“Reclamamos do calor, mas derrubamos árvores”, lembram ambientalistas

Eles também criticam a política faz de conta e citam pontos que precisam ser melhorados para o bem da população e do meio ambiente

Foto: Clóvis Miranda/Secom

Na celebração dos 353 anos da capital do Amazonas, nesta segunda-feira (24), achar caminhos para Manaus e o futuro ainda são desafios aos manauaras.

Principalmente quando é analisado o quanto a cidade poderia ser mais arborizada e com qualidade ambiental indiscutível.

Geograficamente, Manaus ocupa lugar privilegiado na região.

Mas, na prática, o que se vê é que a aniversariante do dia depende de esforços além para conseguir atingir níveis de excelência, quando o assunto é não impactar a natureza ou dar melhor qualidade de vida a quem vive na maior cidade do Amazonas.

Não é de hoje que assuntos como o crescimento desordenado de Manaus, o descarte inadequado de resíduos sólidos, a falta de arborização, o desmatamento e a necessidade de políticas públicas na capital amazonense figuram como grandes desafios no coração da região.

Ambientalistas entrevistados pontuaram atitudes necessárias para Manaus avançar em tarefas que a cada aniversário, ou discussão, ficam apenas no discurso.

Responsabilidades confusas para Manaus e o futuro

Para a Mestre em Ciêcias Florestais, Érica Laura, de 55 anos, nos 23 anos em que trabalha na área, a quase falta de profissionais qualificados na Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semas) é um dos pontos cruciais que precisam ser melhorados em Manaus.

Erika Laura, mestre em ciências florestais – Foto: Arquivo pessoal cedido ao Portal Norte
“Um ambientalista morando em Manaus fica bem chateado ao observar a pauta ambiental da cidade. Primeiro que a Secretaria de Municipal Meio Ambiente é um órgão sem infraestrutura e profissionais da área de meio ambiente. Biólogos e engenheiros florestais podem ser contados nos dedos. Segundo que o arcabouço jurídico dessa secretaria exclui totalmente a fauna de suas responsabilidades. Isso mesmo! Por isso não possui veterinários concursados e nem faz resgate de animais silvestres. No máximo, trata de caramujos africanos que é um assunto que deveria ser tratado pelo Centro de Zoonoses por ser uma praga. É muito estranho isso”, diz Érica Laura, ambientalista

Para Érica, a falta de orçamento para o meio ambiente também é outro detalhe que prejudica a pasta na capital.

“Outro agravante que reflete tudo isso é que o orçamento da Secretaria de Meio Ambiente é quase inexistente. Se não me engano, é menos de 1% do orçamento Municipal. Uma vergonha”, comentou.

Sauim-de-Coleira em árvore na cidade de Manaus – Foto: Ricardo Oliveira/Semcom

Érica cita ainda que nos últimos 8 anos não foram criados em Manaus nenhum parque ou reserva florestal. O que agrava muito a falta de conversão ambiental, além da falta de proteção de animais ameaçados em extinção.

“Na última gestão da prefeitura, foram criadas apenas áreas de proteção ambiental no papel. Nenhum parque ou reserva florestal foi criado na cidade nestes últimos anos. Na minha opinião, a cidade está precisando urgente destes espaços verdes para reduzir o calor e as enchentes urbanas. O nosso representante da fauna e símbolo da cidade, o Sauim de Coleira, primata criticamente ameaçado de extinção, que o diga. Este animalzinho é utilizado em todo tipo de marketing e material gráfico, mas não é efetivamente protegido como deveria. Os grandes fragmentos florestais como: Reserva Florestal Adolpho Ducke, Floresta do Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS) e Reserva Florestal da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), estão sendo lentamente degradados pelas bordas por causa das invasões sem controle”, finalizou.

Sem Resposta da Semmas

O Portal Norte entrou em contato com a Semmas para questionar sobre orçamento do órgão, especialidade de profissionais que atuam na secretaria e estratégias ambientais apontadas por Érica. O órgão informou que não vai se pronunciar sobre o assunto.

Regredindo

Para a Dra. Muriel Saragoussi, socioambientalista, Manaus está regredindo em relação ao meio ambiente. A capital amazonense está desmatando e não preserva a floresta dentro e ao seu redor.

Dra Muriel Saragoussi, socioambientalista – Foto: Arquivo pessoal cedido ao Portal Norte
“Quando a gente pensa na cidade de Manaus, às vezes ficamos assustados de verificar o quanto a cidade está dando as costas para o seu lado florestal, enquanto muito lugares do mundo abraçam e buscam criar florestas e parques nas suas cidades. Manaus está ao contrário, desmatamento cada vez mais. Nós temos em Manaus uma série de fragmentos florestais que abrigam, inclusive, uma espécie de macaco que só existe na região da capital amazonense, o nosso Sauim-de-coleira”, lembrou.

A falta de comprometimento do poder público e da sociedade agrava a falta de ambientes verdes na capital e na morte da fauna e flora.

“O que nós temos visto é que a secretaria que cuida de liberar a construção em terrenos particulares e públicos não observa se esse fragmento, que vai ser desmatado, tem ou não esses animais. Nós deveríamos ter aqui um complexo de parques. Os nosso igarapés deveriam ser margeados por árvores que ajudem a sustentar os pássaros e os pequenos animais”, disse.

Dia D contra resíduos sólidos no igarapé do Mindu em 2018 – Foto: Nathalie Brasil/Semcom

Outro ponto visto por Muriel é o fato de Manaus ser uma capital quente e, mesmo assim, não há arborização para amenizar o calor.

“Quando estamos em um lugar mais arborizado, a temperatura fica até 4 graus mais baixa. Vivemos reclamando do calor, mas derrubamos as árvores. Manaus precisa abraçar o seu lado florestal e a aprender isso. Integrar a cidade e a floresta para que essa vida seja melhor a cada dia”, comentou.

A falta de incentivo para a agricultura urbana também agrava para a falta de produção de alimentos que poderiam ser barateados na capital.

“Nós precisamos pensar um pouco sobre a agricultura urbana, precisamos valorizar a produção de alimentos dentro da cidade. Até pouco tempo, nós tínhamos produção de hortaliças aqui na Colônia Japonesa dentro de Manaus. Nós podemos voltar a ter esse tipo de coisa, nós podemos ter captação da água da chuva e energia solar, não somente nas casa dos ricos, mas também nas moradias populares”, afirmou.

As críticas relatadas passam por ações e responsabilidades confusas dentro de órgãos do setor, qualificação de profissionais e a vontade dos governos em fazer diferente e avançar.

Baixo índice de tratamento de esgoto

Para Rita Taniguchi, gestora ambiental, o descarte inadequado dos resíduos sólidos, baixo índice de tratamento de esgoto e pouca arborização são os principais problemas que impactam o meio ambiente e a saúde da população em Manaus.

Rita Taniguchi, Gestora Ambiental – Foto: Arquivo pessoal cedido ao Portal Norte
“Manaus apresenta sérios problemas ambientais que se arrastam ao longo do tempo sem receber a devida atenção. Posso citar pelo menos três que considero grave e que impactam diretamente o meio ambiente e a qualidade de vida da população: o descarte inadequado de resíduos sólidos, o baixo índice de tratamento de esgoto e a pouca arborização na cidade. Esses problemas são consequências do crescimento urbano desordenado e pela falta de políticas públicas para enfrentarmos os mesmos”, relatou.
Estação de tratamento de esgoto Timbiras, em Manaus – Foto: Marcio James/Semcom

A implantação da lei nº 12.305/10, que abrange a Política Nacional de Resíduos Sólidos, é um ponto que para a gestora ambiental pode ajudar na solução dos problemas.

“Sobre a questão dos resíduos sólidos é urgente que seja implementada a Política Nacional de Resíduos Sólidos, colocando em prática o Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos PMGIRS. Presenciamos ano após ano a chamada limpeza dos igarapés, que retira toneladas de resíduos e consume alto recurso financeiro dos cofres da prefeitura, mas que traz poucos resultados. É o que popularmente chamamos de enxugar gelo”, discorreu.

Para solucionar esses problemas, Rita Taniguchi pontua que investimentos em educação ambiental e na coleta seletiva ajudam a tornar a cidade mais verde.

“É preciso trabalhar na base, investindo em educação ambiental e na coleta seletiva, fortalecendo as associações de catadores e apoiando novas iniciativas nas comunidades. Manaus tem coleta de resíduos diariamente, mesmo assim é uma cidade suja, com resíduos descartados por todos os bairros, jogados sem nenhum cuidado. Tenho percebido uma quantidade enorme de pneus inservíveis ‘ornamentando’ margens de igarapés, praças e ruas e outros jogados ou acumulados em terrenos baldios, resíduos que tem lógica reversa”, finalizou.

Parceria sociedade e poder público

Para o ambientalista Carlos César Durigan, Manaus cresceu muito rapidamente e de forma desordenada nas últimas décadas, o que gerou um cenário urbano extremamente caótico e com sérios problemas ambientais e sanitários que afeta negmativamente a qualidade de vida.

Ambientalista Carlos César Durigan – Foto: Arquivo pessoal cedido ao Portal Norte
“Por ser o coração do Estado e núcleo da Região Metropolitana que tem seu nome, Manaus acaba também exportando esta situação para outras cidades. Precisamos agora mais do que nunca gerar um movimento de ordenamento socioambiental do espaço urbano de Manaus que basicamente se constituiria em aplicar seu Plano Diretor, que deveria estar direcionando a ocupação de seu território”, comentou.

O saneamento básica da capital é outro ponto criticado pelo ambientalista.

“Precisamos sanear a cidade, estabelecendo um sistema de coleta e tratamento de esgotos assim como implementar o Plano Nacional de resíduos sólidos com foco a reduzir a produção de resíduos e ao mesmo tempo dar melhor destinação aos mesmos”, relata.

Trânsito de carros na avenida Governador José Lindoso, conhecida como avenida das Torres, no sentido Centro-Bairro, no bairro Parque Dez de Novembro na Zona Centro Manaus – Foto: Sidney Mendonça/IMMU

Carlos também propõe a proteção dos espaços verdes, a restauração das áreas públicas e a redução do volume dos veículos.

Para ele, essa última ação poderia ajudar a diminuir a poluição atmosférica.

“Precisamos proteger nossos espaços verdes e florestados e restaurar áreas públicas que foram degradadas. Além de melhorar a mobilidade urbana com a instalação de um sistema de transporte coletivo de qualidade que possa oferecer alternativa à sociedade manauara e assim reduzir o volume de veículos que circulam na cidade e que promovem grande poluição atmosférica”, explica.

Sobre poluição, descarte de lixo e o desmatamento, Durigan enfatiza que os avanços só ocorrerão com a parceria entre sociedade e poder público.

“É um grande desafio, mas que precisa ser iniciado de forma responsável unindo gestão pública e sociedade na construção de um futuro mais sustentável pra todos nós. Manaus é uma cidade privilegiada, estando no coração da Amazônia e possuindo tanto no seu entorno quanto no seu espaço urbano, amostras significativas de florestas nativas. Infelizmente estas áreas têm sido desmatadas e mesmo espaços protegidos, como áreas de proteção permanente ao longo de rios e igarapés, parques e reservas, sofrem com a degradação”, observou.

Para executar as propostas, Carlos destaca a necessidade e gestão firme nesse aspecto.

“Precisamos ter uma gestão mais firme e protetiva destes espaços que constantemente são invadidos e também precisamos restaurar boa parte deles que foram desmatados ilegalmente e sofrem com a poluição e descarte de lixo”, conclui.

Fonte: https://portalnorte.com.br/noticias-353-manaus-e-o-futuro-ambientalistas/

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