“Dá muito dinheiro destruir a natureza”, diz presidente do Ibama

Foto: Divulgação

Dá muito dinheiro destruir a natureza no Brasil. Quem afirma é o advogado e biólogo Rodrigo Agostinho, 45 anos, presidente do Ibama. “A terra dobra de valor depois que é desmatada. Se for comprar terra no Mato Grosso ou no Pará, com floresta tem um preço, desmatada é duas vezes mais caro. Virou um grande negócio”, observa o ex-deputado federal (PSB-SP), eleito duas vezes para a Prefeitura de Bauru, no interior paulista.

Os negócios sustentáveis, diz Agostinho, não acompanham na mesma velocidade. “Meu entendimento pessoal é que nesse primeiro momento o que vai segurar o desmatamento é comando e controle”, afirma ele, referindo-se ao nome dado pelo setor às estratégias de fiscalização, autuação, embargo e operações em campo para conter as ilegalidades. “Em um segundo momento, é a economia da floresta.”

Fotógrafo de natureza e conhecedor de pássaros, Agostinho foi estagiário do Ibama na adolescência e retorna agora para liderar a instituição à frente das operações de combate ao desmatamento na Amazônia, prioridade do governo Lula. Encontra um órgão envelhecido e com o quadro de servidores reduzido à metade. “Hoje temos meio Ibama. Só 53% do quadro está preenchido”, diz. “Colocar essa engrenagem de novo para funcionar não é fácil.”

Além disso, Agostinho encontrou 130 mil multas em adiantado processo de prescrição, somando R$ 18 bilhões. “É impunidade pura”, conclui, sobre o buraco administrativo que herdou da gestão passada e procura reverter.

Licenciar no país que tem as maiores biodiversidade e complexidade socioétnica do mundo é muito desafiador

A seguir trechos da entrevista que concedeu na sede do órgão, onde disse encontrar servidores resilientes e corajosos, que enfrentaram anos difíceis. Estava recém-empossado e logo depois de voltar de viagem ao Vale do Javari, região tensa onde foram assassinados, em junho, o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips:

Meio Ibama

Hoje nós temos meio Ibama. Só 53% do quadro do Ibama está preenchido. Perdemos um número enorme de servidores por aposentadoria, que se demitiram ou se transferiram para outros locais. Durante a pandemia, tivemos mais de 300 óbitos nos órgãos ambientais. O Ibama chegou a ter 2.000 fiscais e hoje tem 300 no Brasil todo, não só na Amazônia.

Órgão envelhecido

Uma coisa era executar o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia, o PPCDAm, quando o Ibama tinha 1.700 fiscais e outra coisa é hoje, com só 300 e espalhados pelo país.

Hoje há dentro do Ibama 470 servidores que estão recebendo abono permanência, um bônus que a gente paga para que as pessoas com idade para se aposentar continuem trabalhando aqui.

Este ano teremos mais 200 pessoas com idade para se aposentar. O Ibama é um órgão envelhecido. Colocar toda essa engrenagem de novo para funcionar não é fácil.

R$ 18 bilhões em multas a vencer

Estamos com uma força-tarefa para a revisão de atos administrativos que foram tomados ao longo do tempo, principalmente na gestão passada, e para evitar a prescrição de multas. Encontrei 130 mil multas em processo de prescrição adiantado, totalizando R$ 18 bilhões. Isso é impunidade pura.

A volta da fiscalização

Tínhamos planejado para março entrar no Território Yanomami. Mas com toda a crise humanitária, antecipamos em um mês. É grande o desafio de botar tudo de novo de pé: para fazer uma operação precisamos de helicóptero, combustível, diária, pessoal, equipamentos de proteção.

Pedimos o apoio de parceiros estratégicos como a Polícia Federal, a Força Nacional, a Funai e o Ministério dos Povos Indígenas. Estamos com uma grande operação na terra Yanomami e com dezenas de operações acontecendo todos os dias. As fiscalizações voltaram a acontecer.

Desmatamento

Acreditamos que vamos conseguir a redução do desmatamento. Sabemos que esse começo não será fácil, mas estamos perseguindo os caminhos testados no passado de atuar em municípios prioritários, trabalhar o comando e controle utilizando uma base científica, como os alertas do INPE. Centenas de alertas chegam todos os dias, são processados pela nossa central e encaminhados à fiscalização.

Nossa perspectiva é de, o mais breve possível, começarmos com autuações de forma remota. As propriedades que têm título, sabemos quem é o proprietário. Se estão sendo desmatadas ilegalmente não faz sentido mandar alguém com helicóptero e fuzil lá para fazer um auto de infração que pode ser feito daqui, pelo computador.

Áreas embargadas on-line

Além do auto de infração, fazemos os embargos, que foram decisivos para o combate ao desmatamento no passado. As pessoas precisam saber que desmatar tem consequências. No embargo a pessoa fica proibida de receber financiamento ou crédito rural para algumas atividades.

A Europa não compra soja de área embargada no Brasil. E estamos colocando todos os dados on-line para que haja consulta dos bancos. Não adianta uma área estar embargada e ninguém consultar o sistema.

Com a equipe que temos, não damos conta. E muita gente trabalha com essa possibilidade: “Vou desmatar e o Ibama não vai chegar aqui nunca, porque é no meio do nada”. Na Amazônia nunca se desmatava em janeiro e fevereiro, época de chuvas e estradas intransitáveis. Hoje os caras não querem nem saber, desmatam na chuva.

Dá dinheiro destruir

Dá muito dinheiro destruir a natureza no Brasil. A terra dobra de valor depois que é desmatada. Se for comprar terra no Mato Grosso ou Pará, com floresta tem um preço e desmatada é duas vezes mais caro. Virou um grande negócio.

Os negócios sustentáveis não acompanham na mesma velocidade. Meu entendimento é que nesse primeiro momento o que vai segurar desmatamento é comando e controle. Em um segundo momento, é a economia da floresta.

Conjunto de ferramentas

Não dá para achar que só com comando e controle se consegue reduzir o desmatamento. Precisamos que a floresta tenha valor econômico. Se queremos ser bem sucedidos, é preciso que o Brasil volte a criar unidades de conservação, terras Indígenas, invista no turismo, invista nos produtos da floresta para indústria alimentícia, farmacêutica, de cosméticos.

A gente precisa que as coisas da floresta mantenham a floresta em pé.
Se um estrangeiro quiser vir para Amazônia fazer turismo, as opções são pouquíssimas. Mas na Colômbia, no Peru e no Equador têm inúmeras opções de turismo de base comunitária mantendo a floresta em pé. Precisamos dessas políticas públicas.

Orçamento

No processo de transição, conseguimos, com orientação do presidente Lula, que o orçamento da área ambiental ganhasse um reforço e que os recursos de doações fossem descontingenciados do teto de gastos. É um grande alívio.

Conseguimos ir um pouco além e aumentar o orçamento da área ambiental em R$ 550 milhões. O Ibama ganhou para a fiscalização um pouco mais de R$ 100 milhões desse total. Isso está fazendo com que a gente volte a respirar.

População armada

O que estamos vendo na Amazônia é, em boa medida, algo que acontece em outras regiões do Brasil quando há ausência do Estado. Se a região fica à própria sorte, o que a gente vê florescer é a criminalidade.

Encontramos garimpo em toda a Amazônia, garimpo lavando dinheiro de droga. Estamos vendo um conjunto enorme de outros crimes tributários, sonegação, de direitos humanos, todos acompanhando os crimes ambientais.

Temos um sistema de rastreabilidade de madeira maravilhoso, mas a madeira ilegal está competindo com a legalizada de uma maneira que inviabiliza o mercado certificado. Há atividades ilegais sendo a única fonte de renda para algumas regiões da Amazônia.

No Vale do Javari, a maior preocupação da população são os piratas que circulam pelos rios. Isso é um problema de polícia. A pirataria está tomando conta dos rios da Amazônia.

A criminalidade acontece em toda a região: questões fundiárias, garimpo, extração de madeira ilegal, pesca ilegal legalizando o tráfico de drogas. As coisas estão todas correlatas.

E é tudo mais complicado com a população armada com armamento legalizado por conta dos decretos presidenciais dos últimos quatro anos. Nosso fiscal tem que estar bem preparado e protegido.

Tolerância zero

A ideia é não ter tolerância com esse tipo de situação. A população da Amazônia não pode ficar à mercê da criminalidade organizada. Por isso temos que levar alternativas econômicas sustentáveis para dentro da Amazônia.

Ida ao Vale do Javari

A visita recente ao Vale do Javari simbolizou a retomada da presença do Estado na região. A delegação envolveu Ibama, Funai, Ministério dos Povos indígenas, da Saúde, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Ministério da Defesa, Defensoria Pública, Força Nacional.

Todos mostrando que o Estado está voltando a cuidar daquela região de Tríplice Fronteira, onde barcos entram o tempo todo com droga, saem levando pescado, e povos isolados estão sob constante ameaça. Foi um resgate em relação a tudo que aconteceu nos últimos anos e culminou com o assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Philips.

Escritórios fechados

O escritório do Ibama na região, em Tabatinga, havia sido fechado. Vamos trabalhar para reabrir. Tem muitos escritórios fechados. Uma coisa é fechar um escritório numa região onde a presença do Ibama não é tão necessária, outra coisa é fechar escritórios na Amazônia.

Todos os Estados da Amazônia perderam unidades. Se a gente não tem a presença do Ibama, não sabe o que está acontecendo. Podemos até ter imagem de satélite, mas com a presença de uma equipe na região ficamos sabendo quem está comprando terra, quem comercializa madeira ilegal. É a presença física que conta a história.

Pesca e tráfico de animais

Não faremos a fiscalização só para combater desmatamento. O Brasil tem 8.000 km de costa. A fiscalização de pesca ilegal, tráfico de animais, comércio ilegal de madeira também voltou. Temos que passar a limpo vários setores, mas o nosso sucesso será medido pelo combate ao desmatamento.

Tem meta?

A meta vai ser definida pelo PPCDAm. Tenho o sonho de reduzir o desmatamento pela metade o mais breve possível. Mas a meta, quem vai definir é uma política pública robusta sendo desenhada pelo governo. O Ibama é executor.

Licenciamento

Desde 2011, quando foi publicada a Lei Complementar nº 140, a maior parte das licenças foi transferida para os Estados. O que sobrou para o Ibama são os licenciamentos bem complexos. Fazer licenciamento ambiental no país que tem a maior biodiversidade e a maior complexidade socioétnica do mundo é bem desafiador.

Todos os problemas sociais acabam entrando na licença ambiental. O novo governo está trabalhando na retomada do desenvolvimento. Isso significa que projetos bastante complexos de infraestrutura passarão aqui pelo Ibama.

BR-319

Trata-se da pavimentação da BR-319, que liga Porto Velho a Manaus. Tem um trecho nas duas pontas que está pavimentado, todo esburacado, e estão tapando os buracos. O trecho do meio, de 400 km, é o que não tem pavimento e é objeto desse licenciamento.
O governo passado emitiu uma licença-prévia, que não dá direito a fazer a obra, apenas antecipa a possibilidade do DNIT fazer os estudos necessários.

O Ministério Público diz que muitas recomendações não foram seguidas, então estamos analisando que recomendações são essas e se, de fato, alguma dessas recomendações não seguidas podem significar ilegalidade. O processo está em fase de elaboração de estudos pelo DNIT.

No coração da Amazônia

Meu entendimento é que se tivéssemos governança sobre essa região, o impacto da rodovia seria muito menor. Mas como não tem, o grande risco da BR-319 é significar o desmatamento do Estado do Amazonas. Irá abrir o Estado ao meio, um corte de fora a fora no coração da Amazônia.

É empreendimento de grande complexidade e estamos avaliando. Não temos condição nenhuma de dizer se a licença será emitida ou não, está em processo de análise. Mas se for licenciada sem governança, é a destruição da área mais conservada da Amazônia.

Ao longo da BR-319 o processo de grilagem de terra está muito acelerado. Estamos com um olhar atento a essa dinâmica. O que se vê na BR-319 é placa com o nome das pessoas vendendo lotes dentro de terras indígenas, de unidades de conservação. Ao longo de toda a estrada, vai se ver placas vendendo terra pública. É algo que choca.

Margem Equatorial

O mundo inteiro está trabalhando em uma ideia de descarbonização, de sair do petróleo. Obviamente o Brasil precisará ter um olhar estratégico em relação a isso. As informações que temos é que a Petrobras irá voltar os olhos de maneira muito forte para energia renovável, inclusive como uma forma de sobrevivência.

Mas esse é um projeto hoje da Petrobras, a possível exploração de petróleo na foz do Amazonas, incluindo todo o litoral norte do Brasil. É chamado de Margem Equatorial porque está na linha do Equador.

No passado, o Ibama negou a licença para outra empresa. Agora o projeto é da Petrobras e a empresa está numa fase de licenciar um poço de investigação, para saber se tem petróleo ou não. Ocorre que na Venezuela, Suriname e Guiana, a exploração de petróleo acontece em grande escala naquela região.

Atendendo a um pedido do Ibama estão sendo feitos testes na região: se houver um eventual acidente, o que aconteceria?

Neste momento, a Petrobras está apresentando estudos que o Ibama solicitou. A análise desses estudos é outro processo. É um conjunto enorme de análises econômicas ambientais, do ponto de vista de impacto social, das consultas às populações. Queremos o licenciamento mais técnico possível.

PL do licenciamento

Passou pela Câmara e está no Senado, em fase final. Em um mundo ideal, teríamos a capacidade de discutir esse texto e melhorá-lo. Eu entendo que o texto que está no Senado tem muitas inconstitucionalidades.

O Brasil precisa de uma regra nova de licenciamento ambiental, mas tem pontos ali que, dificilmente, não teríamos decisões judiciais contrárias ao projeto. Como licenças autodeclaratórias para empreendimentos de alto risco e alto impacto.

O auto declaratório, em países onde existe, é para atividade de baixo impacto e baixo risco. Não é o caso de empreendimentos que resultam em desmatamento e que afetam populações tradicionais.

Perspectiva de clima nos projetos

Temos esse desafio no Ibama, não apenas no licenciamento. Falta esse olhar no órgão. No licenciamento já começaram a ser solicitadas informações de emissões de gás de efeito-estufa para os empreendimentos.

Não é para exigir compensação ou mitigação, mas esse dado é importante porque o Brasil assumiu compromissos internacionais, as emissões brasileiras precisam ser verificadas e os dados de licenciamento são imprescindíveis para isso.

Precisamos ir além e começar a medir também o impacto das emissões decorrentes de alguns empreendimentos na nossa NDC, o compromisso climático do país.

O licenciamento deveria contemplar um estudo prévio, uma análise ambiental no seu conceito, desde a concepção. Esperamos que isso de fato aconteça com as grandes obras de infraestrutura. Porque não faz sentido, depois de o projeto pronto, chegar para o Ibama e falar “só falta a sua licença”.

Ferrogrão

Há problemas de judicialização e outras situações, mas é outro empreendimento que está no radar do Ibama. Está no licenciamento e estamos analisando com atenção. No caso da Ferrogrão existe uma análise pelo Tribunal de Contas da União. Há questões relacionadas à consulta de populações afetadas ou na área diretamente impactada pelo empreendimento.

Reparar injustiças

Vamos trabalhar para ter um Ibama forte novamente. O passado recente foi um momento difícil para a instituição. E agora é preciso reparar injustiças, recuperar essas cicatrizes e valorizar muito o trabalho dos servidores do Ibama.

Fonte: Valor Econômico

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