Por que o peronismo ganhou o primeiro turno mesmo com Argentina vivendo caos econômico

A campanha do terror foi mais eficaz para ganhar votos do que a hiperinflação, desvalorização do peso e recessão econômica na Argentina

O ministro da Economia da Argentina e candidato governista, Sergio Massa

O candidato governista para a Presidência da República argentina, Sergio Massa, tinha tudo para chegar em último lugar nas eleições do último domingo, 22. Chegou em primeiro. E por pouco não ganhou no primeiro turno.

O atual ministro da Economia é o responsável direto da situação calamitosa vivenciada pelo país vizinho Com hiperinflação, desvalorização maciça do peso frente ao dólar e recessão. A economia argentina está em frangalhos. Mesmo assim, Massa obteve mais de 36% dos votos.

Os candidatos da oposição quase foram derrotados no primeiro turno. O líder do La Liberdad Avanza, Javier Milei, chegou em segundo lugar com 30% dos votos. A líder da oposição de centro-direita, Patricia Bullrich, ficou em terceiro lugar, com 23%.

Na base das regras eleitorais, é eleito no primeiro turno o candidato que obtém pelo menos 40% dos votos e mais de 10% do segundo colocado. Massa chegou muito próximo disso.

Um resultado surpreendente, considerando que nas eleições primárias (PASO), realizadas em agosto, Massa tinha ficado em terceiro lugar, com 27,27% dos votos.

Mas como foi possível que um Ministro da Economia de um país com uma inflação de 180% ao ano, um câmbio com o dólar que supera os 1.000 pesos, uma queda do Produto Interno Bruto (PIB) de 3%, mais de 40% da população abaixo da linha de pobreza, início de desabastecimento, um país superendividados interna e externamente e reservas internacionais líquidas negativas consegue tornar-se o vencedor das eleições?

Campanha do terror garantiu triunfo eleitoral

Uma das estratégias mais bem sucedidas para obter esse resultado nas urnas foi a “campanha do terror”, que foi intensificada nos últimos dias antes do pleito.

Os marqueteiros da coalizão Unión por la Patria, entre os quais vários brasileiros enviados pelo governo Lula, conseguiram plantar entre os argentinos a ideia que uma vitória das oposições significaria um corte de benesses socias.

Algo intolerável para uma sociedade extremamente dependente de subsídios públicos. Em um país onde 18,7 milhões de pessoas, sobre um total de 45 milhões de habitantes, recebem algum tipo de recurso estatal, entre beneficiários de planos sociais, pensionistas, aposentados, inábeis ao trabalho, entre outros.

Além disso, há quase 4 milhões de argentinos que são funcionários públicos, quase 10% da população. Contra 6,2 milhões de pessoas empregadas no setor privado.

A campanha do terror foi tocada de forma capilar. Nas telas dos trens começaram a aparecer propagandas que mostravam as tarifas disparando, de 56 pesos para 1.100 pesos em caso de vitória da oposição.

As Aerolíneas Argentinas produziram um vídeo mostrando como os outros candidatos iriam “fechar a companhia aérea de bandeira”.

Em cada canto do setor público a máquina da comunicação peronista funcionou perfeitamente. Conquistando votos para Massa.

Pouco importa se as contas públicas estão registrando um déficit fiscal de 3,1% do PIB. E que as empresas públicas registram um prejuízo de US$ 14 milhões por dia. O medo e o desespero falaram mais alto.

Além disso, os ataques contra os candidatos da oposição chegaram em níveis quase difamatórios.

No caso de Milei, nos últimos dias antes da eleição foi divulgado um vídeo em que o candidato liberal era comparado ao ex-presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, antecipando que, caso fosse eleito, a Argentina teria um futuro desastroso.

Populismo direto na veia da sociedade

Após a derrota sofrida nas prévias, Massa lançou um pacote de bondade no melhor estilo populista argentino. Com um custo de 1,5% do PIB.

O chamado “Plan Platita” previu uma série de benesses como a restituição de 21% das compras em supermercados, independentemente de se tratar de alimento da cesta básica, eletrodoméstico ou produto de luxo.

Adiou o aumento das tarifas de energia e transporte, decretou um bônus de 20 mil pesos para os desempregados e outro de 94 mil pesos para os trabalhadores informais.

Criou novos benefícios fiscais para os trabalhadores autônomos.

Aumentou as aposentadorias e garantiu novos benefícios para os trabalhadores do setor privado.

Aumentou as despesas para a chamada Carteira de Trabalho Alimentar e Capacitar, e criou um novo programa Pré-viagem, que devolve 50% do valor da viagem em qualquer destino na Argentina, que pretende converter em política de Estado.

Os beneficiários dos programas de compra sem impostos são cerca de 7 milhões de argentinos.

Outros 2,5 milhões são os beneficiários do Benefício universal por filho. Mais 2,7 milhões de pessoas são trabalhadores com baixa carga tributária (monotributistas).

Outros 440 mil trabalhadores fazem parte do Regime de Pessoal Domiciliar Privado.

Como se não bastasse, foram anunciadas diferentes linhas de crédito a taxas subsidiadas para aposentados, autônomos e trabalhadores. Um redução da carga tributária para autônomos.

Congelamento de preços e de prestações de compra a partir de outubro por 90 dias.

E pouco importa se tudo isso caíra como uma bomba nas contas públicas argentinas. “O dia seguinte será o dia seguinte. Agora basta que a missão tenha sido mais que cumprida”, foi a comemoração no QG do União por la Patria após a divulgação dos resultados.

Mais populismo à vista

Prevendo que a batalha final aconteceria no segundo turno, em novembro, os estrategistas de Massa entenderam que seria fundamental seduzir parte do eleitorado do Juntos por el Cambio.

Por isso, aumentaram ainda mais a isenção do Imposto de Renda. Com essa medida, na Argentina apenas 91 mil pessoas pagarão o Imposto de Renda. Número irrisório em uma população total tão grande.

Entretanto, essa decisão garantiu um alívio diretamente no bolso do segmento dos trabalhadores e da (pouca) classe média que ainda sobrevive na Argentina.

Por outro lado, a impressão de dinheiro, uma das causas da hiperinflação na Argentina, não para.

Em 2023, a expansão da base monetária na Argentina chegará em 6% do PIB. Um número apenas comparável ao de 2020, ano da pandemia, quando chegou em 7,5% do PIB.

O Governo comprometeu-se com o Fundo Monetário Internacional (FMI) a alcançar um déficit de 1,9% do PIB este ano. Mas vai quase dobrar essa porcentagem.

Os analistas estão aguardando outros planos populistas nas próximas semanas. Mas há cada vez menos dúvidas de que na Argentina está prestes a quebrar mais uma vez.

Fonte: https://revistaoeste.com/mundo/peronismo-ganhou-argentina-caos-economico/

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