O estranho acidente de avião que matou 1º presidente da ditadura no Brasil

Destroços de avião após o acidente que matou Humberto de Alencar Castelo Branco, presidente da República na ditadura - Foto: Folhapress/jul.1967

No dia 18 de julho de 1967, morria em um acidente aéreo o ex-presidente Humberto de Alencar Castelo Branco. O avião que levava o primeiro presidente da ditadura sofreu um impacto de uma aeronave da Força Aérea Brasileira (FAB), enquanto se preparava para pousar, vindo a cair em seguida.

Esse tipo de acidente é raro de acontecer, ainda mais quando o choque é com uma aeronave militar. Desde 2012, o país registrou três acidentes fatais envolvendo colisões de aeronaves em voo, segundo dados do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), órgão ligado à Aeronáutica.

Morreram na queda, além do ex-presidente, o seu irmão Cândido Castelo Branco, a escritora Alba Frota, o major do Exército Manuel de Assis Nepomuceno e o piloto Celso Tinoco. O copiloto Emílio Celso Tinoco, filho do piloto, sobreviveu à queda.

Avião de treinamento bateu na cauda

Castelo Branco visitava a fazenda Não Me Deixes, na região de Quixadá (CE), onde havia ido se encontrar com a escritora Rachel de Queiroz em 17 de julho daquele ano. No dia seguinte à visita, o militar se dirigiu ao aeroporto da cidade, onde embarcou com os demais passageiros e a tripulação para voar rumo à base aérea da capital Fortaleza.

A aeronave era um Piper Aztec que pertencia ao governo do Ceará. Na manhã do dia 18, o avião decolou com tempo bom e céu aberto.

Cerca de 40 minutos depois, já próximo ao destino, a aeronave entrou na área destinada à prática de pilotos da Aeronáutica em Fortaleza. Já em procedimento de descida para o pouso, o Piper que levava o político foi atingido na cauda por um TF-33A, avião de treinamento que voava em formação com outras aeronaves.

O tanque de combustível reserva da ponta da asa do TF-33A foi destruído, obrigando o piloto a fazer um pouso de emergência. Já o Piper, sem parte da cauda, perdeu o controle e caiu.

Apenas o copiloto Emilio Tinoco sobreviveu à queda. Relatos da época apontam que Castelo Branco estava vivo no instante da colisão com o solo, mas morreu logo em seguida.

O militar foi enterrado no Rio de Janeiro no dia 20 de julho. Os restos mortais do ex-presidente e de sua esposa, que havia morrido em 1963, foram levados para um mausoléu construído junto ao palácio da Abolição, sede do governo do Ceará, em Fortaleza.

Aviões preservados

O avião que vitimou o ex-presidente e as demais pessoas a bordo foi restaurado e encontra-se em exposição aberta ao público no 23º Batalhão de Caçadores do Exército, em Fortaleza. O batalhão, justamente, tem o ex-presidente como seu patrono.

A aeronave de treinamento envolvida na colisão foi restaurada e se encontra em exposição no interior da Base Aérea de Fortaleza.

TF-33A, aeronave de treinamento como a que colidiu com o avião que levava o ex-presidente Castelo Branco – Foto: FAB

Castelo percebeu o acidente

De acordo com o depoimento do copiloto, Castelo Branco, ao perceber o risco de choque com o outro avião, levou as mãos ao rosto e alertou sobre o risco de colisão com o jato.

Tinoco, após recuperar os sentidos no hospital, disse que tudo aconteceu muito rápido. “Quando o marechal gritou, o outro avião já estava em cima, não deu para fazer nada”, disse.

“Após a queda, embora aturdido, não perdi os sentidos e pude arrancar o marechal da cabine. Meu pai sangrava no rosto. A impressão que tive foi a de que não havia mortos, e que estavam todos acordados”, declarou o copiloto.

Atentado descartado

A escritora Rachel de Queiroz – Foto: Juarez Cavalcante | 24.ago.1991 | Folhapress

Assim como os resultados das investigações oficiais à época, a escritora Rachel de Queiroz, que tinha um parentesco com Castelo Branco, também diz não acreditar que a morte do ex-presidente tenha sido um atentado. Em entrevista ao programa Roda Viva (TV Cultura) em 1991, Rachel deu sua versão sobre a morte do militar.

“Ele havia pedido ao comandante [para desviar a rota], pois um dos seus grandes interesses durante a Presidência foi ver a construção da linha de distribuição [de energia elétrica] de alta tensão do rio São Francisco. ‘Eu queria tanto passar ali para ver aqueles postes de alta tensão’, [disse Castelo Branco]. O comandante ficou indeciso e o menino [o copiloto] disse: ‘Papai, isso é cortando a rota dos jatos, a gente não pode passar”, afirmou a escritora.

Rachel continuou: “Castelo disse: ‘Só um pedacinho, só para atravessar para eu ver’. O comandante disse: ‘Só um bocadinho, então’. No instante em que eles atravessaram a linha, vinha uma formação de três jatos, e a ponta de um dos jatos pegou [na cauda do avião]”.

“De forma que o atentado seria impossível. Tinham de adivinhar o que o Castelo iria pedir, que o comandante não queria e depois cedeu, e que o jato iria coincidir naquela hora”, disse a escritora.

Rachel continuou: “Castelo disse: ‘Só um pedacinho, só para atravessar para eu ver’. O comandante disse: ‘Só um bocadinho, então’. No instante em que eles atravessaram a linha, vinha uma formação de três jatos, e a ponta de um dos jatos pegou [na cauda do avião]”.

“De forma que o atentado seria impossível. Tinham de adivinhar o que o Castelo iria pedir, que o comandante não queria e depois cedeu, e que o jato iria coincidir naquela hora”, disse a escritora.

“Basta dizer que quem vinha comandando o avião que derrubou o Castelo era filho de um grande amigo dele, o então tenente Malan, que nunca aceitou ter sido instrumento do destino para esse desastre”, afirmou Rachel.

Contexto político da época

Castelo Branco: Causa do acidente sempre foi considerada mal explicada pelos inquéritos militares – Foto: Folhapress

Zorzenon explica que Castelo Branco representava uma ala do Exército conhecida como Grupo Sorbonne, grupo que tinha um projeto de desenvolvimento e continuidade da industrialização do Brasil. A Presidência havia sido passada para o marechal Artur da Costa e Silva, pertencente à chamada linha dura do Exército, que endureceu a repressão no período.

“Como a sua morte se deu pela colisão com um caça de uma Aeronáutica comandada por um presidente de uma ala divergente, levantaram-se mais suspeitas sobre o acidente”, diz Zorzenon.

“Castelo Branco havia prometido a volta das eleições no ano de 1965, mas isso foi adiado. A verdade é que, desde o início, isso jamais iria ocorrer. A tese mais aceita hoje é que essa promessa de 1965 foi um argumento para atrair políticos contrários aos governos nacional-desenvolvimentistas anteriores”, declara o professor.

“Em 1967, ainda não havia uma luta armada para valer, mas já havia uma mobilização de setores da esquerda, como os movimentos estudantis e sindicatos contrários à ditadura. Os índices de emprego nas regiões economicamente mais dinâmicas cresceram, mas a inflação, apesar de ter diminuído, se mantinha alta, e não havia recomposição das perdas salariais”, diz o historiador.

“Castelo Branco passou o governo para Costa e Silva de maneira desgostosa, pois, embora também fosse a favor do regime autoritário, era contrário, devido à outorga da nova Constituição, ao endurecimento e ao aumento da repressão extra”. Julio Cesar Zorzenon Costa, historiador.

“Havia um receio de que Castelo Branco desse entrevistas e falasse sobre suas preocupações quanto às mudanças e o recrudescimento da ditadura. No dia da saída do militar do poder, passou a vigorar a nova Constituição, mais rígida e que consolidava o projeto de estado brasileiro instituído após 1964 pelos militares”, afirma o professor da Unifesp.

Zorzenon, entretanto, faz uma ressalva: “O contexto favorece teorias conspiratórias, mas, até agora, não há evidências que levem a acreditar que foi isso que aconteceu de fato”.

Fonte: https://economia.uol.com.br/todos-a-bordo/2022/07/24/castelo-branco-castello-marechal-morte-acidente-aviao-ditadura-regime.htm

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