‘O mundo falhou com as mulheres’

A atriz Gal Gadot expõe a relutância das organizações internacionais em condenar a violação sexual de mulheres pelo Hamas em Israel, e desnuda as falácias de uma agenda que não passa de partidária

Ana Paula Henkel

Por Ana Paula Henkel (*)

“O mundo falhou com as mulheres.” A frase, dita nesta semana por Gal Gadot, atriz israelense com cidadania americana, simboliza perfeitamente a hipocrisia dos ditos movimentos feministas que alegam defender as mulheres pelo mundo, mas que fecham os olhos para o que aconteceu com as mulheres israelenses na barbárie cometida pelos terroristas do Hamas em 7 de outubro.

Morando nos Estados Unidos há alguns anos, Gadot alcançou o estrelato global por interpretar a Mulher-Maravilha nos filmes do Universo Estendido DC, incluindo Batman vs Superman: A Origem da Justiça (2016), Mulher-Maravilha (2017) e Mulher-Maravilha 1984 (2020), mas sua ligação com Israel é profunda. Os avós maternos viram o nazismo de perto — o avô sobreviveu ao Holocausto depois de ser enviado para o campo de concentração de Auschwitz durante a ocupação da Tchecoslováquia pela Alemanha Nazista, enquanto sua avó conseguiu escapar do continente europeu antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial.

Esta semana, em sua conta oficial do Instagram, Gadot mostrou a mesma coragem da época em que serviu as Forças de Defesa de Israel por dois anos como instrutora de combate físico e, apontando o dedo também para a turba hollywoodiana que parece anestesiada pela ignorância e pelo antissemitismo, escreveu:

“O mundo falhou com as mulheres do 7 de outubro. Afirmamos que nos levantamos contra o estupro, contra a violência contra as mulheres, que não permitiremos que as mulheres sejam vitimizadas e depois silenciadas. Dizemos que acreditamos nas mulheres, que apoiamos as mulheres, que falamos pelas mulheres.

No dia 7 de outubro, o mundo testemunhou o Hamas executar seus planos violentos em tempo real. Poucas horas depois do ataque de 7 de outubro, surgiu o primeiro vídeo arrepiante de Shani Louk sendo mostrada nua e desrespeitada por seus orgulhosos agressores. No entanto, dois meses depois, as mulheres ainda são reféns desses estupradores, e o mundo não conseguiu chamar essa situação do que é: uma emergência urgente que exige uma resposta decisiva.

Este é o nosso momento de agir como mulheres e aliadas das mulheres. Imploro a todos aqueles que tanto fizeram pelos direitos das mulheres em nível mundial, desde a ONU até a comunidade dos direitos humanos, que se juntem à exigência de que o Hamas liberte todas as mulheres reféns imediatamente — não depois da próxima rodada de mediação internacional, não depois de mais um dia. Essas mulheres não podem sobreviver a mais um momento desse horror.”

O silêncio da ONU Mulheres, assim como o de movimentos como o #MeToo, é perturbador. Não há como sequer tentar entender a reticência sobre os estupros coletivos, as fraturas de pelve das vítimas do 7 de outubro, as mutilações genitais e o vilipêndio de seus corpos barbarizados pelos terroristas

A importante mensagem de uma voz feminina proeminente da casta do entretenimento acerta em cheio o silêncio das Nações Unidas e de outros organismos de defesa dos direitos das mulheres sobre a brutal violência sexual perpetrada pelos terroristas do Hamas. Gadot expõe com clareza a teimosa relutância dessas organizações internacionais em condenar a violação sistemática e a mutilação sexual de mulheres pelo Hamas em Israel, e desnuda as falácias de uma agenda que não passa de partidária e que mostra que há uma “hierarquia de vítimas”, em que as mulheres israelenses se encontram relegadas à trivialidade.

Em um protesto em Londres no domingo, 3 de dezembro, que contou com a presença de outra atriz, a britânica Maureen Lipman, a ativista dos direitos das mulheres Nimco Ali, e a vice-prefeita de Jerusalém, Fleur Hassan-Nahoum, os manifestantes vestiram preto, colocaram uma fita laranja sobre a boca e seguraram cartazes com os dizeres: “ONU Mulheres, seu silêncio fala alto”. De acordo com o site da inútil Nações Unidas, a “ONU Mulheres” é um departamento que desenvolve “programas, políticas e padrões que defendem os direitos humanos das mulheres e garantem que todas as mulheres e meninas vivam todo o seu potencial”. A manifestação ocorreu depois da evidente falta de indignação durante muitas semanas por parte da ONU face às crescentes provas de violação sexual e tortura apresentadas por testemunhas, membros das forças policiais israelenses, legistas e até pelos próprios perpetradores, alguns dos quais filmaram os seus crimes.

Depois de ter a hipocrisia e o silêncio expostos, a ONU Mulheres decidiu soltar uma vergonhosa nota pedindo “uma investigação rigorosa” sobre “relatórios de violência baseada no gênero”. Uma das organizadoras do protesto em Londres, Hilla Lousky Vigder, disse esta semana o que a lamentável nota da ONU, de fato, significa: “No momento, essa declaração nada mais é do que palavras. Depois de 53 dias de completo silêncio, nem tenho certeza se há uma intenção pura por trás dessas palavras… Então, perdi minha fé. Perdi a fé nesse sistema chamado ONU Mulheres, e qualquer mulher israelense e judia provavelmente sente o mesmo que eu”.

Vigder ainda acrescentou: “Todas as mulheres assassinadas, violadas, abusadas, humilhadas, mutiladas, todas as que ainda estão em cativeiro como reféns e todos os sobreviventes merecem muito mais do que palavras. Não toleraremos isso e não seremos silenciados. Não vamos parar. Esse ato da ONU Mulheres nunca será perdoado ou esquecido”.

O silêncio da ONU Mulheres, assim como o de movimentos como o #MeToo, é perturbador. Não há como sequer tentar entender a reticência sobre os estupros coletivos, as fraturas de pelve das vítimas do 7 de outubro, as mutilações genitais e o vilipêndio de seus corpos barbarizados pelos terroristas. Por quê? Porque, assim como as mulheres conservadoras, cristãs e alinhadas ao espectro da direita mundial, as mulheres judias não contam.

Diante de tamanho descaso com os crimes contra as israelenses, cresce nos Estados Unidos o movimento que pede que recursos financeiros para a ONU Mulheres sejam cortados. Em 2022, a organização recebeu mais de US$ 150 milhões de financiamento de 87 parceiros governamentais e privados. O embaixador de Israel na ONU, Gilad Erdan, descreveu a violação e a mutilação como “armas de guerra” e disse: “Desfilar seus corpos nus na rua enquanto os espectadores aplaudiam, isso foi premeditado. Isso foi planejado. Isso foi instruído. As atrocidades cometidas pelo Hamas foram mais bárbaras do que as do Isis [Estado Islâmico]. A ONU Mulheres ignorou todas as provas, incluindo imagens de vídeo que lhes foram enviadas”.

O mais triste de tudo, embora não haja nenhuma surpresa até aqui, é que o silêncio dos tais “movimentos feministas” sobre as mulheres do 7 de outubro é mais uma vergonhosa página para o feminismo de boutique que até hoje, por exemplo, não deu uma palavra na defesa das mulheres do Afeganistão. Desde 2001, ano da ocupação norte-americana e das tropas aliadas ao país, uma geração de meninas cresceu admirando as primeiras mulheres afegãs corajosas que estudavam, dirigiam, usavam maquiagem, praticavam esporte e eram livres para sonhar e trabalhar. Mas desde agosto de 2021, depois da retirada desastrosa das tropas norte-americanas da região por Joe Biden, a realidade das mulheres no Afeganistão, agora comandado pelo Talibã, é de um duro regime de opressão e liberdades cerceadas. As mulheres praticamente desapareceram das vias públicas. Os extremistas as forçaram a deixar seus empregos e estudos, encerrando 20 anos de progresso em direção à liberdade e à igualdade. Além da volta da burca que só deixa os olhos de fora, se alguma mulher é encontrada com livros, por exemplo, o castigo vai de chicoteamento ou apedrejamento público até a amputação de suas mãos.

Diante de tantos absurdos contra o sexo feminino em 2023, diante de um futuro sombrio impetrado pelo Talibã para mulheres e meninas que viverão como se tivessem voltado aos tempos medievais no Afeganistão, diante da brutalidade transmitida contra jovens moças ao vivo pelo Hamas em Israel, fica a inquietante pergunta: onde está o atual feminismo para dar voz a essas mulheres e condenar a bestialidade? Onde estão as mulheres queimando sutiãs “contra o patriarcado” e apontando os dedos e seios nus contra as injustiças e violências contra o sexo feminino? Onde estão as atrizes famosas de Hollywood, que apenas depois de 20 anos e milhões de dólares em suas contas levantaram a voz contra produtores poderosos e predadores sexuais? Onde estão os discursos inflamados em defesa das afegãs e israelenses?

Celebridades pelo mundo — inclusive no Brasil —, adoradas e abrigadas pelo pedágio do falso progressismo e pela falsa proteção às mulheres, passarão para a posteridade como ícones da dissimulação e fingimento perante o silêncio sepulcral diante da barbárie cometida em 7 de outubro.

O imediatismo dos tempos modernos carrega algum esquecimento momentâneo, mas o tíquete para a relevância nos livros de história não se compra nos guichês de partidos políticos, nos despachantes engajados de parte da imprensa, no vazio das redes sociais ou em discursos fantasiados de preocupação. Seus nomes serão lembrados muito tempo depois que a geração da indignação seletiva tiver desaparecido.

(*) Pesquisadora associada do Instituto Ronald Reagan, é hoje arquiteta e analista política. Ex-atleta, atuou pela Seleção Brasileira de Voleibol e disputou quatro Olimpíadas. Foi medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de 1996, em Atlanta, Estados Unidos, pelo vôlei de quadra. É bicampeã mundial no vôlei de praia. Tornou-se um dos principais nomes femininos do pensamento liberal-conservador. Vive em Los Angeles, onde cursa Ciência Política pela Ucla.

Fonte: https://revistaoeste.com/revista/edicao-194/o-mundo-falhou-com-as-mulheres/

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