“Lei das Estatais foi violentada no governo Bolsonaro”, diz Roberto Castello Branco

Foto: Divulgação

A Lei das Estatais foi “violentada” no governo Bolsonaro quando se insistiu na nomeação para o conselho da Petrobras de indicados da União que estariam vedados para o cargo, diz o economista Roberto Castello Branco, 78 anos, ex-presidente da estatal. “A lei foi driblada”, afirma. Agora, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva demonstra que tentará flexibilizar a lei. “Mudar o que está dando certo, somente por interesse político, não é o mais adequado”, afirma Castello Branco.

Demitido por Bolsonaro da Petrobras em abril de 2021 por se recusar a aceitar interferências do então presidente da República, Castello Branco prefere não opinar se o governo Lula também tentará intervir na companhia: “É cedo para pressupor qualquer coisa.” Ele foi cuidadoso ainda ao comentar a posse de Jean Paul Prates como presidente da Petrobras, semana passada. “Tem que dar voto de confiança, ele é o presidente, nem começou a trabalhar.”

Os sinais dados pelo governo, porém, preocupam investidores. Um dos pontos de cautela está na possível mudança na forma como são reajustados os combustíveis. Sobre o tema, Castello Branco faz defesa veemente dos preços de mercado, prática, segundo diz, que beneficia a União, dona da Petrobras, via pagamento de dividendos. Em entrevista pelo telefone de sua casa em Petrópolis (RJ), ele defendeu a exploração da Margem Equatorial e pregou critérios para investimento em fontes renováveis. A seguir os principais pontos da entrevista ao Valor:

Valor: O que achou da confirmação de Jean Paul Prates para a presidência da Petrobras?

Roberto Castello Branco: Prefiro não responder a essa pergunta porque estaria criticando à priori. Deixa ele desenvolver o trabalho e aí podemos fazer um julgamento. Tem que dar um voto de confiança, ele é o presidente, nem começou a trabalhar, vamos ver como ele se comporta.

Valor: Mas qual é a sua leitura sobre os sinais que o governo deu até agora para a Petrobras, incluindo a disposição de mexer na política de preços dos combustíveis?
Castello Branco: Intervenção nos preços de mercado, seja de que jeito for, é negativa. Tanto o petróleo quanto os derivados são commodities globais, o preço internacional é um preço de mercado resultante da interação diária de milhares de consumidores e produtores. É o preço de mercado, só existe um preço, que deve ser seguido. Qual é o melhor preço para um produto? É o de mercado. Qualquer intervenção, seja via tabelamento, fórmula ou média, não deve ser feita.
A Margem Equatorial é uma oportunidade que o Brasil tem, mas a questão ambiental tem que ser discutida

Valor: Isso vale para outras commodities também?
Castello Branco: Para várias outras commodities que são exportadas pelo Brasil, como minério de ferro, óleo de soja. Se o preço global se altera, aqui [no Brasil] também se altera e ninguém utiliza fórmulas. O preço de mercado não tem fórmula, é simples: a interação entre demanda e oferta. Vimos no passado, temos experiência suficiente para ver que isso não funciona, provoca distorções, prejuízos à Petrobras e, em última instância, ao Tesouro Nacional e à população. Se a Petrobras toma prejuízo ou não aproveita situações de mercado, menos rentável ela fica, menos dividendos vai pagar. Nessa situação, o Tesouro Nacional, a União, que tem mais de 30% do capital da Petrobras, deixa de se beneficiar. São menos receitas para gastar com saúde, educação como o governo e o Congresso determinarem. Portanto, acho [os sinais dados até agora] negativos. Não há meio termo. O preço a ser seguido é o preço de mercado.

Valor: Como vê a ideia de se criar um fundo de estabilização para os preços dos combustíveis?
Castello Branco: O fundo de estabilização teria que ser criado pelo governo, não pela Petrobras, que é uma empresa, não é governo. Mas a experiência no mundo não recomenda a criação desse tipo de fundo. O UBS BB fez um trabalho com simulações e um fundo ficaria muito caro para o Tesouro Nacional, numa conjuntura de alta [do petróleo], num país que já tem uma dívida de mais de US$ 1 trilhão e que tem outras prioridades, por exemplo, na área social.

Valor: Como fica o mercado de refino a partir de agora, com a sinalização do novo governo de que não vai mais vender refinarias?
Castello Branco: O mercado de refino depende de como a Petrobras via praticar os preços [dos combustíveis]. As refinarias privadas adotam preço de mercado. A não ser que elas venham a ficar sujeitas a controle de preços, vão continuar a praticar preços internacionais porque seus acionistas se recusam a perder dinheiro. Se fala no Brasil de construir novas refinarias para atingir a autossuficiência ou até se tornar exportador de combustíveis. Não muda a natureza do produto, que é uma commodity precificada em dólar, de acordo com a demanda e oferta globais.

Valor: Há lógica em concluir a Rnest e o Gaslub (antigo Comperj)?
Castello Branco: A Rnest é a conclusão de projeto que ficou pelo meio do caminho, apesar do custo de construção ter sido da refinaria mais cara do mundo. No Polo Gaslub, o projeto não é de construção de uma refinaria, mas de uma planta de lubrificantes de última geração, que aproveitaria a ligação com a Reduc. É preciso observar a coerência [do governo]: de um lado, demonstra preocupação na construção de refinarias; de outro, dá sinais de propostas de investimentos em renováveis. Os dois objetivos são opostos. O que emite carbono é a refinaria e seus produtos.

Valor: Mas o caminho não deve ser mesmo ampliar investimento em fontes renováveis?
Castello Branco: O Brasil tem um setor privado pujante, que investe em renováveis e construiu centenas de plantas. O país tem uma vantagem comparativa no regime de ventos, em especial no Nordeste e no Sul. Existem planos para construção de centenas de plantas solares. É um equívoco querer copiar os europeus com plantas eólicas offshore, no mar. Isso faz sentido na Inglaterra porque lá o fator de carga de uma planta eólica em terra é 20%, mas a offshore, apesar do custo de investimento maior, consegue aumentar o fator de carga para 50%. No Brasil, o fator de carga de uma planta eólica é de 45%. Para fazer uma eólica offshore, o maior custo de investimento não compensa o aumento do fator de carga, que será pequeno. Não é econômico fazer isso no Brasil.

Valor: Qual é o caminho, então?
Castello Branco: A Petrobras tem que fazer o que vem fazendo: limpar as operações, reduzir a emissão de carbono. Nas refinarias, a emissão é alta, derivada da ineficiência energética, que aumenta os custos de produção e gera mais emissões. A Petrobras tem um investimento importante na captura de carbono, que é uma inovação: capturar carbono no poço submarino, no pré-sal, impedindo que venha para a atmosfera. Querer imitar empresas europeias não é adequado. Os europeus são radicais a respeito de energia e não contam com as oportunidades que a Petrobras tem para explorar e produzir petróleo de qualidade. Seria ruim deixar isso no fundo do mar. Foco [do investimento] deve ser na qualidade, não na quantidade. Se tiver bons projetos, investe mais

Valor: A Petrobras deve investir numa região ambientalmente sensível como a Margem Equatorial?
Castello Branco: Acho que é uma oportunidade que o Brasil tem. Aparentemente, essa região é rica em petróleo, seria uma extensão da bacia que existe na Guiana e no Suriname, onde várias empresas operam. A questão ambiental tem que ser discutida. Se gerar prejuízos ao meio ambiente, tem que adotar medidas para evitar [problemas], mas a Petrobras acha que pode fazer a exploração sem agredir o ambiente.

Valor: A Petrobras foi criticada na sua gestão e nas que se seguiram, no governo Bolsonaro, por ser tímida nas fontes renováveis. Agora, o governo fala em transformar a Petrobras em uma empresa de energia. O que acha?
Castello Branco: Nós [na gestão anterior] não seguimos esse caminho, que é adotado por empresas europeias, mas não pelas americanas e árabes. Consideramos que é possível operar de forma mais limpa, gerando menos emissões com o uso da tecnologia. O petróleo ainda vai ser um combustível importante nas próximas décadas. Nos anos 1960 havia se completado a transição do carvão para o petróleo. O consumo de carvão hoje ainda é três vezes o que se consumia nos anos 1960. O carvão não desapareceu, assim como o petróleo não vai desaparecer. Existem matérias-primas básicas cuja produção envolve a emissão de carbono e que não têm solução de curto prazo: o cimento, os plásticos, fertilizantes. Então o petróleo ainda vai ser necessário.

Valor: Qual é a solução?
Castello Branco: É preciso ser realista e ver que, sim, a transição energética é importante, a sustentabilidade também, mas os aspectos econômicos têm que ser levados em conta para que não nos deparemos com uma situação caótica do ponto de vista econômico e geopolítico, como foi com a Alemanha. A Alemanha demonizou a energia nuclear, os europeus não quiseram investir em gás e [o país] ficou à mercê da importação da Rússia. Houve a invasão russa à Ucrânia, as coisas mudaram, e hoje os alemães estão consumindo carvão, que é pior que petróleo. Precisamos ter segurança no suprimento de energia para o mundo.

Valor: O pagamento de dividendos aos acionistas da Petrobras subiu muito no ano passado. O que acha que vai acontecer agora?
Castello Branco: Houve aumento nos dividendos porque a Petrobras estava arrumada e se beneficiou da conjuntura de preços internacionais. Todas as empresas de petróleo estão com a rentabilidade elevada. Não sei o que vai acontecer com os dividendos, mas numa empresa é preciso levar em conta o interesse do cliente e do acionista. Uma das formas de o acionista obter remuneração é o dividendo. A Petrobras passou muito tempo sem pagar dividendos, em situação financeira precária. Um dos principais beneficiários dos dividendos, do ponto de vista individual, é o Tesouro Nacional. Como são gastos esses recursos, depende do Congresso e do Executivo.

Valor: Uma das discussões recentes foi que se precisaria reduzir o dividendo para investir mais. É uma falsa dicotomia?
Castello Branco: Depende do fluxo de caixa. Investir mais não significa investir melhor. O exemplo está no própria Petrobras no passado, que investia muito e grande parte dos projetos não funcionou, os retornos foram baixos, alguns não conseguiram nem gerar caixa. No Comperj, se gastou US$ 15 bilhões para nada. Tem que investir de forma racional. O foco deve ser na qualidade, não na quantidade. Se tiver bons projetos, investe mais, mas se não tiver, investe menos.

Valor: Outra questão é a possível flexibilização da Lei dos Estatais. Qual seria o efeito para empresas como Petrobras, BNDES e Caixa?
Castello Branco: Creio que a Lei das Estatais teve um impacto muito positivo na governança das empresas e, por consequência, na performance. Mudar o que está dando certo, somente por interesse político, não é o mais adequado. No governo Bolsonaro, na própria Petrobras, se violentou a Lei das Estatais com a nomeação de conselheiros que eram impedidos em função da lei. Um secretário-executivo de um ministério não poderia ser conselheiro de uma estatal, mas a lei foi driblada. O que se deveria fazer é reforçar a Lei das Estatais, não enfraquecê-la.

Valor: O senhor também viveu, como presidente da Petrobras, tentativas de interferências, com pedidos do ex-presidente Bolsonaro para recuar de aumentos de preços.
Castello Branco: Sim, mas eu consegui resistir. Fui demitido por causa disso. Mas o importante, que é preservar a Petrobras, foi feito.

Valor: Haverá novas intervenções do governo na Petrobras?
Castello Branco: Vamos observar. Está muito cedo para pressupor qualquer coisa. Vamos dar o benefício da dúvida e ver o que acontece.

Valor: Quais são os principais desafios da Petrobras agora?
Castello Branco: Continuar com a política de preços baixos, alocação de capital eficiente, só investir em bons projetos e focar nos aspectos de meio ambiente, social e manter a governança.

Valor: Como liberal, está preocupado com os sinais em relação à gestão macroeconômica do país?
Castello Branco: O mercado deu sinais negativos a respeito disso, mas o governo mal começou. Vamos aguardar. O Brasil tem problemas sérios, de disciplina das finanças públicas, uma dívida elevada, problemas de produtividade e, por conseguinte, baixo crescimento econômico, problemas de pobreza e desigualdade. No Brasil, não faltam problemas a serem resolvidos, então o que se espera do governo é que ele resolva essas questões.

Valor: Depois dos ataques de 8 de janeiro vai ser possível avançar na agenda econômica?
Castello Branco: Não podemos ficar parados por causa do 8 de janeiro. O país tem que seguir sua direção, há muito o que se fazer. Foi muito ruim o que aconteceu, os responsáveis diretos e indiretos devem ser punidos, mas a vida segue.

Valor: No passado, houve críticas ao PT por altos gastos da Petrobras com publicidade e patrocínios. Esse é outro tema que requer atenção?
Castello Branco: Na minha época, procuramos reduzir os gastos porque eram excessivos. Era preferível deslocar recursos para investimentos sociais. Recebi também muita pressão [política] e consegui resistir. Não cedi. Vamos ver o que acontece agora, não vou antecipar fatos.

Valor: Como ficou a sua interlocução com pessoas que participaram do governo Bolsonaro, como o ministro Paulo Guedes?
Castello Branco: Tenho interlocução com algumas pessoas, outras com as quais a experiência não foi positiva, não.

Fonte: Valor Econômico

DEIXE SEU COMENTÁRIO

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.