Lula e Bolsonaro demonstram que a hipocrisia tem limites?

Depois de se tratarem como ‘ladrão’ e ‘genocida’, não haveria espaço para beijos e abraços na posse do ministro Alexandre de Moraes como presidente do TSE

Por Reinaldo Polito (*)

Na posse de Alexandre de Moraes como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) foi possível observar afagos e tapinhas nas costas entre adversários que vivem digladiando. Seria esse comportamento apenas um sinal de extrema hipocrisia? Para analisar o contexto dessa questão é preciso separar as pessoas, a política e as instituições. Como afirmou Jânio Quadros, que entendia muito dessa arte: “No relacionamento internacional e nas questões políticas não existe amizade, mas sim conveniências”. Por causa dos atritos protagonizados entre o presidente Jair Bolsonaro e Moraes, algumas pessoas duvidaram que o chefe do Executivo compareceria à posse. André Janones, agora aliado de Lula na campanha presidencial, por exemplo, garantiu que o presidente não compareceria ao evento. E não foi só um palpite. Não, ele disse basear suas informações a partir de fontes seguras.

Pois é, essa previsão do deputado federal não se concretizou. Parece que seus informantes não estão lá muito bem informados. E o pior é que essas palavras repercutem. A colunista do jornal Folha de S. Paulo, Mônica Bergamo, por exemplo, fez coro a essa notícia falsa. Por que será que pessoas, aparentemente, tão bem-informadas cometem equívocos dessa natureza? Além de possíveis interesses políticos, já que a época da campanha eleitoral começou fervendo, há também outra explicação. Provavelmente pelo fato de observarem os acontecimentos apenas enxergando o valor de face. Para quem olha somente a superfície, é fácil deduzir, erroneamente, que, diante de tanta pancadaria entre os dois, o não comparecimento do presidente seria atitude natural.

Talvez o cidadão Bolsonaro não tivesse mesmo interesse em visitar o desafeto Moraes. Como chefe de um dos Poderes do país, todavia, o comparecimento seria quase que obrigatório. Era o presidente da República prestigiando a posse do presidente do TSE. Ou seja, um encontro institucional, não pessoal. E já que estavam lado a lado, não custou nada trocarem algumas palavras e até sorrisos diante do público. Não houve quem criticasse esse comportamento. Foi uma boa demonstração de civilidade. Como disse o poeta e dramaturgo inglês, John Dryden: “Pois os políticos não amam, nem odeiam”. Por outro lado, Bolsonaro ou Lula seriam hipócritas se ficassem no evento entre “abraços e beijos”. Depois de se tratarem como “ladrão” e “genocida”, não haveria espaço para falsas aproximações. Não só não se cumprimentaram como também não trocaram olhares. Cada um na sua, cumprindo o papel que lhes cabia.

Há situações que se mostram irreconciliáveis. Dilma é uma que não faz concessões aos inimigos. Só como exemplo, basta mencionar um acontecimento recente. Michel Temer, todo amável e simpático, disse que considerava Dilma uma pessoa honesta. Ela não engoliu o elogio, e revidou afirmando que ele é golpista. Dizem até que esse episódio azedou uma possível adesão do ex-presidente à campanha petista. Há um caso curioso, bem conhecido, que ficou para a história. O então deputado Carlos Lacerda, como era de seu feitio, proferia na tribuna da Câmara um discurso veemente quando recebeu aparte irônico da deputada Ivete Vargas: “Vossa Excelência é um grande purgante!”. Lacerda respondeu no mesmo tom: “Se eu sou um grande purgante, Vossa Excelência é um enorme efeito!”.

Deveria haver limites no relacionamento político? Supondo que os dois principais concorrentes à presidência participem de debates, assim que se encontrarem no palco da contenda, como sempre acontece com adversários em situações semelhantes, poderão se cumprimentar com um aperto de mão. Tudo protocolar. Nessa circunstância não seria Bolsonaro cumprimentando Lula, mas sim um sinal de respeito entre os candidatos. Também nesse caso uma indicação de civilidade. Esse é o limite. Um passo a menos seria falta de cordialidade. Um passo adiante poderia ser sinônimo de comportamento hipócrita. Siga pelo Instagram: @polito

(*) Mestre em Ciências da Comunicação, professor de pós-graduação em Marketing Político e em Gestão Corporativa na ECA-USP e autor de 34 livros, que já venderam mais de 1,5 milhão de exemplares em 39 países.

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