Amazônia com suas fronteiras abertas ao crime organizado

Foto: Divulgação

Por Juscelino Taketomi

Dia desses um magistrado me disse que no Brasil o crime é organizado porque o Estado é uma bagunça. Na verdade, não há novidade nisso, mas, com novas eleições batendo a porta, é importante que a sociedade se preocupe com a possibilidade de o crime se constituir em um dos fatores de desequilíbrio na disputa eleitoral deste ano de 2024.

Com o Estado bagunçado e indolente, é realmente perigosa a presença do crime organizado na batalha municipal de votos, como se pode verificar em sucessivas reportagens ora veiculadas pelo jornal O Estado de São Paulo. Conforme este, o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) encabeçam o jogo criminoso.

De acordo com as reportagens do Estadão, os novos mafiosos chegaram à conclusão de que a infiltração nas prefeituras e casas legislativas dos estados pode assegurar mais dividendos aos negócios ilícitos do que o enfrentamento direto com os aparelhos de segurança, como acontecia no passado.

Por enquanto, os criminosos articulam suas investiduras eleitorais em estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará e Bahia, mas ninguém duvide que eles também jogarão pesado nas disputas envolvendo os estados do Norte amazônico: Amazonas, Roraima, Rondônia, Amapá e Acre.

Narcoestados na região

Os traficantes sabem que a Amazônia é hoje um centro estratégico para o comércio global de drogas, e por isso o interesse em criar narcoestados na região. O Equador acaba de se transformar em um desses estados, com sua economia totalmente dependente do tráfico.

O Equador é atualmente o maior corredor para o transporte de cocaína com destino aos EUA e à Europa. Suas fronteiras abraçam as fronteiras de Colômbia e Peru, considerados os maiores produtores de coca do planeta. Dessa forma, a conquista da rota Solimões seria tudo para o sucesso do crime transnacional.

No Equador, as crianças estão trocando as escolas por empregos no tráfico, tal como no México, um super violento centro do narcotráfico, como admite o Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crime (UNODC). O sonho do PCC e do CV é transformar o Brasil em algo parecido.

O sonho é maior quando os narcotraficantes pensam em uma Amazônia rica em minérios e tantos outros recursos naturais à disposição da sanha criminosa dada a fraqueza e despreparo das instituições responsáveis pelo combate aos ilícitos.

19 bilhões/ano no Brasil

O quilo da cocaína custa US$ 2 mil (cerca de R$ 10 mil) na Colômbia. Na Austrália, mais de US$ 220 mil (mais de R$ 1 milhão), divulgou a BBC Brasil em recente reportagem. No Brasil, o tráfico de drogas movimenta cerca de R$ 19 bilhões por ano, sendo R$ 12 bilhões envolvendo a maconha e R$ 5 bilhões, a cocaína.

No México, os cartéis, com seus 175 mil membros, movimentam mais de US$ 100 bilhões anualmente só à custa da cocaína. Dados do Instituto para Economia e Paz (IEP) apontam que o impacto econômico da violência naquele país em 2022 alcançou 4,6 trilhões de pesos (R$ 1,3 trilhões), o equivalente a 18,3% do Produto Interno Bruto (PIB) mexicano.

A violência transformou o México em terra de ninguém, de acordo com a Associação Nacional de Transportadores (ANTAC). A entidade sustenta que o roubo de cargas causa um prejuízo da ordem de 2,3 bilhões de pesos (cerca de US$ 676 milhões) ao ano.

Tantos gordos números explicam os motivo por que o crime organizado decidiu investir pesado no jogo eleitoral brasileiro deste ano. Descobriu que o seu esquema de dominação, para o êxito dos negócios milionários, ou bilionários, passa pela conquista do poder político.

À BBC Brasil, Aileen Teague, especialista em políticas de drogas na Texas A&M University, nos EUA, disse que o controle do poder político é fundamental para que o crime controle os aparelhos de segurança pública.

Ai de ti, Amazônia

Com as campanhas referentes às eleições municipais prestes a serem iniciadas, o Governo Federal, via Ministério da Justiça e seus serviços nacionais de inteligência, precisa voltar seus olhos para a Amazônia, uma região à mercê do crime organizado.

Números da pesquisa Cartografias da Violência na Amazônia, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Instituto Mãe Crioula, atestam a evolução da taxa de mortes violentas intencionais em 2022 na região, 45% maior do que a média nacional.

Na região é patente a inércia do Estado perante as facções criminosas que gerenciam e expandem garimpos e desmatamentos. Do Amazonas, passando pelo Mato Grosso, até parte considerável do Maranhão, os problemas são mais que desafiadores aos órgãos de segurança.

A infraestrutura de homens, equipamentos e inteligência é ridícula: 60,4 mil policiais militares na Amazônia Legal. Trocando em miúdos, cada PM é responsável, sozinho, pela guarda de 83km2 de área. O mesmo mau exemplo se verifica no tocante à questão dos policiais civis e os peritos engajados na luta contra as drogas e o crime.

Na Terra Indígena Sarará, no Mato Grosso, em 2022 a extração ilegal de ouro, associada ao narcotráfico, cresceu absurdamente. Abrangia 36 hectares. Agora, são 252,3 hectares nas mãos dos criminosos, especialmente do Comando Vermelho e do Primeiro Comando da Capital.

Estado é pura ficção

Na Amazônia, o Estado inexiste. As ações de inteligência, que deveriam investigar a rede de transações financeiras ilícitas dos narcotraficantes, deixam a desejar. Ao que se sabe, não há, nesse sentido, uma infraestrutura em que se possa apostar em bons resultados a médio e longo prazos.
Quase órfão em relação às ações de inteligência federal, o Amazonas (38,8) é o segundo estado mais violento do Amazônia Legal, perdendo apenas para o Amapá, com 50,6 mortes por 100 mil habitantes, e à frente do Pará (36,9).

Neste ano de 2024, tudo indica que nem o impacto das eleições municipais sensibilizará o Governo Federal, juntamente com o Poder Judiciário e a Justiça Eleitoral, para ações ostensivas contra a sanha do crime organizado, agora determinado a eleger prefeitos e vereadores na região.

Poder de fogo das facções

Parece que o assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips no Vale do Javari virou mera água passada, apesar das promessas de membros do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal que foram lá e pouco fizeram em termos práticos no sentido de contenção da violência.

Com isso, 22 facções oriundas do Sudeste aumentam sua organização e fortalecem seu poder de fogo na região. O número de delegacias é algo deplorável e, então, os índices de criminalidade disparam – e ameaçam ser espantosos no calor da disputa municipal.

Atordoada, a Amazônia brasileira aguarda um forte plano de segurança do Governo Federal para enfrentar o crime organizado nas atuais eleições. Sem isso, o desmatamento não cessará na forma como quer o governo Lula.

É que o desmatamento é uma necessidade do narcotráfico e seus negócios paralelos. Uma realidade está ligada à outra em um território geograficamente complexo, de proporções gigantescas.
Na região, o desmatamento aumentou 85,3% entre 2018 e 2022. O comércio de madeira de lei cresceu 37,6% e as apreensões de armas aumentaram 91% – sinais de que as fronteiras amazônicas abertas ao crime organizado são uma notória realidade.

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