de deslealdade ao Estado. Os denunciados foram submetidos a humilhação pública, perda de emprego, prisão e até execução. A campanha teve um impacto significativo na comunidade judaica na União Soviética e foi logo seguida pela “Conspiração do Médico”, no início da década de 1950, que também tinha como alvo os médicos judeus, contribuindo ainda mais para a atmosfera de medo e perseguição. Hoje, o termo “anticosmopolita” é reconhecido como um eufemismo para expurgos antissemitas, uma vez que os judeus foram desproporcionalmente afetados por essas acusações.

Entre as décadas de 1960 e 1980, muitos judeus que queriam emigrar da União Soviética enfrentaram mais obstáculos e discriminação. Eles eram frequentemente rotulados de “refuseniks” e sujeitos a diversas formas de perseguições. O covarde antissemitismo não se limitou à Rússia e se expandiu para várias repúblicas soviéticas. Os judeus na Ucrânia, Bielorrússia e outras áreas do leste Europeu sofreram imensa hostilidade. A queda do Muro de Berlim, em 1989, e o colapso da União Soviética, em 1991, trouxeram certo alívio para os judeus da região, permitindo o aumento da emigração e o renascimento da vida cultural judaica. No entanto, hoje podemos ser assertivos de que o ódio a Israel e seu povo continua mais de pé do que nunca.

A queda do Muro de Berlim, em 1989 – Foto: Wikimedia Commons

O que aconteceu em 7 de outubro desnudou todo o ódio e antissemitismo incubado na esquerda mundial, na imprensa, em políticos pelo mundo e em milhares de desmiolados nas universidades norte-americanas. O que aconteceu em 7 de outubro desmascarou a intolerância daqueles que estão há anos nos chamando de intolerantes. A barbárie de 7 de outubro deixou um rastro de sangue de inocentes em solo israelense, e estampou a verdadeira face demoníaca dos novos nazistas.

Há páginas e páginas na história que mostram a violência sofrida pelo povo judeu no mundo. Dentre tantas fotos, relatos e memórias, talvez o Holocausto continue sendo a lembrança mais angustiante da profundidade da crueldade humana e dos perigos do fanatismo desenfreado. Pelo menos deveria ser! Na hedionda lista com nomes como Auschwitz, Sobibor e Treblinka, agora temos que acrescentar Be’eri, Kfar Azza e Siderot. O 7 de outubro jamais será o mesmo.

Estamos em 2023 e parece que esquecemos a história. O mundo, mais uma vez, adoeceu gravemente.

Vista do Ministergärten em direção ao Memorial aos Judeus Assassinados da Europa, em Berlim, na Alemanha (2016) – Foto: Wikimedia Commons

Mas, mesmo diante de páginas tão cruéis ao longo de tantos anos de perseguição, o povo judeu mostra que sofreu, mas que foi exemplo: lutou, venceu e reconstruiu a vida estabelecida no exemplo de uma fé inabalável. Tenho certeza de que não será diferente desta vez.

Shalom!

Ana Paula Henkel

(*) Pesquisadora associada do Instituto Ronald Reagan, é hoje arquiteta e analista política. Ex-atleta, atuou pela Seleção Brasileira de Voleibol e disputou quatro Olimpíadas. Foi medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de 1996, em Atlanta, Estados Unidos, pelo vôlei de quadra. É bicampeã mundial no vôlei de praia. Tornou-se um dos principais nomes femininos do pensamento liberal-conservador. Vive em Los Angeles, onde cursa Ciência Política pela Ucla.

Fonte: https://revistaoeste.com/revista/edicao-189/a-perseveranca-de-um-povo/

DEIXE SEU COMENTÁRIO

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.