Tal qual o cosmos, a ciência deve englobar tudo e todos

Desde pequeno Alan Alves Brito sabia que queria ser astrônomo. Aos oito anos, por ocasião da passagem do cometa Halley, ele teve certeza. Em seu quintal na cidadezinha de Valença, ao sul da Bahia, o céu livre da poluição dos centros urbanos alimentava sua curiosidade e dava asas a sua imaginação. “A ciência também é um exercício de criatividade”, ele diz hoje, aos 42 anos.

Brito está à frente de pautas importantes como o antirracismo na ciência e na divulgação científica. Ele compartilha sua experiência em projetos de pesquisa que promovem a equidade racial e de gênero no ensino.

Professor e pesquisador na Universidade Federal do Rio Grande do Sul desde 2014, o astrofísico coordena duas iniciativas. A primeira, “Akotirene: Kilombo Ciência”, busca aumentar a participação de mulheres negras na ciência. Surgiu em 2018 como parte do edital “Elas nas Exatas” –parceria do Instituto Unibanco, Fundo ELAS, Fundação Carlos Chagas e ONU Mulheres. Mesmo com o fim do edital, que durou um ano, o trabalho continua sob sua coordenação e das matriarcas do Morada da Paz, quilombo localizado no município de Triunfo, interior do estado.

Por meio da “pedagogia do encantamento”, o projeto constrói um lugar onde aprender e ensinar se mesclam nas tradições do pensamento africano. Os orixás, divindades da religião iorubá, também são os professores, pois ensinam sobre a natureza e a ancestralidade.

Já o “Zumbi Dandara dos Palmares” é um projeto de pesquisa aplicada que mobiliza uma equipe de professores e pesquisadores de diferentes áreas, sob a coordenação de Brito. A ideia é ambiciosa. “Engloba movimentos sociais, a Secretaria de Educação do Rio Grande do Sul e 15 escolas –metade delas recebe estudantes dos quilombos urbanos, situados em Porto Alegre, e a outra metade em territórios quilombolas espalhados pelo estado”, diz. O trabalho, que deve durar 18 meses, propõe a elaboração de políticas públicas que abracem a pauta da equidade racial.

Por meio do currículo de ciências da natureza, ele trabalha a etnoastronomia e explora a relação cultural e milenar com os astros. Sua intenção é construir o conhecimento ancorado nos saberes populares dos quilombos, “historicamente inviabilizados por conta do racismo estrutural”, comenta Brito.

O astrofísico ressalta o constante diálogo da astronomia com diversas áreas do conhecimento. Para responder a perguntas sobre, por exemplo, o surgimento das estrelas, precisamos da física para entender o processo da gravidade, e da química para explicar as estruturas moleculares. “A astronomia atrai estudantes de todas as idades. As pessoas são curiosas, querem entender como tudo se formou, o que são galáxias, o que são estrelas. Ela fomenta essa curiosidade científica”, diz Brito.

E mais: a astronomia humaniza os processos da ciência ao nos dar a perspectiva de que todos somos cidadãos e cidadãs do cosmos. “Ela nos traz essa responsabilidade de cuidar do planeta Terra, nessa relação intrínseca do sujeito com a natureza”.

Para Brito, é necessário articular uma nova cultura científica no país, que ajude a pensar uma outra construção de ciência e tecnologia. “A gente precisa de mais observatórios, planetários, museus de ciência que tragam narrativas de todos os povos que passaram pela Terra, ao longo de milênios, que olharam para o céu e contaram histórias”, diz o pesquisador.

Brito não vê, no futuro, como responder às questões da ciência moderna e contemporânea sem uma contribuição direta da astronomia. Afinal, estamos sozinhos? É a astrobiologia, com os avanços das pesquisas na biologia, que contribui na busca dessa resposta, por exemplo. Pluralizar as narrativas também é essencial para construir nossa cosmovisão. A ciência, tal qual o cosmos, deve englobar tudo e todos.

Por Wyllian Torres | Folha de São Paulo

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