A maldição dos hologramas federais contra a Amazônia… e o Amazonas

Foto: Divulgação

Por Juscelino Taketomi

Na verdade, desde 1865 o Governo Federal trata o Estado do Amazonas como se ele fosse um holograma em que todo mundo acredita, mas que rapidamente vira poeira, como qualquer coisa virtual, caindo no lodo do mais completo esquecimento, ou do descaso premeditado.

Naquele ano do Século XIX, a pressão internacional sensibilizou o governo a fazer a abertura dos Portos do Amazonas, ato articulado pelo Barão de Mauá e que empolgou autoridades e políticos da época no Estado. Esperava-se que, de repente, a economia do Amazonas explodisse em pujança, criando aqui uma forte indústria de pneumáticos, mas o fato é que este primeiro holograma, como a história demonstra, só favoreceu os ingleses que agradeceram a hospitalidade brasileira levando para a Malásia, nos porões dos seus navios, valiosas sementes nativas da Hevea brasiliense.

O ex-governador amazonense Arthur Reis, um dos maiores historiadores e pesquisadores do Século XX, escreveu sobre o absurdo, advertindo quanto ao futuro: “Com a emigração das heveas e a implantação no Oriente da produção da borracha, sentiu o Brasil que um dos elementos constitutivos do binômio borracha-café, que sustentava econômica e financeiramente o país, estava perdido se não ocorresse uma política de Estado, imediatista e de sentido global”.

Ex-governador e historiador Arthur César Ferreira Reis

Então, em 5 de janeiro de 1912 o presidente da República, Hermes da Fonseca, gestou o segundo holograma com que o Governo Federal, com o fracasso da arrancada seringalista, anunciou um outro plano de falso impulso da economia da região, envolvendo o Amazonas. O plano, anunciado com euforia, não saiu do papel, com a região mergulhando em profunda depressão. A dotação financeira jamais constou do Orçamento da União, de acordo com Arthur Reis.

Mas, o terceiro holograma de lesa-pátria não tardou, e veio com os problemas gerados pela Primeira Grande Guerra. Em 1919, em Genebra, na Conferência de Paz, o presidente norte-americano W. Wilson, de corpo presente, teve a petulância de propor simplesmente a internacionalização do Amazonas. A proposta só não prosperou porque o representante inglês, Loyd George, de olho nas nossas reservas de petróleo, se opôs com firmeza, repudiando a tentativa de domínio por parte do governo americano.

Hipnotizado pelo holograma, o governo brasileiro pouco reagiu ao jogo espúrio. Ao contrário, concedeu aos americanos consideráveis áreas do território amazônico para pesquisas dos Trusts do Tio Sam. O processo só não se radicalizou nos anos seguintes porque surgiu Getúlio Vargas. Com a Revolução de 30, ele cancelou as pesquisas, fechando as portas do país aos EUA.

O Discurso do Rio Amazonas

Foi Getúlio quem trouxe o quarto holograma, quando, em novembro de 1940, em Manaus, anunciou o Discurso do Rio Amazonas, que tentou mudar o status quo da organização político-territorial da região com a criação dos territórios do Guaporé, Rio Branco e Amapá, hoje estados de Rondônia, Roraima e Amapá. Getúlio, conforme Arthur Reis e Samuel Benchimol, bem que poderia avançar em sua política de transformação geo-econômica da região, mas tudo não passou de mais um holograma, que popularizou o getulismo na Amazônia sem quebrar o regionalismo histórico tradicional.

O quinto holograma foi também protagonizado por Getúlio no bojo da II Guerra Mundial contra Adolph Hitler. Na época, ele incentivou a produção da borracha, mas apenas para atender as demandas da indústria militar internacional que precisava vencer a guerra. O fato é que essa política não passou de novo arremedo de plano sério, com o Brasil não conseguindo se firmar como nação amazônica. Logo, o Discurso do Rio Amazonas caminhava para virar mera peça de museu.

Plano quinquenal no lixo

O sexto holograma foi a emenda apresentada à Constituinte de 1946 pelo deputado federal Leopoldo Perez, consignando 3% da renda da União, pelo prazo de 20 anos, para o cumprimento dos objetivos da Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPEVEA). Conta Samuel Benchimol que o tal plano feneceu mais cedo do que se poderia imaginar. Não completou dez anos. O seu primeiro e único plano quinquenal remetido ao Congresso Nacional jamais foi aprovado, sendo fulminado pelas mesmas forças ocultas que em 1912 boicotaram o plano de Hermes da Fonseca.

Sobre a derrocada de mais uma tentativa de política econômica para a região, escreveu Benchimol: “O balanço que foi feito nesse período, tendo em vista a grandeza dos objetivos a atingir e a dimensão da área a ser trabalhada, demonstra que o esforço foi insuficiente, precário e dispersivo. Não se conseguiu montar uma estratégia operacional e viável que permitisse aprofundar a ação federal, a despeito de sucessos parciais, em alguns setores”.

De JK à ZFM

O sétimo holograma acerca da Amazônia e do Amazonas ficou por conta da gestão Juscelino Kubitschek com a sua estratégia de interligação rodoterritorial da região por meio de um sistema em Y. Benchimol assim se referiu a estratégia: “O sistema viário assim concebido está destinado a promover um intenso tráfico de expansão e desenvolvimento, desempenhando importante missão no campo da segurança nacional e da articulação regional com as outras áreas do país. A Amazônia, desde a implantação dessa nova estratégia, passou a ser alcançada tanto pela calha central do Rio Amazonas e de seus afluentes, no sentido leste-oeste, como por via territorial na diretriz sul-oriental e ocidental”.

O governo JK passou, vindo a seguir o Golpe Militar de 1964 que, em 1967, criou a Zona Franca de Manaus, o oitavo holograma. O modelo surgiu acendendo grandes perspectivas em todos os quadrantes da Amazônia Legal. Sob a batuta do marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, o modelo, conforme o Decreto-lei 288 de 28 de fevereiro de 1967, buscava edificar um centro industrial, comercial e agropecuário no coração do Norte amazônico à base de incentivos fiscais concedidos com o objetivo de desenvolver a região de forma privilegiada, considerando os gigantescos fatores geográficas que sempre a mantiveram distantes dos mercados do Sul e do Sudeste.

No entanto, não demorou para as “forças ocultas”, comandadas por São Paulo, como já ocorrera em outros tempos, entrarem em ação e pressionarem o Palácio do Planalto para acabar com a autonomia administrativa da Suframa e submeter as decisões sobre o Processo Produtivo Básico (PPB) aos porões do segundo escalão governamental. Pouco mais de 50 anos depois, o modelo chafurda na lama de mais um holograma maldito. Com bilhões de recursos arrecadados contingenciados no Tesouro Nacional, a ZFM está agora à mercê do governo Luiz Inácio Lula da Silva.

Não se sabe o que Lula e o Congresso Nacional farão com a ZFM na reforma tributária em andamento neste ano de 2023. O que se sabe é que São Paulo está cuidando para que o modelo não avance além do que já conseguiu avançar. A ZFM é exemplo de desenvolvimento industrial com sustentabilidade, protegendo a floresta. Mas, e daí ? Tomara os benefícios dos créditos de carbono, que podem colocar o Amazonas em um alto patamar na trilha do desenvolvimento socioambiental, não se transformem em novo holograma, ou seja, em nova falsa política de estado, política virtual, típica de campanhas políticas.

Tomara Lula não entre para a história como mais um presidente sócio da especulação deslavada que envergonha a Amazônia com escândalos como o recente caso da Fazenda Novo Macapá, que abrange 190 mil hectares entre os estados do Amazonas e o Acre e que foi comprada por proprietários “laranjas” da madeireira Agrocortex, a serviço de empresários especuladores espanhóis e portugueses. Tomara Lula não decepcione os 29 milhões de cidadãos que moram e labutam na Amazônia. Tomara ele não seja mais um presidente virtual, mais um holograma.

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