Com tantos meios de pagamento, não há justificativa para transportar R$ 5 mil em dinheiro vivo

Hábito de entregar dinheiro em espécie persiste até hoje e levanta suspeitas

Por José Maria Trindade*

Treinado pelos depoimentos nas tradicionais CPIs do Congresso, posso afirmar: pagamento em dinheiro vivo, empréstimos e sorte exagerada na vida é roubo. Nem políticos conseguem o famoso crime perfeito e sempre sobram provas do malfeito, o famoso “rabo preso”. Outro lugar comum é aparecer o empregado comum, que não partilha do banquete macabro com dinheiro público, mas carrega o pesado, ou seja, a operacionalidade.

O “mequetrefe”, imortalizado no julgamento do mensalão no Supremo. Foi uma sacada do experiente advogado Paulo Sérgio Abreu e Silva na defesa da secretária Geiza Dias. Segundo ele, “se ela faltasse ao trabalho, outro assumiria”. Convenceu os ministros do Supremo e tirou a secretária que distribuía milhões aos políticos, como quem ordena a entrega de presentes de final de ano a clientes, do rol de condenados no julgamento histórico da Ação Penal 470.

Existem outros tipos de “mequetrefe”, como foi o motorista Eriberto França, peça chave na CPI do PC no Congresso. Ele era o responsável por transportar pacotes de dinheiro a bordo da famosa Fiat Elba e contou tudo na CPI. “O senhor acha pouco?”,  respondeu durante o depoimento ao ser questionado se ele fazia a revelação apenas por amor à pátria. Agora volta ao plenário da CPI um outro popular. O motoboy Ivanildo Gonçalves Dias. Ele transporta milhões nas costas, com trocados no bolso, salário mínimo mensal e moto financiada pela empresa. Sacou R$ 4,7 milhões e mais de R$ 117 milhões movimentados por ele. De novo, dinheiro vivo sendo revelado no plenário da CPI. É roubo.

Claro que é. Eu não conheço ninguém que paga conta acima de R$ 500 em dinheiro vivo. Eu nem sei como seria conseguir sacar mais do que R$ 5 mil. Transportar dinheiro assim, estamos falando de R$ 5 mil, dá uma insegurança muito grande e não há justificativa possível para um gesto como esse. O pagamento hoje é facilitado. Há muitos e muitos meios de transferência e o que falta mesmo é dinheiro para ser transferido. Mas o hábito do dinheiro vivo persiste.

Conheço empresários na área de turismo que falam de pagamentos de pacotes completos de viagem ao exterior, de uma família inteira, em espécie. Colégios que recebem com desconto do ano inteiro para filhos de pais suspeitos que pagam em dinheiro. Carros comprados em dinheiro vivo. Políticos compram apartamento no Rio de Janeiro por valor irreal e pago em dinheiro vivo.

Por fim, a recomendação dos assessores dos corruptos de sempre nas declarações do Imposto de Renda e informação de patrimônio à Justiça Eleitoral é que tenham o cuidado de declarar uma quantia de pelo menos R$ 100 mil em dinheiro vivo. Um seguro para o caso de uma operação bater à porta. Com base na história e sintomas assim, nem é preciso fazer o teste, pode declarar: é ladrão.

* É jornalista, comentarista político, correspondente da Jovem Pan em Brasília e escreve sobre o poder e seus bastidores.

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