Somos todos feitos de estrelas: a longa viagem do Big Bang ao corpo humano

Livro recém-lançado nos EUA mostra a história dos átomos no corpo humano desde o Big Bang

Nossos corpos contêm 60 ou mais elementos, incluindo a torrente de hidrogênio desencadeada após o Big Bang - Foto: NASA, ESA, CSA, STScI, JPL-Caltech

Nos seus primeiros anos violentos, a Terra era uma paisagem parecida com um inferno, cheia de material em ebulição. Ela ejetou a Lua depois de sofrer uma colisão explosiva com outro protoplaneta, de acordo com o que os cientistas suspeitam agora. Mais tarde, a Terra deixou de ser uma extensão aquática para se transformar numa bola de neve gigante que quase eliminou toda a vida existente.

Em seguida, hiperfuracões com ondas que atingiam até 90 metros de altura agitavam o oceano recém-descongelado. Mas isso não é nada comparado com a turbulência celestial e explosões parecidas com fogos de artifício nos nove bilhões de anos antes do nascimento do nosso planeta.

O próximo livro do documentarista de ciência e história norte-americano Dan Levitt, intitulado “What’s Got In You: The Story of Your Body’s Atoms, From the Big Bang Through Last Night’s Dinner” (ainda sem edição no Brasil, mas que pode ser traduzido como “O que há em você: A história dos átomos do seu corpo, do Big Bang até o jantar de ontem”), evoca uma série de imagens impressionantes e muitas vezes fortes para rastrear como nossas células, elementos, átomos e partículas subatômicas encontraram seu caminho até nossos cérebros, ossos e corpos. O livro foi lançado no dia 24 de janeiro nos Estados Unidos.

“Agora sabemos que a origem do universo, a criação de elementos em estrelas, a criação do sistema solar e da Terra e a história inicial do nosso planeta foi incrivelmente tumultuada”, contou Levitt.

As explosões, colisões e temperaturas quase incompreensíveis, no entanto, foram essenciais para o surgimento e a manutenção da vida. Uma perturbação na órbita de Júpiter, por exemplo, pode ter enviado uma chuva de asteroides para a Terra, semeando água no planeta nesse processo. Já o ferro fundido que forma o núcleo da Terra criou um campo magnético que nos protege dos raios cósmicos.

“Muitas coisas poderiam ter sido diferentes e, se assim fossem, não estaríamos aqui”, resumiu o escritor.

Reconstruir a jornada épica passo a passo de nossos átomos ao longo de bilhões de anos deixou um sentimento de admiração e gratidão em Levitt.

“Às vezes, quando olho para as pessoas, penso: ‘Uau, vocês são organismos tão incríveis e nossos átomos compartilham a mesma história profunda que remonta ao Big Bang’”, contou. Ele espera que os leitores reconheçam “que até mesmo a célula mais simples é incrivelmente complexa e digna de grande respeito. E todas as pessoas também são”.

Um mistério estelar

Nossos corpos contêm 60 ou mais elementos, incluindo a torrente de hidrogênio desencadeada após o Big Bang e o cálcio forjado em estrelas moribundas conhecidas como gigantes vermelhas. Depois de Levitt reunir as evidências de como essas e as moléculas orgânicas mais complexas fizeram o seu caminho até chegarem a nós, ele decidiu usar a história tumultuada do próprio processo científico para montar seu livro.

Inicialmente, o autor norte-americano não iria fazer um paralelo entre a turbulência no universo e as convulsões no mundo científico, mas a ideia acabou se fortalecendo durante a pesquisa. “Muitas certezas científicas foram derrubadas desde que nossas bisavós estavam vivos”, disse. “Isso é parte da diversão do livro.”

Depois de Levitt terminar seu primeiro rascunho, ele percebeu, para sua surpresa, que parte da controvérsia científica existiu por causa de vários preconceitos recorrentes. “Eu queria entrar na mente dos cientistas que fizeram grandes descobertas para enxergar seus avanços como eles fizeram à época e entender como foram recebidos naqueles tempos”, explicou. “Fiquei surpreso ao ver que, em quase todas as ocasiões, a reação inicial às teorias inovadoras foi de ceticismo e demissão”.

Ao longo do livro, ele apontou seis armadilhas mentais recorrentes que cegaram até mentes brilhantes, como a visão de que é “muito estranho para ser verdade” ou que “se nossas ferramentas atuais não detectaram, então não existe”.

Albert Einstein inicialmente odiou a estranha ideia de um universo em expansão, por exemplo, e teve de ser persuadido ao longo do tempo por Georges Lemaître, um cosmologista e padre belga pouco conhecido mas persistente.

Stanley Miller, o “pai da química prebiótica” que simulou engenhosamente condições da Terra primitiva em frascos de vidro, era um oponente feroz da hipótese de que a vida poderia ter evoluído no oceano profundo, alimentada por enzimas ricas em minerais e respiradouros superaquecidos. E assim por diante.

“A história da ciência está repleta de grandes declarações de certezas que logo seriam derrubadas”, escreve Levitt em seu livro. Felizmente para nós, a história da ciência também está cheia de radicais e pensadores livres que se adoravam buscar falhas nas teorias já estabelecidas.

Destruição construtiva

Levitt descreveu vários saltos em descobertas surgiram por causa de cientistas que nunca receberam o devido crédito por suas contribuições. “Os heróis desconhecidos com histórias dramáticas dos quais as pessoas nunca ouviram falar me atraíram. Fiquei muito feliz por muitas das histórias mais emocionantes do livro terem sido sobre pessoas que eu não conhecia”.

São cientistas como a pesquisadora austríaca Marietta Blau, que ajudou os físicos a ver alguns dos primeiros sinais de partículas subatômicas; o médico e filósofo holandês Jan Ingenhousz, que descobriu que as folhas iluminadas pelo sol podem criar oxigênio através da fotossíntese; e a química Rosalind Franklin, que foi instrumental na elaboração da estrutura tridimensional do DNA.

A faísca de uma nova ideia muitas vezes atingiu pessoas diferentes de forma independente em partes díspares do mundo. Para sua surpresa, Levitt descobriu que vários cientistas trabalharam com cenários plausíveis para entender como os blocos de construção da vida começaram a ser montados.

“Nosso universo está inundado de moléculas orgânicas, muitas delas são precursoras das moléculas das quais somos feitos”, disse. “Então meu pensamento se alterna entre pensar que é muito improvável que criaturas como nós existam, e ao mesmo tempo achar que a vida deve existir em muitos lugares do universo.”

No entanto, nada na nossa própria jornada desde o Big Bang foi simples.

“Ao tentar imaginar como a vida evoluiu a partir das primeiras moléculas orgânicas, vemos que foi um processo irregular, cheio de caminhos tortos e falhas”, afirmou. “A maioria dos caminhos não chegou a lugar nenhum. Mas a evolução tem uma forma de criar vencedores a partir de inúmeras experiências ao longo de períodos extensos.”

A natureza também consegue reciclar os blocos de construção para criar uma nova vida. Um físico nuclear chamado Paul Aebersold descobriu que “trocamos metade de nossos átomos de carbono a cada um a dois meses, e substituímos 98% de todos os nossos átomos todos os anos”, escreveu Levitt.

Como uma casa em constante renovação, estamos sempre mudando e substituindo peças antigas por novas: nossa água, proteínas e até células, já que a maioria delas aparentemente substituímos a cada década.

No fim, nossas próprias células ficarão quietas, mas suas partes se reagruparão em outras formas de vida. “Embora possamos morrer, nossos átomos não morrem”, escreveu. “Eles seguem pela vida, no solo, oceanos e céu em um carrossel químico.”

Assim como a morte das estrelas, em outras palavras, nossa própria destruição abre outro mundo notável de possibilidades.

Por Bryn Nelson, da CNN

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