Gasoduto de Vaca Muerta não garante conexão regional

Foto: Divulgação

O sonho de interligação dos mercados de gás do Brasil, Argentina e Bolívia deu mais um passo esta semana com o anúncio dos presidentes brasileiro e argentino de que o BNDES pode ajudar a financiar a segunda etapa do gasoduto Néstor Kirchner, que vai ligar a região produtora de gás não-convencional de Vaca Muerta à grande Buenos Aires.

Esse projeto sozinho, entretanto, ainda não garante a integração e vão ser necessários mais investimentos em dutos de transporte no Brasil para fazer o gás chegar ao mercado consumidor.

A conexão terrestre pode também não ser a melhor alternativa do ponto de vista econômico para o Brasil, pois existe a opção de suprimento por gás natural liquefeito (GNL), dizem especialistas do setor.

Hoje as malhas de gás de Brasil e Argentina são conectadas por um duto de 25 quilômetros que sai do país vizinho e chega à cidade de Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, onde está uma usina termelétrica operada pela Âmbar.

Esse duto é operado pela Transportadora Sulbrasileira de Gás (TSB), que também responde por outro duto de mesmo tamanho que conecta o Polo Petroquímico de Triunfo (RS) à capital Porto Alegre, onde termina o Gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol).

Para fechar, de fato, a conexão entre os três países, é necessário completar a integração dos dutos argentinos, além de realizar a conexão entre Uruguaiana e Porto Alegre, de 565 quilômetros.

O presidente da Associação de Empresas de Transporte de Gás Natural por Gasoduto (ATGás), Rogério Manso, diz que há interesse de transportadoras em investir na conexão no sul do país, que poderia ficar pronta em três anos.

Para ele, o gás argentino pode criar uma competição saudável no mercado brasileiro: “O consumidor precisa ter acesso a diversas fontes para ter competitividade”, diz.

Segundo fontes, no governo de Michel Temer uma proposta similar havia sido analisada pelo Ministério de Minas e Energia (MME), mas na época os estudos mostraram que a interligação não seria financeiramente viável.

De acordo com técnicos que participaram das discussões, seria mais barato para o Brasil comprar a produção de Vaca Muerta no modelo de GNL, no mercado internacional.

Além disso, o Brasil tem grandes reservas de gás no pré-sal. Parte da extração é reinjetada nos reservatórios por falta de infraestrutura para transportar a produção para a costa, mas grandes projetos estão em fase de maturidade e podem se viabilizar no futuro.

É o caso do gasoduto que vai ligar a descoberta de Pão de Açúcar, operada pela Equinor na Bacia de Campos, ao Rio de Janeiro, e das descobertas em águas profundas da Petrobras na Bacia de Sergipe-Alagoas.

Para a diretora-executiva de gás natural do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), Sylvie D’Apote, se esses dois projetos nacionais forem adiante, é provável que o gás esteja no mercado em até cinco anos, antes de ocorrer a conexão com a Argentina, que demanda mais obras de infraestrutura. Ainda assim, ela considera que a oferta argentina pode ajudar a competição no mercado brasileiro: “Num mundo globalizado, quanto mais fornecedores, maior a segurança do abastecimento”, diz.

A região da Patagônia argentina tem a segunda maior reserva de gás não-convencional do mundo, atrás dos Estados Unidos. A produção nessas áreas ocorre por meio de técnicas de fraturamento hidráulico, diferente das reservas tradicionais de petróleo e gás.

“Nos Estados Unidos, o gás fez renascer a indústria petroquímica. A integração energética e economia dos países do Cone Sul é positiva. O mundo inteiro está revendo as cadeiras logísticas e trazendo as indústrias para perto do consumo”, diz o ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Aurélio Amaral.

Uma outra possibilidade para viabilizar a importação seria aproveitar o fluxo do duto que conecta a Argentina à Bolívia e trazer o gás para o Brasil por meio do próprio Gasbol, com a perspectiva de redução das reservas bolivianas.

Mas a compra do gás pela via terrestre não é vantajosa hoje nem mesmo para a térmica da Âmbar no Rio Grande do Sul, que já tem conexão por duto ao país vizinho. Fontes dizem que empresa calculou que compensa mais abastecer o projeto com GNL do que com o gás argentino. Se a Argentina optar por exportar o gás de Vaca Muerta liquefeito, no entanto, há incertezas se as cargas viriam para o Brasil.

“Com as recentes crises, o preço do GNL ficou elevado e a Argentina pode optar por vender para quem pagar mais. A Europa, por exemplo, precisa de gás”, diz o ex-secretário do MME, Márcio Félix.

Especialistas dizem que a conexão pelo duto terrestre com o país vizinho pode se justificar se houver demanda firme do lado brasileiro, por meio de termelétricas ou da indústria. “É necessário ter um mercado âncora, que permita com que a tarifa de transporte pague a construção do duto”, diz o ex-diretor geral da ANP, Décio Oddone.

Um dos receios de fontes do setor no Brasil é que se crie um modelo de compra compulsória e obrigue as distribuidoras a contratar o gás importado. A Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás) diz que é importante que o acordo com a Argentina represente um primeiro passo de um plano para ampliar a demanda. “Uma das chaves para o desenvolvimento do mercado de gás natural no Brasil é a diversificação da oferta”, diz.

O presidente da consultoria Gas Energy, Rivaldo Moreira Neto, lembra que a demanda de gás industrial cresceu pouco no Brasil na última década. “Seria mais óbvio que a Argentina exportasse para o Chile, onde já existe uma conexão. Além disso, a Argentina tem um déficit, pois há uma demanda bastante alta por gás no inverno, o que deixa dúvidas em relação à capacidade de exportar”, diz.

Há dúvidas quanto à viabilidade de projetos de longo prazo de combustíveis fósseis, no contexto da transição energética. “Esses investimentos têm que se pagar dentro da vida útil deles”, diz D’Apote.

Fonte: Valor Econômico

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