Por que Bolsonaro foi derrotado?

Comunicação foi a mais ferrenha adversária do presidente, que não percebeu que precisaria vestir uma roupagem diferente no momento de se comunicar

Por Reinaldo Polito (*)

Mesmo com o linguajar de tiozão do churrasco, Jair Bolsonaro se transformou no maior líder conservador da nossa história. Essa mesma comunicação, entretanto, pode ter provocado a sua derrota nas eleições. Vale a pena essa reflexão. Há uma máxima na política: quando a economia vai bem, a população tem a tendência de manter o governo de turno. A explicação é simples: com emprego, dinheiro no bolso e comida na mesa não há do que reclamar. Se essa é uma verdade, por que, então, Bolsonaro perdeu as eleições? Afinal, a economia brasileira está servindo de exemplo para o mundo todo. O país está crescendo mais que muitas nações de ponta, a inflação despencando, o preço dos alimentos diminuindo, especialmente os produtos que compõem a cesta básica. Sim, mesmo que aos 45 do segundo tempo, é possível observar a presença de todos os ventos favoráveis para sustentar a reeleição do presidente. Tudo certo para continuar, mas perdeu.

É evidente que nunca há uma única causa. Temos de considerar sempre um conjunto de motivos para justificar o voto dos eleitores. Os bolsonaristas alegam que tivemos a maior pandemia sofrida pelas gerações atuais, que impediu a boa administração de todos os países.  A mais implacável crise hídrica dos últimos 100 anos. A guerra entre Rússia e Ucrânia, que afetou praticamente todos os continentes. A pressão injusta e sem tréguas de boa parte da imprensa, que desvirtuou informações importantes com o objetivo de prejudicá-lo. O ativismo judiciário. A CPI da Pandemia instaurada apenas com objetivos políticos, com a interferência do Judiciário e a complacência do presidente do Senado, para desgastar a imagem do presidente. Entre tantos outros que poderiam ser apontados. Cada um poderá fazer sua própria lista.

O maior de todos estopins, entretanto, foi a comunicação de Bolsonaro. O mais curioso é que essa mesma maneira de falar foi responsável pela sua eleição em 2018, e agora, na tentativa da reeleição, foi sua mais ferrenha adversária. Ao se candidatar à Presidência pela primeira vez, seu jeitão desbocado, mandando às favas o excesso de mi-mi-mi e do politicamente correto, recebeu aplausos de muita gente. O desconhecido deputado do baixo clero falava o que boa parte da população gostaria de dizer. O presidente não se deu conta, todavia, de que no cargo de chefe do Executivo precisaria vestir uma roupagem diferente no momento de se comunicar. Alguns poderiam afirmar: “ah, mas se não fosse a comunicação, o sistema encontraria outras críticas para desqualificá-lo”. Talvez, mas vamos nos ater a fatos concretos.

Os palavrões, os trocadilhos grosseiros e as insinuações sexuais no contato com interlocutores no dia a dia criaram resistências em boa parte da população, especialmente nas mulheres. Era muito comum ouvir pessoas dizendo que não gostavam de Bolsonaro, mas quase nunca conseguiam explicar as causas de sua antipatia. Ainda que dissessem não aceitar a forma vulgar como ele se expressava, dificilmente conseguiam dar um exemplo claro. Em várias oportunidades o próprio presidente revelou que tinha consciência de que sua comunicação era defeituosa. Dizia também que alguns de seus ministros chegavam a sugerir que tomasse cuidado com o palavreado. Bolsonaro dava de ombros e comentava que era o seu jeito, e não tinha intenção de mudar.

Nos últimos meses, ao perceber que a água começava a bater no pescoço, sentindo o risco de perder as eleições, fez gravações pedindo desculpas se seus palavrões e sua maneira tosca de se comunicar haviam de alguma forma agredido ou incomodado. Já era tarde. A imagem negativa havia se instalado na mente dos eleitores e essas escusas não surtiram efeito. Por que será que Bolsonaro, ainda que tivesse noção de que se valendo daquele linguajar quase rasteiro poderia ser prejudicado, insistiu em adotar essa atitude? A primeira resposta óbvia é que foi educado assim nos ambientes em que conviveu, especialmente nos longos anos participando do exército, onde no dia a dia entre os soldados praticamente não há censuras ao palavreado. A outra, talvez, mais plausível é sua vaidade. Como suas ironias provocavam risos naqueles que o cercam, principalmente os puxa-sacos, que acham graça de tudo o que ele faz, o presidente se sentia admirado. O problema dessas gracinhas é que com o tempo perdem a medida, passam do ponto e se tornam vulgares. Como dizem alguns, ele não escorrega na casca de banana que aparece em sua frente; ele atravessa a rua para pisar na casca de banana que está do outro lado. Procura sarna para se coçar.

Com um pouco de reflexão, Bolsonaro deverá se arrepender por ter agido assim. Talvez, se continuar na vida política, e tudo indica que continuará, refine um pouco mais sua comunicação e reapareça repaginado diante do público, medindo com cuidado o vocabulário. Todas as vezes em que desejou se comportar assim, mais educado, conseguiu se adaptar até com facilidade. Dependerá apenas de “vontade política” e de uma disciplina que poderá proporcionar a ele bons frutos. Quem sabe, essa nova roupagem, em futuro breve, possa reconduzi-lo ao Palácio do Planalto. Jamais será um lorde. Mesmo porque, se exagerar nessa metamorfose, parecerá aos olhos da população uma pessoa artificial e afetada. Bastará apenas que respeite a faixa amarela e evite a tentação de voltar às mesas dos mal frequentados botequins. Siga pelo Instagram: @polito

(*) Mestre em Ciências da Comunicação, professor de pós-graduação em Marketing Político e em Gestão Corporativa na ECA-USP e autor de 34 livros, que já venderam mais de 1,5 milhão de exemplares em 39 países.

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