Jantando a democracia

Um jantar privado entre senadores fechados com Lula e ministros da Suprema Corte que presidem as eleições só pode ser para fazer o bem

Por Guilherme Fiuza (*)

Um encontro noturno em Brasília reuniu senadores parceiros de Lula e ministros do Supremo Tribunal Federal, incluindo o que presidirá o Tribunal Superior Eleitoral no período da eleição deste ano. Isso é uma coisa normal da democracia, ainda mais em ano de eleição. Esses abnegados servidores da nação têm direito ao seu momento de descontração, que ninguém é de ferro.

Nada a comentar, portanto, sobre esse fato corriqueiro da vida — a não ser por alguns relatos de bastidor que podem interessar aos fãs dos participantes desse simpático jantar. Segundo uma fonte, logo na chegada à casa da anfitriã do encontro, um senador campeão de inquéritos no STF teria feito um desabafo: “Não aguento mais carregar esse peso na alma. Por favor, desengavetem todas as demandas judiciais contra mim”.

Os ministros do STF teriam ouvido atentamente o apelo do parlamentar e, segundo essa fonte, um deles teria respondido de pronto que a Corte iria ajudá-lo: “Temos estado muito ocupados ajudando o governo a governar, tanto que nem temos tido tempo para lives, discursos, palestras, almoços e jantares. Mas vamos ver o que podemos fazer pelo senhor”.

Nesse momento, outro senador parça de Lula e adido cultural do consórcio de imprensa teria reagido com certa agressividade. Segundo uma fonte, o parlamentar teria dito que a ajuda do STF ao governo não estava sendo suficiente. Após bater estridentemente com uma faca de prata num copo de cristal para chamar a atenção de todos, ele teria subido na mesa e bradado com sua voz mais estridente ainda: “Não deixem o Bolsonaro sozinho! Vocês podem mais!”

O pequeno grande senador teria dito essas palavras andando em cima da mesa de um lado para o outro, numa espécie de remake brasiliense do Hair, sob aplausos emocionados. Outra fonte garante que chegou a surgir entre os presentes um coro de “mito”, em referência ao apelido que os bolsonaristas deram ao presidente.

Ele estaria preocupado com o fato de que Lula livre poderia deixar seu advogado sem trabalho

No entusiasmo da sua performance sobre a mesa de jantar, o orador teria derrubado um copo de cristal. Ao ver os cacos espalhados pelo chão, um dos senadores teria exclamado: “Sete anos de azar”, ao que um ministro teria respondido: “Isso se fala pra quebra de espelho, imbecil”. Imediatamente todos os presentes teriam concordado que a quebra de copos de cristal em jantares democráticos deu voz aos imbecis.

Nesse clima de harmonia e tolerância, um dos ministros teria começado a chorar. Ninguém teria entendido nada. Ele teria então explicado que estava pensando no advogado do Lula. Um colega teria dito que nesse caso não havia problema, ele ligaria imediatamente para o advogado do Lula chamando-o para o jantar. O ministro emotivo teria replicado que não se tratava de saudade. Ele estaria preocupado com o fato de que Lula livre poderia deixar seu advogado sem trabalho.

Todos concordaram com o risco e, segundo uma fonte, chegou-se a cogitar durante a sobremesa a reversão da descondenação do ex-presidiário. Mas, como sempre ocorre entre pessoas sensatas, teria surgido a voz da razão: “Esperem aí. Estamos indo longe demais. Reverter uma descondenação significaria, na prática, uma condenação”. De pronto teriam soado murmúrios de concordância — “é verdade”, “faz sentido”, “não tinha pensado nisso”, etc.

E como o propósito do jantar, segundo um analista que não quis se identificar, seria o de ajudar a garantir a governabilidade de Bolsonaro, uma volta de Lula para a cadeia deixaria o presidente sem o seu principal aliado — o pesadelo da volta do ex-presidiário ao Palácio do Planalto e seu périplo soltando disparates por aí. “Vamos deixar então como está”, teria proposto uma eminente eminência, encerrando o assunto.

Já no cafezinho, um grande parlamentar teria mostrado toda a sua grandeza manifestando preocupação quanto à liberdade de expressão — especialmente na programação da emissora Jovem Pan. O foco dos receios desse parlamentar altivo seria o programa Os Pingos nos Is. Segundo uma fonte, ele teria chegado a bradar, entre um gole e outro de café: “Não toquem nos Pingos!” Todos teriam aplaudido demoradamente o brado libertário.

Como se vê, foi um encontro normal entre democratas comprometidos com a estabilidade das instituições e a lisura das eleições. Que momentos saudáveis como esse sirvam para colocar uma pedra sobre esse assunto de desconfiança do processo eleitoral brasileiro. Um jantar privado entre senadores fechados com Lula e ministros da Suprema Corte que presidem as eleições só pode ser para fazer o bem. Parem de espalhar fake news e atentar contra a democracia.

(*) Jornalista e escritor carioca, é autor de títulos como Manual do Covarde (2018), O Império do Oprimido (2016), 3.000 Dias no Bunker (2006) e Meu Nome Não É Johnny (2004). Também roteirista de TV, autor de teatro e analista político, é uma voz de destaque no debate contemporâneo.

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