A culpa é da Barbie?

A histeria de parte da direita chata deixa escapar uma boa oportunidade de conversar com os filhos

Cena do filme Barbie - Foto: Montagem Revista Oeste/Divulgação

Por Ana Paula Henkel (*)

Hoje em dia, não há a menor dúvida da atual doutrinação porca nas escolas. Muito do discutível conteúdo é entregue por professores ativistas, frutos da pura militância ideológica que visa apenas, e nada mais do que isso, trancafiar mentes de crianças e adolescentes em um calabouço intelectual para que, quando adultos, continuem a procriação da agenda neomarxista. Não, não há nenhuma teoria conspiratória nessa declaração.

Essa perigosa doutrinação, que tem a capacidade de realizar verdadeiras lavagens cerebrais em crianças e adolescentes, não foi plantada apenas nas escolas. Na década de 1930, os neomarxistas da Escola de Frankfurt aceitaram e aplicaram a teoria do filósofo Antonio Gramsci, que lançou as bases para a lenta aquisição da cultura pela esquerda. Isso significou infiltrar-se nas escolas, na arte, no entretenimento, na religião, na família e, além de tudo isso, na língua. As pessoas tiveram que ser desconectadas de suas tradições e costumes para que pudessem superar sua “falsa consciência”. Esse se tornou o principal objetivo dos filósofos pós-modernos da Escola de Frankfurt que buscavam criticar e desconstruir tudo, para então dominar as massas.

Muitos dos adeptos da Escola de Frankfurt estavam menos interessados em economia e redistribuição de riqueza do que em refazer e transformar a sociedade por meio de mudanças culturais e de atitude. Eles incorporaram a teoria de classe marxista à sociologia e à psicologia, ao mesmo tempo que assimilaram as teorias de Freud sobre a sexualidade. Assim, a teoria de Marx da dialética do conflito perpétuo foi unida às ideias neuróticas de Freud, criando uma espécie de movimento “freudiano-marxista”. O objetivo declarado era uma transformação total da sociedade, quebrando as normas e instituições tradicionais, como as relações monogâmicas e a família tradicional. Isso deveria ser conseguido também promovendo e legitimando a permissividade sexual desequilibrada sem restrições culturais ou religiosas.

Margot Robbie, na estreia de Barbie, em Los Angeles, Estados Unidos | Foto: Shutterstock

Todos nós, pais antenados, sabemos que as nefastas sementes da doutrinação marxista — dividir para conquistar — estão espalhadas de maneira brilhante por inúmeros campos da atual sociedade, e todo cuidado é pouco. O “Fla x Flu” para os discípulos de Marx precisa ser preenchido em todas as áreas — mulheres x homens, filhos x pais, negros x brancos, gays x héteros… e assim por diante. Para o sucesso da agenda, é necessário sempre haver uma classe de opressores e outra de oprimidos. Dito isso, a pergunta que impera hoje é se essa programação está em absolutamente tudo na nossa vida. Pode ser. Mas qual é a extensão do nosso “medo” diante do que está muito óbvio para todos nós? Será que esse “medo” pode estar nos paralisando com uma repulsa que pode estar inclusive evitando o verdadeiro conhecimento do que está sendo colocado diante de nós e dos nossos filhos? Ronald Reagan dizia: “Como você identifica um comunista? Bom, é alguém que lê Marx e Lenin. E como você sabe que alguém é um anticomunista? É alguém que lê e entende Marx e Lenin”. É preciso mergulhar no mundo dos manuais absurdos para que possamos proteger nossas famílias.

Mas por que essa volta toda para escrever sobre um filme para meninas sobre uma boneca famosa? Porque Barbie está dando o que falar! E entre os adultos. Muitos “influenciadores” que se dizem conservadores e alinhados com o espectro político da direita estão histéricos nas redes sociais, quase arrancando os cabelos e as unhas (que, de acordo com o novo e chato código das neoconservadoras, não podem ser mais pintadas de vermelho) e gritando aos quatro ventos: “Protejam suas filhas! Não deixem que vejam Barbie! O filme não passa de uma série de mensagens contra tudo o que acreditamos!”. Reagan, um dos maiores conservadores da história norte-americana, não aprovaria esse comportamento de evitar esse tipo de exposição. É assim que ajudamos nossos filhos.

Cena do filme Barbie | Foto: Reprodução

Barbie, na verdade, é apenas uma palestra chata que se identifica como um filme. É um exame severo de uma sociedade que existe apenas nas mentes dos criadores da película. É uma resenha de duas horas através de uma ladainha de reclamações sobre como o patriarcado está mantendo as mulheres para baixo, embora as razões para isso não sejam apresentadas.

O filme é até agradável de se olhar, com seu esquema de cores vivas e pastéis e suas piadas até divertidas sobre viver em uma terra de bonecas — por exemplo, todo mundo tem um copo, mas não há líquido neles. Na terra da Barbie, há muitos tipos de bonecas que vivem felizes em suas casas de sonho, e a vida consiste em dançar, descansar e trocar de roupa. Em meio a muitas interações multiculturais da Barbie, há também a lista inclusiva, como a Barbie negra, uma que usa cadeira de rodas e outra que está acima do peso, além de muitas mulheres de carreiras bem-sucedidas, como cientistas, veterinárias, políticas, e assim por diante. A Barbie central, interpretada por Margot Robbie em um papel que aparentemente estava esperando por ela, é a “Barbie Estereotípica” — a versão básica brilhante da nossa infância, lindíssima, mas aparentemente sem cérebro. Quando essa Barbie começa a ter pensamentos mórbidos, como se estivesse infectada por dúvidas humanas, ela viaja para a sede da Mattel na Los Angeles contemporânea para investigar uma ruptura no tecido entre fantasia e realidade, acompanhada por seu namorado, Ken (Ryan Gosling), que não tem peso intelectual algum e está cansado de ser tratado como seu acessório.

O feminismo tolo começa a ser elevado quando Ken descobre que a sociedade real é dominada pelos homens e usa a lição para transformar a Terra da Barbie no Reino do Ken — um paraíso com cervejas e levantamento de peso. Em seu estado ideal, tudo existe para expandir e elevar a presença dos homens.

Bem, não vou dar muitos spoilers para aqueles que querem ver o filme. Sim, veja. Leve sua filha. E aqui entra o foco do meu artigo desta semana.

Cartaz do filme Barbie | Foto: Reprodução

A recente histeria de parte da direita no Brasil está enxergando apenas o lado ideológico de uma camada superficial e, por isso, deixando escapar uma boa oportunidade de trazer assuntos sérios para serem debatidos com os filhos em um campo lúdico. Pais estão cada dia mais delegando a criação de seus filhos às escolas e clubes. “O conteúdo na escola do meu filho é puramente ideológico!” Ora! A escola do seu filho não é a exceção hoje em dia. Você senta com seus filhos todos os dias para conversar sobre tudo? Tudo mesmo, não apenas o que você quer conversar? Amenidades, coisas sérias, algum filme, um livro, uma bobagem engraçada que você viu no Instagram… Qual é a conexão que você está criando com seus filhos para que eles sempre queiram conversar com você?

Vá, sim, ver o filme da Barbie e diga para sua filha que toda mulher já lutou contra as inseguranças de ser “boa o suficiente” em algum momento de sua vida. E que isso é normal. Que isso pode ser combustível para a excelência em qualquer caminho. Mostre que esse não é realmente o legado da feminilidade. Ser mulher é maravilhoso — algo para comemorar, e não reclamar. Reflita com sua filha o que Gloria, personagem da atriz America Ferrera, diz em tom de absoluta lamúria, quando, frustrada, reclama que a mulher “tem que ser magra, mas não muito magra”, “tem que ser chefe, mas não pode ser má”, “tem que amar ser mãe” e também “tem que ter uma carreira incrível”, que “nunca deve envelhecer, nunca ser rude, nunca se exibir, nunca ser egoísta, nunca cair, nunca falhar, nunca mostrar medo, nunca sair da linha”… Ufa, Gloria! E ela conclui: “É tão difícil! É muito contraditório e ninguém te dá uma medalha ou agradece! E acontece que, de fato, você não apenas está fazendo tudo errado, mas também tudo é sua culpa”.

Ao primeiro olhar, o discurso é basicamente pedir um troféu de participação para a tarefa de ser um ser humano. Enquanto algumas das expectativas que Gloria lamenta serem especificamente femininas — como ser magra ou bonita —, outras são simplesmente parte de ser humano — ou os homens não têm seus próprios discursos e suas inseguranças? Por que, atualmente, não podemos dizer aos nossos filhos: “Não, você não ganha uma medalha e aplausos por ser um adulto autodisciplinado”?

De acordo com a diretora do filme, Greta Gerwig, o discurso de Gloria supostamente teria levado todo o set às lágrimas, porque “o monólogo descreve os desafios que as mulheres enfrentam sob o patriarcado”. A diretora afirma que tem conhecido mulheres que estão exaustas com padrões impossíveis, envergonhadas por nunca estarem à altura de nada e totalmente desorientadas da realidade”. E quem armou essa arapuca estafante? As próprias mulheres, com essa balela de feminismo!

Cena do filme “Barbie” | Foto: Reprodução

Vejam vocês, a modernidade é mesmo estranha e pede que sejamos homens e mulheres ao mesmo tempo, sem referência a qualquer realidade que nos possa fundamentar ou orientar em decisões que são pertinentes ao sexo feminino e ao masculino. Sociedades que se tornam jogos de soma zero entre os sexos acabam sendo um perde-perde para todos, seja patriarcado, seja matriarcado. A cultura moderna exige que as mulheres sejam uma combinação impossível de coisas: poderosa, mas também não intimidadora; sexy, mas também séria; inteligente, mas não crítica; uma mãe carinhosa, mas também uma poderosa mulher de carreira. Em seguida, as pune por não viverem de acordo com o padrão moderno da atual bizarrice de 28 gêneros.

Somente compreendendo nosso modelo, programado para amar, raciocinar, criar, procriar e se sacrificar, na imagem ordenada de nosso Criador, podemos entender o que significa ser humano

É claro que, atualmente, as mulheres têm se sentido mais em conflito, desencorajadas e confusas pelas expectativas de uma sociedade que nem mesmo reconhece o que é uma mulher mais. O feminismo moderno apenas deu às mulheres mais maneiras de fracassar, porque não deu às mulheres nada REAL para fundamentar ou orientar sua feminilidade. Em vez disso, rebelou-se contra o que era percebido como construções sociais de masculinidade e feminilidade, insistindo que os sexos não eram apenas iguais, mas intercambiáveis, e rejeitando elementos fundamentais de nosso ser, como biologia básica. Ao fazer isso, a mentalidade pós-feminista zombou de homens masculinos e mulheres femininas. O feminismo produziu um castelo de areia para todas nós que nem cor-de-rosa é. Há muito sobre isso em Barbie.

Mas há algo essencialmente conservador no filme: o caminho para a reorientação. No final do filme, Barbie sai para passear com sua criadora, Ruth Handler, que explica qual é o propósito da boneca e ajuda Barbie a realizar seu desejo de viver no mundo real. A verdade tem o hábito de escapar às vezes, principalmente no atual mundo pós-moderno com revisionismos históricos — no entanto, é a única coisa que vence o tempo. Somente compreendendo nosso modelo, programado para amar, raciocinar, criar, procriar e se sacrificar, na imagem ordenada de nosso Criador, podemos entender o que significa ser humano.

Bonecas Barbie | Foto: Shutterstock

Os filmes não precisam ser divertidos, embora certamente ajudem quando são, mas o fato de que o rico material de origem que é o universo da Barbie foi transformado num filme ruim é uma decepção, mas há uma limonada desse limão. Claro que poderiam ter feito um filme divertido, que fizesse o público, jovem e velho, rir com piadas sobre joelhos e dedos que não dobram e pernas de plástico. Poderiam ter feito uma brincadeira deliciosa sobre as aventuras de uma boneca que inspira a imaginação há décadas, inclusive alimentou a minha infância — quem não caprichou um pouquinho mais na roupa ou queria estar sempre com o cabelo arrumado para “ficar bonita como a Barbie” que atire a primeira pedra. O filme em si é apenas um filme ruim, que pode servir como um bom caminho para boas conversas entre pais, mães e filhas. Não caiam na histeria de uma direita que vem se tornando chata e caricata.

Ryan Gosling e Margot Robbie, na estreia de Barbie, em Londres, Inglaterra | Foto: Fred Duval/Shutterstock

Aliás, a mesma direita que, racionalmente, defende o armamento legal e responsável, e prega que assistir a filmes violentos não faz ninguém com sólidas bases familiares e valores corretos intrínsecos sair matando as pessoas, agora grita nas redes sociais que o filme da Barbie, que paga alguns pedágios ideológicos, sim, vai transformar sua filha na mais nova ativista do movimento #MeToo.

Não aceite que nossos filhos sejam enrolados em plástico-bolha para uma proteção absoluta. Isso não existe, não cria filhos maduros para saber enfrentar desafios que serão apresentados a eles quando não estivermos por perto.

Se alguém acredita que o novo filme da Barbie vai mudar uma pessoa em duas horas, o problema está em casa, e não no cinema.

Ana Paula Henkel

(*) Pesquisadora associada do Instituto Ronald Reagan, é hoje arquiteta e analista política. Ex-atleta, atuou pela Seleção Brasileira de Voleibol e disputou quatro Olimpíadas. Foi medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de 1996, em Atlanta, Estados Unidos, pelo vôlei de quadra. É bicampeã mundial no vôlei de praia. Tornou-se um dos principais nomes femininos do pensamento liberal-conservador. Vive em Los Angeles, onde cursa Ciência Política pela Ucla.

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