Com bambu e combustível verde, aviação segue rota ESG

Foto: Divulgação

Há sinais claros entre o céu e terra de que a aviação está mudando. Passageiros já devem ter notado que o plástico está sumindo nos materiais disponibilizados a bordo – resultado de uma estratégia do setor de se alinhar aos princípios da agenda ESG (sigla em inglês para questões ambientais, sociais e de governança).

“Já discutíamos a emissão de CO2 [gás carbônico] na aviação muito antes de surgir essa nomenclatura”, conta Rogério Coimbra, hoje diretor da Inframérica, concessionária do aeroporto de Brasília, que esteve antes na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Isso porque os milhares de aviões que diariamente cruzam o céu no mundo todo foram responsáveis por 2% de todo o gás carbônico emitido no planeta, só no ano passado, de acordo com a International Air Transport Association (IATA).

Cumprir uma agenda de sustentabilidade na indústria de aviação é um desafio pela complexidade de sua cadeia. “É necessária a união de atores. Como companhia aérea, dependemos de muitos elos para garantir a eficiência”, diz Johanna Cabrera, gerente de Sustentabilidade da companhia aérea Latam.

Atores, aqui, vão muito além do aeroporto e das companhias aéreas. Envolvem desde fabricantes de aeronaves, como a Embraer, Airbus e Boeing, passando por serviços auxiliares como handling (operação de carregamento e despacho de malas) e catering (alimentação em um voo), os fornecedores de combustível, alcançando a navegação aérea, que permite que um número incontável de aviões decolem e aterrissem com total segurança.

A agenda visível hoje desse comprometimento começa já na reserva de um voo. A companhia aérea GOL, por exemplo, oferece, na compra do bilhete, a possibilidade de o passageiro compensar a pegada de carbono que deixará no trajeto.

Em um voo de São Paulo para Brasília, ele pagará R$ 13,21 por ida e volta (0,16 toneladas de CO2). Decerto isso não resolverá todo o problema, mas é uma forma de levar, na visão da empresa, mais consciência ambiental aos passageiros.

Desde 2021, a GOL compensa a emissão dos gases poluentes das rotas Recife a Fernando de Noronha (PE) e São Paulo (SP) a Bonito (MS). Somadas, são emitidas, em média, 42,4 toneladas de CO2 nas duas rotas, considerando viagem de ida e volta.

Em seu relatório de sustentabilidade mais recente, a GOL diz que a cada 100 t de CO2 emitidas pelos voos nos trechos mencionados, vai preservar um hectare de Floresta Amazônica.

Sua concorrente Latam não fica atrás e, desde março de 2022, em todas as sextas-feiras, compensa as emissões geradas em nove rotas domésticas na ponte-aérea do aeroporto de Santos Dumont no Rio de Janeiro a Congonhas, na capital paulista, e voos de cargas entre Brasília (DF) e Belém (PA).

Outra ação da companhia chileno-brasileira está na gestão de resíduos de voos. Em março de 2022, a Latam finalizou a compensação ambiental de 92 toneladas de resíduos gerados a bordo de voos com origem e/ou destino a 12 aeroportos brasileiros sem serviço de coleta seletiva, uma parceria com a Eureciclo, especialista em logística reversa.

Para efeito de comparação, esse volume seria capaz de encher quase duas aeronaves cargueiras do modelo Boeing 767.

Além disso, trabalha para diminuir o uso de materiais em sua operação. “Conseguimos reduzir em 77% o plástico de uso único a bordo, nos aproximando da meta de eliminar esse material em nossos voos até 2023 e ser uma empresa com zero resíduos para aterros sanitários até 2027”, diz a Johana Cabrera.

Para a classe executiva, o kit viagem, composto por itens de higiene e utensílios para alimentação, é feito com materiais reciclados ou sustentáveis, como fibra de bambu (talheres e escova de dente), cana-de-açúcar e papel kraft (tampas e embalagens).

Tais ações podem, claro, trazer um diferencial para a companhia na percepção dos passageiros, mas para seguir boas práticas ESG precisam estar alinhadas com a estratégia do negócio. No caso da GOL, em 2022 foi criada a gerência de ESG, subordinada à diretoria de Gente e Cultura.

Quem dá as cartas é o relações públicas com formação em gestão de negócios Felipe Sobrinho, 33 anos, que veio do transporte rodoviário para concentrar as atividades que antes estavam pulverizadas na empresa.

“Durante muito tempo as ações de sustentabilidade nas companhias eram vistas como filantropia, mas isso mudou porque é preciso garantir a sustentabilidade econômica”, diz o executivo. Um exemplo? A governança. “Recebemos questionários de bancos e investidores, sobre pegada ambiental, governança social, diversidade, ambiente mental”, diz. “Temos que entender que por trás das métricas de ESG tem um resultado e que é ele que traz sustentabilidade para o negócio”, acredita.

As duas companhias, por sinal, tiveram de lidar com temas sensíveis de governança nos últimos anos. O Grupo Latam passou mais de dois anos em processo de reorganização e reestruturação voluntária sob a proteção do Capítulo 11 da Lei de Falências dos Estados Unidos, a fim de reestruturar seus passivos financeiros. O pedido aconteceu em maio de 2020, quando a companhia começou a sofrer impactos mais fortes do prolongamento da pandemia.

“Foi um momento de repensar e entender como queríamos a companhia”, conta Cabrera. O processo de recuperação judicial, encerrado só em novembro passado, diz ela, provocou a necessidade de a empresa rever processos e ser mais eficiente. “A sustentabilidade não poderia não estar nessa recuperação”.

No caso da GOL, foi a incorporação da empresa de fidelidade Smiles, em 2021, que criou um impasse com os acionistas minoritários da Smiles. O imbróglio girou em torno do valor oferecido pelos papéis, inicialmente de R$ 22,32 por ação da Smiles. Foram cinco meses de tratativas e tentativas de acordo sem sucesso, até em março de 2021, quando a Gol fechou um acordo para pagar R$ 27,00 por papel. Procurada, a GOL preferiu não comentar o episódio.

Outro elo importante do setor, as concessionárias que administram os aeroportos, se movimentam para não ficar para trás. O Prática ESG consultou sete concessionárias, responsáveis pelos aeroportos de maior tráfego aéreo do país, e todas informam terem investido em ações nos últimos anos.

Dentre elas, redução de energia elétrica, com uso de lâmpadas LED e placas fotovoltaicas, redução no consumo de água e seu reúso, aproveitamento de água de chuva e destinação adequada de resíduos, seja com reciclagem ou coleta seletiva.

O Salvador Bahia Airport, administrado pela Vinci Airports, por exemplo, instalou uma usina solar, suprindo mais de 30% do consumo atual do terminal de passageiros e diminuindo em 30% a pegada de carbono do aeroporto.

A Inframérica, por sua vez, contratou a Engie, empresa de energia limpa, para prover eletricidade e ar-condicionado aos aviões, enquanto eles ficam estacionados no aeroporto de Brasília, eliminando equipamentos que funcionavam com combustível fóssil.

“Isso deverá levar a uma redução de cerca de 20 mil toneladas na emissão de CO2 por ano no terminal, o equivalente ao plantio de mais de 120 mil árvores”, afirma Coimbra.

No âmbito social, o aeroporto de Salvador implantou desde o início da concessão, em 2018, um Comitê de Diversidade composto por colaboradores que propõem projetos inclusivos para sua força de trabalho e passageiros.

Entre as práticas está uma agenda de encontros, treinamentos e eventos para discutir temas ligados a gênero, questões raciais, migrações, população LGBTQIA +, entre outros.

Já a Zurich Airport Brasil, administradora dos aeroportos de Florianópolis (SC), Vitória e Macaé (RJ), instituiu recentemente nas duas primeiras cidades o “Aeroporto Para Todos ”, programa que busca ampliar a inclusão e a experiência de pessoas com deficiência (PcD).

“Oferecemos robôs-guia para auxílio no deslocamento de cegos e criamos salas multissensoriais, voltadas à redução do estresse e da ansiedade em pessoas autistas por meio da adequação sonora e de uma variedade de estímulos sensoriais, como luzes, texturas, cores, aromas e brinquedos”, explica o CEO da Zurich Ricardo Gesse.

As salas foram instaladas na área de embarque dos dois aeroportos. Banheiros para cães, carrinhos eletrônicos de deslocamento e capacitação em Libras de todos os funcionários também fazem parte da iniciativa da concessionária.

Fonte: Valor Econômico

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