“Temos de fazer nosso dever de casa”, diz Marina Silva

Foto: Divulgação

Após cinco dias de uma agenda intensa no Fórum Econômico Mundial, em Davos, nos Alpes suíço, a ministra do Meio Ambiente e Mudança no Clima, Marina Silva, avalia que o governo brasileiro ganhou o amplo apoio dos países do mundo democrático e que será possível fechar acordos bilaterais e multilaterais com base no desenvolvimento da economia sustentável.

Marina abriu conversas com autoridades governamentais e organizações internacionais, entre eles o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), e receberá, no início de fevereiro, no Brasil, a visita de John Kerry, representante do clima do governo dos Estados Unidos.

“Da mesma forma que tivemos a oportunidade no Egito [durante a COP27, em novembro de 2022] de mostrar que o Brasil volta em outro patamar para retomar as políticas [ambientais e as discussões de mudanças climáticas], aqui em Davos eu e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tivemos a chance de dizer que a economia e a ecologia vão trabalhar juntos nos interesses estratégicos do Brasil”.

Para a ministra, a credibilidade do presidente Luiz Inácio da Silva (PT) foi fundamental para o Fórum Econômico Mundial criar um espaço para o Brasil mostrar que está de volta de volta à cena política global. “O que levamos daqui é um senso muito grande de responsabilidade e que devemos fazer o nosso dever de casa”.

A seguir, os principais pontos da entrevista ao Valor:

Valor: John Kerry disse que vai ao Brasil no início de fevereiro. Qual será a agenda de discussões dele com o governo?

Marina Silva: Ele disse que vai logo no início do mês, no dia 2 e 3. Os Estados Unidos são um parceiro estratégico para o Brasil. Vamos buscar uma agenda de cooperação em bioeconomia, ciência, tecnologia e inovação e eles estão avaliando fazer um aporte no Fundo Amazônia. Também vamos discutir uma iniciativa que envolve floresta e clima. Então, será uma agenda que vai fazer cooperação entre Brasil e Estados Unidos de uma forma mais concreta, inclusive discutir infraestrutura para o desenvolvimento sustentável porque temos interesse na parceria tecnológica na questão da produção de hidrogênio verde.

Valor: A iniciativa de proteção de floresta e clima também está envolvendo outros países?

Marina: Tem uma iniciativa global de proteção de florestas que se desdobrou depois para a inclusão de outros países para ampliar o tema. No Egito [durante a COP27], o Brasil ainda estava sob a gestão do governo Jair Bolsonaro e não teve uma participação efetiva [nessa discussão]. Agora estamos nos apropriando do debate e poderemos aportar as nossas contribuições para decidirmos sobre a nossa participação. Tanto a Indonésia, como a República do Congo e o Brasil ainda não estão participando dessa iniciativa de implementação [Gana está entre os convidados]. Participei de uma reunião aqui na condição de observadora e o Brasil quer aportar uma contribuição robusta nessa iniciativa para que não seja um acordo genérico e para que a gente possa liderar um processo sobre proteção de florestas.

Valor: Como o Brasil está conduzindo essas conversas?

Marina: O Brasil está no processo de diálogo nessa iniciativa, mas há uma resistência por parte da Indonésia. O Congo também está avaliando. No caso do Brasil, estamos interessado em aprofundar nosso conhecimento e dar nossas contribuições. Estamos em conversas com Indonésia e Congo para saber que tipo de aporte nós vamos fazer.

Valor: Como foi a recepção do Brasil em Davos?

Marina: Com a mudança de governo, há uma solidariedade muito grande de vários países do mundo democrático, como Europa e EUA, que também foram solidários com o governo Lula no enfrentamento dessas tentativas autoritárias que estão acontecendo no Brasil e que já estavam em curso com Bolsonaro. A agenda é muito mais para sinalizar que, para além das manifestações políticas que foram dadas de imediato, do reconhecimento da vitória do presidente Lula e dos atos de 8 de janeiro.

Valor: O cientista Carlos Nobre disse nesta semana que o Fundo Amazônia tem potencial para captar US$ 10 bilhões. Como serão essas captações?

Marina: O Fundo Amazônia tem um grande potencial de captação e obviamente que o Brasil está buscando ampliar os doadores. Tanto de governos – hoje temos a Noruega e Alemanha – e muitos interessados em fazer aportes de recursos. Reino Unido também tem interesse. Para além dos países, a filantropia global está interessada em contribuir com o fundo. As fundações de Leonardo DiCaprio e de Jeff Bezos [Amazon] e outras estão se organizando para fazer esses aportes. Além disso, tive recentemente com o presidente do BID, Ilan Goldfajn, que também está interessado, mas não necessariamente em fazer aportes com recursos diretos.

Valor: Como seria isso?

Marina: O BID tem como ajudar com equipes técnicas e com recursos que não são retornáveis. Essas equipes podem cooperar na finalização de projetos com qualidade e celeridade para que a gente possa aproveitar o máximo a disposição dos nossos doadores. A Noruega e Alemanha consideram aumentar os recursos [para o Fundo Amazônia] e uma novidade é a mobilização agora da filantropia nacional. Há um grupo de instituições filantrópicas brasileiras que quer se somar aos esforços do governo de preservar e promover o desenvolvimento sustentável dos biomas brasileiros.

Valor: Quem fará parte?

Marina: É liderado por algumas pessoas, como Maria Alice Setubal e Beatriz Bracher, mas prefiro não falar genericamente porque não sou a porta-voz.

Valor: A senhora reforçou aqui nos painéis de Davos que esse governo será de transição. O que isso significa na prática?

Marina: Os desafios que temos de enfrentar em relação à questão climática, energética e na reindustrialização com bases sustentáveis da bioeconomia, inclui os avanços de diversas áreas, como educação, ciência, inovação e tecnologia, não é algo que se consiga fazer em quatro anos. O mundo todo está vivendo um desafio da transição para o novo modelo de desenvolvimento econômico e social. É uma mudança civilizatória. Portanto, é um governo de transição. E para um governo de transição é importante conciliar duas coisas: respostas de curto e médio prazo para o atendimento das necessidades emergentes da sociedade, mas também ter políticas estruturantes que leve o país a dar continuidade a essas políticas independente da alternância de poder que em uma democracia acontece. Quando o presidente Lula diz que ele vai investir numa transição de energia para baixo carbono, é preciso fazer todos os investimentos estratégicos durante o período em que ele vai estar no governo. Quando a gente diz que quer alcançar um novo modelo de desenvolvimento para Amazônia, combater desmatamento e tirar garimpo ilegal, é preciso pensar, sobretudo, em infraestrutura para o desenvolvimento sustentável, em processos para criar novas cadeias de valor, novos produtos e materiais, cadeias produtivas que podem ser criadas. Tudo isso é um processo de transição porque as coisas não são mágicas e não acontecem da noite para o dia.

Valor: O que será preciso fazer para acelerar esse processo?

Marina: O que precisamos fazer é utilizando dos meios que já dispomos, da tecnologia, do conhecimento, dos aportes das comunidades tradicionais, de uma base empresarial moderna que quer fazer essa transição, além das ações do governo. Aí entram incentivos econômicos para essa nova economia, instrumentos creditícios…

Valor: Qual é balanço que a senhora faz de Davos? O que leva de aprendizado para o Brasil?

Marina: É um caminho de mão dupla. É o que o Brasil trouxe de bom, de termos derrotado o negacionismo, o autoritarismo e uma visão de do governo anterior de desrespeito aos direitos humanos aos povos indígenas, que não se compromete com o Acordo de Paris, com o clima e proteção das florestas. Isso é que o Brasil traz de bom e que restabelece a confiança, seja de governos para fazer parcerias, de empresas, da comunidade científica em relação ao Brasil. E que o Brasil leva de bom é uma grande quantidade de possibilidades de parcerias e de investimentos, não só em termo de governo, mas também para iniciativa privada e para as comunidades. O professor Carlos Nobre será estratégico para dar suporte, inclusive na formulação de políticas públicas, porque elas não podem ser inventadas da nossa própria cabeça.

Valor: Junto com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a senhora passou a mensagem que o Brasil é outro agora…

Marina: Do mesmo jeito que tivemos a oportunidade lá no Egito de mostrar que o Brasil volta em outro patamar para retomar essas políticas, aqui temos essa oportunidade, e minha presença e a do Fernando são uma demonstração da transversalidade. É economia e ecologia trabalhando junto para os interesses estratégicos do Brasil. E o que levamos daqui é um senso muito grande de responsabilidade. Se de um lado a credibilidade do presidente Lula abriu espaço especial para o Brasil mostrar em Davos que está de volta à cena política global, nós temos de fazer nosso dever de casa. Eu me sinto muito honrada pelo governo brasileiro ter sido recepcionado dessa forma e isso significa que teremos de resolver o problema do desmatamento, do garimpo ilegal, que teremos de fazer com que nossas cadeias produtivas da agricultura possam transitar para a base sustentáveis para não prejudicarmos os nossos interesses em um setor importante e estratégico para nós. Levo um grande senso de responsabilidade em como essa transversalidade que vai ajudar a dar respostas do ponto de vista econômico e social e ambiental.

Valor: Como a senhora tem conduzido até o momento das conversas com a União Europeia?

Marina: Nos diálogos, as pessoas costumam perguntar como podem proteger nossas florestas, nossa biodiversidade e eu digo que podem ajudar de muitas formas, inclusive abrindo os mercados para os produtos brasileiros que são produzidos em conformidade com os requerimentos vindos do desenvolvimento sustentável, dos objetivos que estão traçados para os critérios de sustentabilidade, sobretudo em relação à questão de emissão de CO2. É preciso entender também que é uma transição, e que nós queremos chegar ao desmatamento zero, Mas no Brasil a legislação permite o uso de 20% das propriedades. Então, aquilo que foi produzido em conformidade com a lei não pode ser considerado como se fosse um produto ilegal. Nós vamos trabalhar para um convencimento de que não se precise mais destruir florestas porque já estamos chegando a um ponto de não retorno.

Valor: Que está de 19% a 20%?

Marina: Exatamente. O que já vinha sendo produzido nas áreas que foram abertas em conformidade com a lei não pode ser considerado uma atividade que estariam dentro desses impedimentos. O que nós vamos fazer daqui para frente com a ideia do desmatamento zero é combater toda a criminalidade. O ilegal não pode existir e convencer as pessoas de outras alternativas, que é a bioeconomia e de outras atividades, como, por exemplo, produtos não madeireiros, inclusive a parte de reflorestamento e recuperação de área e créditos de carbono.

Fonte: Valor Econômico

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