A perigosa relação direta entre crime institucionalizado, tráfico, milícia e política

Por Jorge Serrão*

Quando a mídia brasileira conseguirá promover um debate relevante sobre a relação direta entre aumento da violência, tráfico (de drogas, armas, pessoas e órgãos) e atividade política? Tudo se relaciona, já que o maior inimigo do Brasil é o regime do crime institucionalizado — a associação delitiva entre criminosos de toda espécie e membros do Mecanismo da máquina estatal na UniãoEstados e municípios, nos poderes ExecutivoLegislativoJudiciário e Militar. O esquema é comandado pelo establishment (o estamento burocrático). O crime só se organiza com a colaboração estatal. Infelizmente, no Brasil, não se trata, séria e efetivamente, do combate ao crime estrutural — que é o organizador e patrocinador da barbárie que exterminou e desapareceu com mais de 2 milhões de brasileiros, principalmente jovens, nas primeiras décadas do século 21.

O presidente Jair Bolsonaro não avança tanto na discussão do tema. Mas acenda a polêmica, ao repetir o senso comum da maioria que é atingida realmente pela violência descontrolada no Brasil. Bolsonaro mira em seus principais adversários e detona, no Twitter: “Ao tratar como vítimas os traficantes que roubam, matam e destroem famílias, a mídia e a esquerda os iguala ao cidadão comum, honesto, que respeita as leis e o próximo. É uma grave ofensa ao povo que há muito é refém da criminalidade. Parabéns à Polícia Civil do Rio de Janeiro! Nossas homenagens ao policial civil André Leonardo, que perdeu sua vida em combate contra os criminosos. Será lembrado pela sua coragem, assim como todos os guerreiros que arriscam a própria vida na missão diária de proteger a população de bem. Que Deus conforte os familiares”.

O fundamento de todas as atividades criminosas é a hegemonia pelo poder, o lucro e a vantagem econômica. Por isso, é seguro afirmar que quem financia o crime institucionalizado — mesmo sem querer — é o cidadão pagador de impostos. Ou seja: eu, você e também quem é sonegador pagamos a conta contra nós mesmos. A organização criminosa se sustenta e avança na relação direta com o Estado, seus recursos humanos e financeiros. Curiosamente, e por ironia macabra, é o Estado quem detém o monopólio legal e legítimo de sua repressão. Assim, é difícil acreditar em solução concreta de combate às ações criminosas — a não ser que ocorra uma profunda modificação, praticamente uma revolução, que mude a estrutura estatal no Brasil. Quando teremos um choque de honestidade?

Vale repetir: o estamento burocrático do Mecanismo do crime institucionalizado não quer que realidade brasileira seja transformada para melhor. As favelas e rincões de pobreza não podem ser extintos. Não é à toa que vários políticos ditos “de esquerda” votaram contra a aprovação do marco do saneamento básico. Eles não querem desfavelização. Pelo contrário, dependem dos votos da massa miserável para ter o emprego de vereador, deputado, senador ou titular do poder Executivo. Os políticos mafiosos se elegem com a grana ilegal financiada pelo tráfico de drogasarmas, mulheres, crianças e órgãos humanos. Nos últimos tempos, as chamadas milícias (formadas e comandadas por policiais e ex-policiais) também atuam como “investidores” políticos, concorrendo com os negócios nas “comunidades”. Os bandidos elegem e reelegem seus representantes, em um processo cuja imagem simbólica é um cachorro que corre, sem parar, atrás do próprio rabo.

O único jeito “democrático” de tentar frear a barbárie e a violência fora de controle é o pleno desenvolvimento econômico. A única saída imediata é conter a “roubalheira” e focar os recursos públicos e privados para investimentos reais em infraestrutura. As grandes obras precisam começar pela reurbanização. O investimento direto em saúde se dará com a universalização do saneamento básico. É fundamental desfavelizar. Todos merecem morar dignamente. Os novos espaços precisam ter “catedrais” chamadas “escolas” (em muitos casos, naquele modelo cívico-militar que tem se mostrado bem sucedido nas “comunidades” em que foi implantado). A garotada tem de ser voltada para estudo, atividades culturais e esportivas, deixando de ser mão-de-obra farta e barata para o narcotráfico — que precisa ser combatido como atividade econômica ilegal, e não por mera repressão policial, que é puro enxugamento de gelo e desperdício de recursos e de vida humana. O resto é debate com polêmica inútil.

* Jornalista, professor e flamenguista. É editor-chefe do blog Alerta Total e comentarista do programa 3 em 1 da Jovem Pan

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