Biden unifica aliança ocidental e dá a Zelensky ‘punho de ferro’ contra Putin

Envio de tanques de EUA e Alemanha para Kiev representa uma vitória política e militar simbólica e bastante significativa para a Ucrânia

Foto: Adam Schultz / Casa Branca

Quanto mais o presidente russo Vladimir Putin tenta quebrar a Otan, mais forte ela fica.

Não é primeira vez durante a guerra na Ucrânia que Joe Biden toma medidas decisivas para fechar as rachaduras na aliança. Na quarta-feira (25), o presidente americano anunciou que enviaria 31 tanques avançados para as forças armadas de Kiev, em um movimento que levou a relutante Alemanha a ceder e enviar seus próprios tanques, e que pode gerar movimentos semelhantes em toda a Europa.

Isso representou uma vitória política e militar simbólica e bastante significativa para a Ucrânia. O país espera que seu novo “punho de ferro” ataque as linhas de frente russas entrincheiradas no leste, fortaleça um avanço sobre a ponte da Crimeia ao sul, e evite uma temida ofensiva russa durante a primavera no hemisfério norte.

A habilidade de estadista de Biden conseguiu acabar com a divisão ocidental mais pública e prejudicial da guerra até agora.

Os EUA disseram anteriormente que seus tanques Abrams eram muito complexos, de manutenção alta demais para a guerra da Ucrânia e que não se adequavam ao terreno. Mas, a mudança de atitude de Biden, que dá lastro à Alemanha, ressalta a visão de Washington de que a unidade ocidental contra Putin é fundamental para salvar a Ucrânia.

De fato, o principal objetivo de Putin fora dos campos de batalha é forjar divisões entre os aliados ocidentais e interromper ou acabar com o fluxo de armas do qual depende a sobrevivência da Ucrânia como nação independente.

Seu fracasso, apesar das furiosas ameaças da Rússia para intimidar nações europeias a recusar a transferência de tanques, também surge após um inverno ameno que tirou dos russos outra de suas estratégias: a de fazer os europeus sofrerem no frio com a redução das importações de gás, na esperança de pressionar seus líderes a deixarem de apoiar a Ucrânia.

“Putin esperava que a determinação da Europa e dos Estados Unidos enfraquecesse”, disse Biden, na Casa Branca, nesta quarta-feira. “Ele esperava que nosso apoio à Ucrânia desmoronasse com o tempo. Ele estava errado… Estava errado desde o início e continua errado. Estamos unidos”.

Uma mudança estratégica extraordinária

À medida que se aproxima o primeiro aniversário da invasão russa, Biden e o Ocidente estão em uma posição extraordinária que poucos estrategistas teriam considerado possível há um ano.

A Otan está mais forte e mais unificada em anos. Isso é um desastre estratégico para a Rússia. A sensação de deriva da aliança no início dos anos 2000 foi afastada pela lembrança do propósito fundador do bloco: a defesa em comum contra a agressão de Moscou. O comportamento de Putin garantirá que essa lição que promove a aliança perdure por décadas.

Biden estabeleceu seu legado em uma grande guerra terrestre na Europa, na qual os Estados Unidos se envolveram em uma batalha por procuração com sua rival nuclear.

Esta luta – que é, de certa forma, a última batalha da Guerra Fria – é um teste de firmeza entre um presidente americano e um autocrata do Kremlin profundamente influenciado pelo impasse entre EUA e União Soviética.

Biden está liderando o mais significativo movimento de política externa desde a invasão do Iraque em 2003. Seu sucesso é fundamental para a credibilidade dos EUA, bem como para a sua própria. A magnitude da missão provavelmente ofuscará grande parte do restante de sua presidência – incluindo a investigação atual sobre documentos confidenciais extraviados – no contexto da história mundial.

Biden restaurou os EUA como um forte líder global, reavivando sua aliança transatlântica e guiando os aliados com diplomacia intensa e bem-sucedida. Por hora, o ato de equilíbrio do presidente americano – entre canalizar armas cada vez mais poderosas para a Ucrânia e evitar uma escalada com Putin, que poderia levar a um confronto com o Ocidente, ou até mesmo ao uso, por Moscou, de uma arma nuclear de menor escala – está funcionando.

Um segundo ano de guerra na Ucrânia e o aprofundamento do envolvimento da Otan testarão essa equação como nunca.

O aspecto mais impressionante da relação em desenvolvimento entre o Ocidente e a Ucrânia é que uma das supostas motivações de Putin para a guerra era evitar a possibilidade de que o ex-estado soviético se filiasse à Otan, algo que seria uma humilhação ainda maior para Moscou do que a adesão de nações que uma vez fizeram parte do Pacto de Varsóvia, como Polônia, Romênia e Eslováquia.

Agora, porém, o esforço de guerra da Ucrânia está sendo armado e financiado pelo Ocidente, quase como se fosse um estado de fato da Otan, com acesso a alguns dos sistemas de armas mais sofisticados da aliança.

A justificativa do Ocidente para esse apoio também está em desenvolvimento. Antes, o principal objetivo era permitir que uma nação indefesa impedisse uma invasão gratuita, para que seu povo tivesse a liberdade de escolher seu sistema político e sua soberania. Agora, os líderes da aliança parecem ver a Ucrânia como um bastião estratégico e vital.

“Se o presidente Putin vencer, é uma tragédia para os ucranianos, e também um perigo para nós”, afirmou na quarta-feira (25) o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, para Kate Bolduan, argumentando que não se pode permitir que uma nação autoritária exerça sua vontade e lucre com ameaças. “É do nosso interesse de segurança apoiar os ucranianos”, complementou.

O que vem a seguir?

Mesmo que continue fracassando, é pouco provável que Putin pare de tentar desmantelar a aliança ocidental. A hostilidade em relação aos EUA e a seus aliados e uma busca por vingança têm sido a base de seus mais de vinte anos no poder.

Limitar o suprimento de armas para a Ucrânia e promover a fadiga ocidental com a guerra continuam sendo cruciais para suas esperanças de obter a vitória ou evitar uma derrota decisiva.

Moscou reagiu furiosamente à decisão sobre os tanques, chamando-a de extremamente perigosa, e acrescentando que isso elevou um conflito já sangrento para um outro nível.

Biden, ainda buscando evitar uma escalada que possa levar a um confronto direto entre as forças da Otan e da Rússia, enfatizou que os novos tanques não representam uma ameaça ofensiva à Rússia – se ao menos Putin retirasse suas tropas da Ucrânia.

Os críticos da guerra e do enorme fluxo de armas ocidentais ficarão cada vez mais preocupados que o Ocidente possa acabar alimentando um impasse sangrento que resultará no massacre sem sentido de milhares de tropas e civis ucranianos e russos.

Como Moscou e Kiev parecem acreditar que ainda podem vencer a guerra, quase não há abertura para um movimento diplomático de cessar-fogo ou mesmo de paz.

No entanto, os estrategistas militares ocidentais alertam que Moscou, após um ataque já sangrento, está preparando uma nova ofensiva na primavera.

“É perigoso subestimar a Rússia”, declarou Stoltenberg em um discurso em Oslo na quarta-feira, ressaltando que o país mobilizou 200 mil soldados extras e estava disposto a correr grandes riscos e enfrentar enormes perdas.

A Ucrânia pedirá mais, como sempre

A Ucrânia agora ficará sob pressão para mostrar que consegue usar esses novos tanques em operações militares combinadas e devidamente planejadas, que maximizam suas vantagens mas minimizam suas fraquezas para ter ganhos importantes em campo.

Embora os tanques alemães, conhecidos como Leopard 2, possam chegar em poucas semanas, John Kirby, coordenador de comunicações estratégicas do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, disse que ainda levará “muitos meses” para que os tanques Abrams cheguem, os quais ainda precisam ser comprados de fabricantes americanos.

Ainda assim, a cadeia de consequências diplomáticas e militares gerada pela vontade de Biden de enviar os tanques mandou uma mensagem importante para Moscou.

“Eles são mais importantes por serem um símbolo do comprometimento dos EUA e da Europa”, comentou o General Wesley Clark, ex-comandante supremo aliado da OTAN na Europa, a Wolf Blitzer.

A Ucrânia pediu pelo menos 300 tanques. Embora ainda não se saiba quantos receberá nas novas remessas dos aliados, o total pode ser de aproximadamente 100. Contudo, o país espera que, uma vez iniciado, o fluxo de novos armamentos continue a fluir. Isso é o que tem acontecido consistentemente durante a guerra.

Na época da invasão, em fevereiro do ano passado, os EUA e os aliados estavam reticentes em fornecer até armamento básico. Mas, à medida que a guerra brutal se desenvolvia e a Ucrânia inspirava o mundo com sua resistência, as barreiras para enviar mais ajuda se desfizeram.

Hoje, Kiev recebe armas, munições, drones, mísseis antitanque Javelin, veículos blindados, mísseis Patriot, e agora alguns dos tanques mais sofisticados dos EUA e de militares aliados.

Quando esteve em Washington pouco antes do Natal, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky alertou que as necessidades de seu país eram tão grandes que nunca pararia de pedir mais armas.

Até o momento, o fornecimento de caças – o pedido mais ambicioso de seu governo – é uma linha que Biden não está disposto a cruzar. É também um pedido que já causou divisões na aliança no passado.

Mas o padrão desta guerra é: o que a Ucrânia pede, acaba recebendo, mesmo que a extensão de seus pedidos por equipamentos específicos nem sempre seja atendida.

Por Stephen Collinson, da CNN

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