Julgamento no STF sobre correção do FGTS é mais uma prova de que, no Brasil, o passado segue incerto

Atribui-se ao ex-ministro da Fazenda Pedro Malan uma frase que diz muito sobre a economia brasileira. Segundo ele, no Brasil, até o passado é incerto. Alguns afirmam que, na verdade, a frase é de Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central nos tempos de Malan no Ministério da Fazenda. Mas o que importa é o sentido. Ou seja, para nós, brasileiros, o passado pode voltar para assombrar nossas finanças, e isto é especialmente verdadeiro no caso das contas públicas. Um exemplo é o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) envolvendo a correção do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Os ministros devem se reunir em breve para decidir se a Taxa Referencial (TR) deve continuar sendo usada na correção do dinheiro depositado no Fundo desde 1999.

Além da TR, o FGTS é reajustado em 3% ao ano, mas o Partido Solidariedade recorreu ao Supremo alegando que a TR não protegeu os trabalhadores da inflação. Um cálculo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) aponta defasagem de 48% em relação ao IPCA, índice da inflação oficial, entre 1999 e 2013. Caso o STF decida a favor da ação, todos os trabalhadores com dinheiro no FGTS podem ter direito a receber atrasados, conforme o índice escolhido. O Ministério da Economia é contra. Calcula que uma decisão com amplo alcance resultaria em um rombo de R$ 296 bilhões, com um custo imenso para o saldo do FGTS.

Fora a questão fiscal, existe a indefinição sobre quem seria beneficiado pela decisão. Alguns acham que deveriam ser todos os trabalhadores, já que todos foram prejudicados se a TR for considerada inadequada. Mas outra corrente acha que o STF pode decidir favoravelmente à ação, porém beneficiando só quem entrou na Justiça para receber os atrasados. Também não se sabe se a recomposição poderia ser feita só para quem tem dinheiro no Fundo hoje ou também para quem já sacou o que tinha a receber. E, por último, se valeria apenas para os últimos cinco anos, seguindo a lógica de outros processos legais, ou até por 30 anos. Por conta da indefinição, já há movimentação para que as pessoas recorram ao Judiciário para aumentar as chances de receber. O que reforça a frase do ex-ministro (ou do ex-presidente do Banco Central) sobre o passado. Que mais uma vez volta para assombrar o governo.

* É economista, Ph.D em finanças, professor de carreira da EAESP-FGV e escreve de segunda a sexta sobre economia.

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