Zanin pega a todos no contrapé ao votar contra descriminalização das drogas

Será que o ministro se comportou com a isenção que todos esperam de um ocupante do STF?

Cristiano Zanin durante a sabatina para vaga no STF na CCJ do Senado - Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Por Reinaldo Polito (*)

Ninguém esperava por essa. Quando todos, todos mesmo, imaginavam que Cristiano Zanin fosse dar um voto de agradecimento a Lula pela indicação que recebeu para ocupar uma vaga no STF (Supremo Tribunal Federal), eis que em menos de um mês sentado naquela cadeira vitalícia, que tem gente muito bem paga para puxar e empurrar, contrariou crenças mais que cristalizadas. Como poderia ser acusado de não corresponder a essas expectativas se ele mesmo disse, durante a sabatina diante dos senadores, que pensava exatamente como votou? Ao ser questionado a respeito desse tema no Senado, afirmou: “A droga é um mal que precisa ser combatido“. Não há como interpretar suas palavras de maneira distinta. Foi uma resposta clara e inquestionável!

Como os candidatos ao cargo de ministro da Alta Corte, às vezes, dizem o que os inquiridores desejam ouvir para não barrarem suas pretensões, pois essa é a oportunidade da vida, ficou a dúvida. Ou conquista o posto ou passa a existência pensando no que deixou de fazer para abrir aquela porta tão desejada. Por isso, em certos momentos, recorrem a malabarismos verbais. Afinal, quais são as pretensões de Zanin? Com seu voto contrário à descriminalização das drogas, pegou no contrapé a turma da esquerda e da direita. Os esquerdistas, porque viam na sua indicação a oportunidade de ter mais um defensor de suas causas. Os da direita, porque alimentavam a certeza de que teriam no ex-advogado de Lula um voto sempre direcionado a favor das causas governistas.

O papel de um ministro deve ser esse o tempo todo: votar para respeitar a Constituição, de acordo com sua experiência e saber jurídico. O novo integrante da Casa ratificou sua forma de pensar e, ao que tudo indica, analisou a causa à luz das leis vigentes. Mostrou, assim, independência de conduta e não submissão a quem pavimentou sua estrada vitoriosa. Será que estamos vivendo nesse mundo ideal? Será que o ministro se comportou com essa isenção que todos esperam de um ocupante do STF? Antes que alguém solte fogos por ter encontrado em seu voto um forte aliado, ou verta lágrimas porque descobriu entre suas cores um inesperado desafeto, vale a pena algumas reflexões.

A primeira é a de que Lula tinha tanta certeza das posições de Zanin, que não percebeu seu viés conservador. Como dizem os americanos, “took his friend’s loyalty for granted”, ou seja, tomou a lealdade do amigo como certa. Isso devido, principalmente, à sua convivência com ele ao longo dos últimos anos. Um “parça” de todos os momentos. Dá para imaginar quantas confidências e quantos acordos foram feitos entre os dois para que o petista escapasse das garras da lei. Era o Anjo da Guarda de Lula. Sua atuação foi tão admirável sob o ponto de vista profissional que até sensibilizou e emocionou um dos mais experientes ministros, Gilmar Mendes.

A segunda, a menos provável, é que Zanin traiu Lula, dizendo-se progressista desde criancinha, sendo, na verdade, um conservador de carteirinha. Difícil acreditar nessa hipótese. Excetuando-se Antonio Palocci e mais uns inexpressivos, ao contrário do que acontece com Bolsonaro, Lula nunca foi traído por seus aliados. Sempre na alegria e na tristeza, na saúde e na doença. Não seria agora que as palavras bíblicas de Marcos, 14, 30 seriam revisitadas. Com Jesus dizendo a Pedro: Em verdade te digo que hoje, nesta noite, antes que duas vezes cante o galo, tu me negarás três vezes.

Há ainda uma possibilidade que só o tempo dirá se corresponde ou não à realidade. Dando seu voto a uma causa conservadora na situação em que o resultado já era certo para os progressistas, dá a entender a sua isenção. Em outras votações mais apertadas, se votar a favor da vontade governista, não poderá ser criticado, pois já demonstrou sua independência. Como há uma velha máxima, apregoada por todos os cantos, especialmente pelos advogados quando se defendem junto aos seus clientes nas derrotas sofridas nos tribunais, “de bumbum de criança e cabeça de juiz nunca se sabe o que vai sair”, o melhor será aguardar as decisões do ministro recém-empossado e descobrir como ele efetivamente pensa. Tomara que ratifique sua conduta atual votando com a cabeça dentro das normas constitucionais.

(*) Mestre em Ciências da Comunicação, professor de pós-graduação em Marketing Político e em Gestão Corporativa na ECA-USP e autor de 34 livros, que já venderam mais de 1,5 milhão de exemplares em 39 países

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