O STF esnoba o Congresso

Não existe “ativismo judicial”. Existe ativismo e existe justiça. Se um estiver ao lado do outro, algo muito errado está acontecendo

Por Guilherme Fiuza (*)

Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso desprezaram o convite do Senado Federal para discutir o exercício do Direito hoje no Brasil. Como se sabe, a maioria dos integrantes da suprema corte brasileira — incluindo os ministros Moraes e Barroso — tem sido objeto de críticas por sua atuação frequentemente excessiva em relação às suas reais funções, o que ganhou o apelido eufemístico de “ativismo judicial”.

Naturalmente, não existe “ativismo judicial”. Existe ativismo e existe justiça. Se um estiver ao lado do outro, algo muito errado está acontecendo.

O consagrado jurista Ives Gandra Martins é uma das vozes insuspeitas a apontar deformações no exercício do Direito atualmente por integrantes do STF. Dentre os vários exemplos que já ofereceu publicamente sobre isso, o doutor Ives Gandra identificou no ato de prisão de um deputado federal (Daniel Silveira) a sobreposição da Constituição Federal pela então vigente Lei de Segurança Nacional. Um erro grosseiro no exercício do Direito cometido pelo ministro Alexandre de Moraes — do qual o doutor Gandra se afirma respeitador e admirador.

Por que Alexandre de Moraes não foi ao Congresso discutir democraticamente esta e outras matérias no mínimo controversas, relacionadas à presente atuação do STF? O doutor Ives Gandra estava lá, na sessão da Comissão do Senado proposta para discutir o “ativismo judicial”, ao lado de outras figuras respeitáveis do Direito nacional. Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes vivem evocando a figura vaga do “ato antidemocrático” para tomar decisões intempestivas e autocráticas contra aqueles que elegem como adversários. O que pode ser mais antidemocrático do que se negar a um debate civilizado no Parlamento?

O problema de Barroso e Moraes é ir ao Congresso? Não, não é. Aliás, eles foram vistos recentemente por lá com grande desenvoltura. No caso, para se reunir com líderes partidários e operar uma mágica: mudar em 180 graus a posição da comissão especial do voto auditável. A matéria que tratava de segurança e transparência do processo eleitoral, preocupação vocalizada por milhões de pessoas em manifestações portentosas nas ruas brasileiras, não agradava aos ministros do STF — um que presidia então o Tribunal Superior Eleitoral e outro que presidirá o TSE por ocasião da eleição.

Por que Barroso e Moraes não queriam a instituição do voto auditável? Não é que eles não quisessem: não queriam de jeito nenhum — a ponto de fazer uma incursão à Câmara dos Deputados e conseguir que os partidos políticos mudassem seus representantes na comissão que votava a matéria. Você não entendeu errado: Barroso e Moraes operaram um transplante de consciência na comissão do voto auditável. Para fazer isso eles não tiveram problema algum de ir ao Congresso — sem nem mesmo terem sido convidados.

O maior erro dessas figuras é achar que a sociedade não está vendo o que é democrático e o que é antidemocrático na cena política brasileira

Por que não podem ir lá discutir o “ativismo judicial”? Seria para evitar ter de responder à possível pergunta de algum senador sobre a expedição parlamentar das togas na discussão do voto auditável? O que Luís Roberto Barroso quis dizer naquela ocasião, andando descontraidamente pelos corredores da Câmara, ao comentar que “eleição não se ganha, se toma”? Foi uma piada? Se foi, qual o sentido de tamanha irreverência para um ministro da suprema corte em pleno Congresso Nacional — onde foi atuar para interferir numa matéria de segurança eleitoral? De onde vem a garantia para tamanha desenvoltura numa conduta no mínimo exótica, em se tratando do necessário equilíbrio entre Poderes?

Ministros do STF fazem o que bem entendem, com os critérios que lhes dão na telha, no âmbito do tal “inquérito do fim do mundo” — inclusive decidir numa canetada quem pode falar e quem tem de calar a boca nas redes sociais. São convidados — repetindo: convidados — para discutir isso no Senado e simplesmente ignoram a iniciativa, diante do silêncio ensurdecedor do senador Rodrigo Pacheco, presidente do Congresso, que achou por bem aderir à operação esnobe dos togados.

O maior erro dessas figuras hoje, sem sombra de dúvidas, é achar que a sociedade não está vendo, limpidamente, o que é democrático e o que é antidemocrático na cena política brasileira. O que vai acontecer não sabemos. Só sabemos que alguém vai pagar a conta.

(*) Jornalista e escritor carioca, é autor de títulos como Manual do Covarde (2018), O Império do Oprimido (2016), 3.000 Dias no Bunker (2006) e Meu Nome Não É Johnny (2004). Também roteirista de TV, autor de teatro e analista político, é uma voz de destaque no debate contemporâneo.

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