AMAZÔNIA LEGAL: Região convive com episódios marcantes de violência contra ativistas

Foto: Divulgação

O caso do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira no Vale do Javari chamou atenção do mundo para a violência na Amazônia Legal, que é marcada pela ação de organizações criminosas e ausência do poder público. A ele se juntam episódios de violência na região, como os assassinatos da missionária americana Dorothy Stang, em fevereiro de 2005, e do ambientalista Chico Mendes, em dezembro de 1988, além de outros que não tiveram a mesma repercussão.

Para o historiador Ronilson Costa, coordenador nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o caso no Vale do Javari expõe “o quanto o Estado está ausente na região e como não há uma presença que dialogue com as demandas dos povos tradicionais”.

Levantamento anual da CPT aponta que, somente no ano passado, ocorreram pelo menos 28 assassinatos por conflitos de terra. A maioria das vítimas é indígena. Rondônia é o Estado com maior número de assassinatos (11) em casos semelhantes no ano passado.

Em janeiro deste ano, uma família de ambientalistas foi assassinada em São Félix do Xingu, no sudeste do Pará. José Gomes, conhecido como Zé do Lago, sua mulher, Márcia Lisboa, e a filha adolescente do casal foram encontrados mortos na propriedade da família, onde desenvolviam trabalhos de proteção da floresta.

Em 2019, o colaborador da Fundação Nacional do Índio (Funai) Maxciel Pereira dos Santos foi morto a tiros em sua casa, no município de Tabatinga, no Amazonas. Ele fazia parte da Frente de Proteção Etnoambiental do Vale do Javari e, assim como Pereira e Phillips, trabalhava no combate à extração de madeira, garimpo e pesca ilegais. O caso segue impune até hoje.

Ainda em 2019, Paulo Paulino Guajajara, guardião da floresta na Terra Indígena Araboia, no Maranhão, foi assassinado a tiros. Ele fazia parte de um grupo de segurança no território e era responsável por denunciar invasores, conforme informações do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). No ano anterior, Zezico Guajajara, outro líder que denunciava exploração ilegal de recursos na Terra Indígena Araboia, também foi morto a tiros.

Facções

Fontes consultadas pelo Estadão apontaram que o avanço do desmatamento, da exploração de recursos naturais e de conflitos fundiários ajuda a compreender a dinâmica da violência na região. Outro fator seria a presença de facções de crime organizado, em constante disputa pelas rotas de tráfico de drogas.

Anapu, por exemplo, município onde a missionária Dorothy Stang foi assassinada, ainda é uma região de violentos conflitos de terra. “O município tem favorecido a expansão agrícola, soja, e pecuária e as áreas com esse perfil, que são alvo de interesse do agronegócio, são as campeãs em conflitos agrários, explica o coordenador do CPT.

“Mesmo casos de repercussão internacional não têm poder de modificar um elemento tão estrutural da história brasileira que é a concentração fundiária”, analisa o doutor em Ciência Política e coordenador do grupo de pesquisa Política e Povos Indígenas nas Américas (Popiam), Leonardo Soares. “E concentração fundiária leva à violência”, diz.

Violência contra indígenas

Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que elabora anualmente o Atlas da Violência, a face mais visível de crimes contra povos indígenas está relacionada à exploração ilegal dos recursos naturais.

De acordo com o estudo, de 2009 a 2019, foram registrados 2.074 homicídios de pessoas indígenas pelo Sistema de Informação Sobre Mortalidade (SIM/Ministério da Saúde).

De 2020 a 2021, uma das terras indígenas mais desmatada no Brasil foi a Apyterewa, localizada em São Felix do Xingu, no Pará. A região sofre com os impactos da mineração ilegal e, além do risco de assassinatos por causa do avanço de garimpeiros, madeireiros e outros invasores, há a exposição das populações à contaminação por mercúrio, insegurança alimentar, malária e Covid-19. A invasão mais recente de fazendeiros à Terra Indígena Apyterewa, em maio, foi divulgada pelo Ministério Público Federal.

O Brasil figura atualmente entre os líderes de um ranking elaborado pela ONG Global Witness que analisa os lugares mais perigosos para a atuação de defensores da terra e do meio ambiente. No ano passado, o País ocupou a quarta posição na lista em quantidade de ativistas da área vítimas de assassinatos.

Chacina do Pau d’Arco

Dez trabalhadores sem-terra foram mortas por policiais militares na Fazenda Santa Lúcia, 60 km do município de Pau D’Arco, Tocantins, em maio de 2017. Os policiais suspeitos de envolvimento nos assassinatos foram presos em 2018. Meses depois, o líder do acampamento sem-terra, Rosenildo Pereira de Almeida, também foi assassinado.

Chico Mendes

Considerado um divisor de águas no ambientalismo, há 33 anos o assassinato do seringueiro, ambientalista e líder sindical Chico Mendes marcou o Brasil. Ele foi morto a tiro no dia 22 de dezembro de 1988, em Xapuri, no Acre, no quintal de sua casa. Mendes denunciava a destruição da Amazônia, era defensor dos seringueiros da região e do meio ambiente.

Mortes em consequência de conflitos

A Comissão Pastoral da Terra também coletou dados referentes a mortes em consequência de conflitos, as quais não se deram por assassinato diretamente, mas por outros fatores, como a ausência de políticas públicas, como morte por desnutrição, por exemplo.

De 2020 para 2021, o número de mortes em consequência de conflitos saltou de 9 para 109, sendo que 101 foram de indígenas Yanomamis, que hoje vivem o pior momento de invasão desde que a Terra Indígena foi demarcada, em 1992.

A principal causa das violações sistemáticas de direitos humanos das comunidades Yanoamis é o avanço do garimpo ilegal na região, segundo o relatório Yanomami Sob Ataque, lançado em abril de 2022. Em outubro de 2021, a Hutukara Associação Yanomami denunciou a morte de duas crianças; elas teriam sido dragadas por uma balsa garimpeira enquanto brincavam no rio.

Por Manoela Bonaldo | Fonte: O Estado de São Paulo

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