A inveja do mundo todo

Se o Brasil é a vanguarda da tecnologia no assunto urnas eletrônicas, por que os demais países, tão mais ricos e desenvolvidos do ponto de vista tecnológico, não conseguem simplesmente nos copiar?

Por Rodrigo Constantino (*)

“O Brasil tem o sistema mais eficiente, invulnerável e transparente de eleições de todo o mundo. Nós sabemos os problemas que tínhamos com o voto impresso, e isso foi encerrado a partir da nossa votação eletrônica. Hoje em dia as urnas são motivo de orgulho e hoje daremos mais um passo nesse ciclo de transparência da história da democracia.” Foi o que disse o ministro Alexandre de Moraes uma vez mais esta semana, ao abrir o código-fonte da urna depois de muito tempo.

O Brasil não tinha voto impresso, e sim voto em cédula de papel, o que é bem diferente. Mas, deixando essa fake news de lado, cabe perguntar: se o Brasil é mesmo a vanguarda da tecnologia nesse assunto, por que os demais países, tão mais ricos e desenvolvidos do ponto de vista tecnológico, não conseguem simplesmente nos copiar? O que impede nações como a Alemanha, a Inglaterra, a França, o Japão e os Estados Unidos de produzir uma urna eletrônica similar à brasileira?

Brasil, Butão e Bangladesh adotam modelos semelhantes, enquanto os Estados Unidos, que mandaram o homem à Lua ainda na década de 1960, preferem utilizar votos em papel. Na Alemanha, a Suprema Corte chegou a considerar inconstitucional o modelo que temos no Brasil, justamente pela falta de transparência e possibilidade de apuração em público, com escrutínio geral. Simplesmente não é crível que justamente o Brasil possa dar lições de tecnologia sobre a “inviolabilidade” de um processo eleitoral.

Solenidade de Abertura do Código-Fonte (4/10/2023) – Foto: Alejandro Zambrana/Secom/TSE

No mais, cabe questionar: se temos um sistema tão seguro, transparente e confiável assim, então por que questioná-lo virou tabu, praticamente um crime? Ninguém precisa ficar justificando o tempo todo que o Pelé jogava bem futebol e ainda representa um ícone do esporte, o “Rei” no mundo todo, orgulho nacional. Imagina ter de ficar repetindo insistentemente que o Pelé era, sim, um craque e motivo de admiração coletiva: seria estranho, não acham? Afinal, todos já sabem do incrível talento do Edson Arantes do Nascimento.

Isso é análogo ao caso das vacinas da covid-19, produzidas em tempo recorde, com tecnologia ainda pouco testada no caso do RNA mensageiro. O movimento antivax sempre seduziu uma minoria, pois a imensa maioria julga que os benefícios das vacinas estabelecidas compensam os riscos. Na pandemia isso não foi assim, e governos autoritários tiveram de impor a obrigatoriedade da vacina, antes de realizar todos os testes recomendados, além de interditar o debate, não permitir que especialistas criticassem os experimentos, apelar para a censura e transformar em párias atletas saudáveis como Djokovic.

O ministro Alexandre de Moraes pode repetir quantas vezes quiser que nosso processo eleitoral é fantástico, maravilhoso ou quiçá perfeito, mas isso só tem “convencido” a velha imprensa acovardada ou corrompida

Todos esses casos possuem um denominador comum: na falta de uma autoridade natural, estabelecida pelo visível sucesso, parte-se para a autoridade da força, artificial, que precisa intimidar quem ousa questioná-la. É como se alguém quisesse espalhar a “crença” de que um zagueiro desconhecido de Várzea é melhor do que o Pelé: ele jamais vai ter êxito mostrando os resultados inquestionáveis do seu “craque”, e terá de enfiar goela abaixo de todos essa narrativa estapafúrdia, usando a força para fazer valer o seu delírio.

O povo brasileiro, em geral, não cai nessa ladainha de que temos o processo eleitoral mais seguro e transparente do planeta. Ao contrário: muita gente desconfia bastante de um processo centralizado num TSE politizado. Ao tentar transformar a urna eletrônica em objeto sacrossanto a ser idolatrado como motivo de orgulho nacional e inveja dos demais países tão mais avançados, o próprio TSE escancara a fragilidade de seu argumento.

Alexandre de Moraes, ministro do STF – Foto: Antonio Augusto/Secom/TSE

Eis algo que nunca ocorreu comigo em mais de oito anos morando nos Estados Unidos: algum gringo, ao saber que sou brasileiro, comentar sobre as incríveis urnas eletrônicas que temos. Quando o vendedor precisa se esforçar tanto assim para convencer o “consumidor” das maravilhas de seu produto, então a desconfiança só aumenta. Quando é preciso chamar de golpista quem simplesmente aponta potenciais falhas ou faz perguntas incômodas, aí resta a convicção de que estamos diante de um engodo mesmo.

Demandar um debate aberto sobre o processo eleitoral não é “atacar a democracia”, e sim buscar fortalecê-la. Ser tratado como um sujeito perigoso apenas por cobrar maiores explicações, função básica do jornalismo, é algo que levanta mais suspeitas ainda. Observar a quantidade de políticos que até ontem faziam os mesmos questionamentos e hoje tratam como golpista quem insiste neles é a prova de que algo obscuro está em jogo.

O ministro Alexandre de Moraes pode repetir quantas vezes quiser que nosso processo eleitoral é fantástico, maravilhoso ou quiçá perfeito, mas isso só tem “convencido” a velha imprensa acovardada ou corrompida. Quem ainda não perdeu o juízo e a coragem tem todo o direito de apontar para o absurdo dessa narrativa. Como a criança no conto de Hans Christian Andersen, faz-se necessário alguém inocente o suficiente para não temer ser considerado um idiota ao ver todo mundo repetindo como é linda a nova roupa invisível do imperador, e simplesmente constatar: “Mas ele está nu!”.

(*) Economista liberal-conservador, autor do best-seller “Esquerda Caviar” (Editora Record)

Fonte: https://revistaoeste.com/revista/edicao-185/a-inveja-do-mundo-todo/

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