Guerra Bolsonaro x Moraes (ou vice-versa) pode servir para o reequilíbrio institucional

Presidente aposta no apoio popular e político para apresentar uma notícia-crime, por abuso de autoridade, contra um ministro do STF; a jogada pode tirar a credibilidade de quem comandará a eleição 2022

Por Jorge Serrão (*)

Juridicamente falando, era previsível que daria em nada a ação movida por Jair Bolsonaro, através de um advogado pessoal e não pela Advocacia-Geral da União, contra o supremo-magistrado Alexandre de Moraes, por abuso de autoridade. Afinal, é muita ingenuidade acreditar que o Supremo Tribunal Federal iria ignorar seu habitual corporativismo e permitir que um de seus 11 membros seja submetido a qualquer tipo de julgamento. O relator do caso, José Dias Toffoli, rapidamente decidiu que os fatos denunciados pelo chefe do Executivo não constituem crime e que não existe justa causa para o prosseguimento do pedido. Nada de anormal. O Poder Supremo se considera um “Poder Moderador” – mesmo que isso nem esteja previsto na Constituição de 1988.

Essa visão transforma o chamado “ativismo judiciário” em uma estratégia para deixar claro que, nos momentos de conflito institucional, o Judiciário (mais precisamente a autoridade togada) tem de estar acima de tudo e de todos. Assim se legitima, na prática, um regime também não previsto na normalidade democrática: a tal “Juristocracia”. Os juristocratas militantes só se esquecem de um detalhe fundamental: todo poder emana do povo (que vota e pode ser eleito livremente) – e não necessariamente daquele “povo” que veste toga (que não é eleito popularmente). Tal distorção ocorre por erro, descuido, omissão dolosa ou covardia dos representantes eleitos, dos poderes Executivo e do Legislativo (no caso brasileiro, principalmente, do Senado Federal).

Politicamente falando, tende a render polêmica e ter consequências institucionais relevantes a decisão de Bolsonaro em desafiar, juridicamente, aquele supremo-magistrado que o tem desafiado no campo da política (usando, claro, os instrumentos do regramento excessivo em vigor no Brasil). Embora possa parecer aos olhares profanos e ao noticiário tendencioso, não se trata de uma disputa pessoal entre as partes envolvidas.

Na realidade, o conflito é entre as pessoas que comandam as instituições. Acontece que, na verdade, se confundem os interesses pessoais e corporativistas de cada grupo envolvido na “guerra” de todos contra todos. Mesmo assim, salta aos olhos do público o protagonismo do Judiciário sobre o Executivo e o Legislativo. Assim, a medida judicial de Bolsonaro, desafiando um ministro do STF dentro do campo do próprio Supremo, ganha ares de uma ousada jogada política – certamente com o apoio de uma base parlamentar sólida (que também se sente “atropelada” pela Juristocracia).

Institucionalmente falando, o Presidente da República decidiu que é agora ou nunca o momento de questionar a Juristocracia em seu próprio teatro de operações. A medida é coerente com a postura de um chefe do Poder Executivo que tem de exercer a plena soberania de seu cargo em um regime Presidencialista (previsto na Constituição) – e não numa Juristocracia (que não tem previsão na Lei Maior da Nação e sequer tem legitimidade).

Além de tudo isso, o macro-discurso político de Bolsonaro consiste na defesa aberta da Liberdade e da Legalidade, sempre ressaltando que faz questão de “jogar dentro das quatro linhas da Constituição”. Bolsonaro consegue popularizar esse argumento, para desespero e ampliação do desgaste da imagem pública da cúpula do Poder Judiciário. Em síntese, Bolsonaro joga suas fichas políticas na impopularidade da maioria do STF – e que também é parte integrante do comando da “Justiça Eleitoral” (o Tribunal Superior Eleitoral).

Detalhe básico que precisa ser lembrado a todo instante: Bolsonaro é candidato à reeleição, com chance concreta de vitória, pelas articulações políticas que fez e pelo que tem para mostrar de resultados estruturais de gestão. Aliás, também é relevante recordar que a “descondenação” dada a Luiz Inácio Lula da Silva é um dos fatores de desgaste popular na imagem do STF. É nesse contexto de pré-campanha – e de intensificação dos ataques da Juristocracia contra o Executivo e o Legislativo – que Bolsonaro parte para a ofensiva.

Não deu em nada a notícia-crime movida contra Alexandre de Moraes por abuso de autoridade. O caso foi prontamente relatado e negado pelo ministro José Dias Toffoli, exatamente o mesmo que autorizou a abertura do famoso “Inquérito do Fim do Mundo”, com base em uma interpretação peculiar de um artigo do Regimento Interno do STF, que permite investigar crimes ocorridos nas dependências da Corte.

Mesmo que dê em nada juridicamente, do ponto de vista político a guerra entre Bolsonaro e Moraes (ou vice-versa) tem tudo para produzir uma polêmica capaz de colaborar para o urgente reequilíbrio institucional no Brasil. O agora processado Moraes será, justamente, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral que cuidará do pleito de 2022. Assume a função em agosto. A jogada jurídica de Bolsonaro pode abrir uma brecha para um questionamento concreto de suspeição.

Afinal, como o magistrado que investiga o Presidente-candidato em quatro inquéritos pode ser o mesmo que é processado por ele e o mesmo que comandará o processo eleitoral? Bolsonaro já definiu como prioridade se reeleger e eleger uma maioria de senadores (imbuídos previamente da missão de fazer andar pedidos de impeachment contra ministros do STF que seguem parados na gaveta do presidente do Senado). A decisão de Bolsonaro surpreendeu o STF tanto quanto a recente “graça constitucional” concedida ao deputado federal Daniel Silveira. Por tudo isso, a gigantesca polêmica parece estar apenas começando.

(*) É jornalista, professor e flamenguista. É editor-chefe do blog Alerta Total e comentarista do programa 3 em 1 da Jovem Pan.

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