Planeta Terra cada vez mais perde sua biodiversidade

Floresta Amazônica - Foto: Divulgação

Com 75% das terras e 66% dos oceanos afetados pela atividade humana de uma forma sem precedentes, o mundo precisa de um acordo robusto para não só frear, mas reverter a acelerada perda da biodiversidade, que já custa à economia global 10% de sua produção anual, segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).

O palco para esse objetivo será a COP15, a conferência da ONU para a biodiversidade que será realizada no segundo semestre, ainda sem data definida, em Kunming, na China.

Nela, 196 países-membros da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) vão buscar concluir a negociação de 21 metas do novo Marco Global para a Biodiversidade que deverão ser cumpridas até 2030, estabelecer parâmetros para a repartição dos benefícios oriundos do uso das espécies, eliminar subsídios danosos à natureza e adotar uma abordagem regenerativa dos ecossistemas – o chamado ‘nature positive’, ou seja, que haja mais vida selvagem ao final da década do que em 2020.

Tal como nas conferências da ONU sobre clima, a ideia é ter um plano de ação claro para os próximos anos. As 21 metas a serem perseguidas incluem a conservação de pelo menos 30% das áreas terrestres e dos mares, a restauração de pelo menos 20% dos ecossistemas de água doce, marinhos e terrestres que hoje estão degradados; a redução no lançamento de poluentes como plásticos e pesticidas no meio ambiente, além de conciliar os esforços de mitigação das emissões de gases de efeito-estufa com as soluções baseadas na natureza.

Considerado influente nas conferências sobre biodiversidade, o Brasil chega à COP15 com um status diferente, após ter ratificado, em março de 2021, o Protocolo de Nagoya, acordo internacional que regulamenta o acesso a recursos genéticos e repartição de benefícios oriundos do uso da biodiversidade. Na prática, o país passa de observador a membro das esferas deliberativas da CDB, com poder de voto.

Como o Brasil é considerado o país com maior biodiversidade do mundo, o alcance de regras globais de acesso e repartição de benefícios deve favorecer pesquisas e novos negócios. “As consequências de ter ratificado Nagoya são boas para o Brasil, pois um cenário de maior segurança jurídica traria investimentos, prospecção de negócios e tecnologias”, diz Henrique Luz, coordenador técnico e líder da Câmara Temática de Biodiversidade do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds). Além disso, o país foi pioneiro em definir um marco legal para o acesso aos recursos da biodiversidade por meio da ei 13.123/2015. Antes, o tema era regulado pela Medida Provisória 2.186, de 2001.

Ao Brasil interessa também um acordo ambicioso em relação às 21 metas do Marco Global para a Biodiversidade, já que a economia nacional é altamente dependente dos serviços ecossistêmicos e o país enfrenta o desafio de reverter o desmatamento dos seus biomas – a Amazônia perdeu 1.012,5 km² de florestas em abril, segundo os alertas do sistema Desmatamento em Tempo Real (Deter) operado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), um recorde para a série histórica e um aumento de 74,6% em comparação a abril de 2021.

A COP15 buscará também mecanismos de financiamento para projetos que regenerem os ecossistemas: na última reunião preparatória do novo marco global, em março, o Brasil propôs a criação de um novo fundo mundial para a conservação da biodiversidade, abraçado por 63 países.

O pleito é que os países em desenvolvimento recebam do bloco dos desenvolvidos um montante de US$ 100 bilhões/ano, que pode chegar a US$ 700 bilhões até 2030. Em outubro do ano passado, em uma das reuniões preparatórias da conferência, a China anunciou a destinação de cerca de US$ 230 milhões para a conservação da biodiversidade.

O setor empresarial busca influenciar a diplomacia para adotar compromissos ambiciosos em relação ao tema. Um dos pleitos, lançado em março, foi de um corte bilionário nos subsídios a atividades e projetos causadores de grande impacto sobre os ecossistemas. A proposta em discussão, prevista na meta 18, prevê reduzir em US$ 500 bilhões/ano esses subsídios, mas uma coalizão global de empresas e ONGs prevê que é possível ir além.

Segundo a Business for Nature, que reúne entidades como o Fórum Econômico Mundial, o WWF e a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) e no Brasil é representado pelo Cebds, o mundo gasta 2% do PIB, cerca de US$ 1,8 trilhão por ano, em subsídios que prejudicam a biodiversidade – boa parte em subsídios agrícolas ou nas cadeias de combustíveis fósseis. Para Luz, do Cebds, essa discussão deve ganhar força na COP15. “As empresas têm interesse na revisão desses subsídios, mas é igualmente importante que esse corte seja feito de modo a não gerar um impacto social desfavorável”, diz.

Mais até do que atrair recursos de cooperação internacional, o Brasil precisa aproveitar sua vocação de país biodiverso para investir em inovação com base no uso sustentável dos recursos. A chamada bioeconomia avançada, baseada na conversão de recursos biológicos e renováveis em produtos e modelos de negócios, pode trazer incremento de até 30% do PIB (US$ 392 bilhões), até 2050, com redução de 67% das emissões de gases de efeito-estufa em relação aos níveis de 2010.

A cifra viria de tecnologias de baixo carbono que fazem parte da bioeconomia, como negócios gerados a partir da recuperação de 16 milhões de hectares de áreas degradadas, da transição para biocombustíveis de segunda geração e da fabricação de produtos de alto valor agregado baseados em plantas – como proteínas vegetais e bioquímicos, aponta estudo da Associação Brasileira de Bioinovação (ABBI). “Podemos nos preparar para um futuro de crescimento econômico ancorado em bioprodutos, área para a qual o Brasil tem forte vocação, e também frear o processo de desindustrialização do Brasil que vem se agravando desde a década de 1980”, diz Thiago Falda, presidente executivo da ABBI.

As experiências brasileiras nos projetos de reflorestamento também podem ganhar musculatura e virar negócios rentáveis, ao mesmo tempo em que beneficiam a vida selvagem e revertem a ameaça de extinção de espécies. No Pontal do Paranapanema, extremo oeste de São Paulo, uma iniciativa de recomposição da Mata Atlântica uniu ONGs, grandes proprietários de terra e assentados da reforma agrária oriundos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Em 20 anos, permitiu a recuperação de 1.200 hectares de mata nativa e o plantio de 2,4 milhões de árvores. O projeto, viabilizado pelo Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), que atua há 30 anos na área, ajudou a proteger da extinção o mico-leão-preto, espécie endêmica da região, e também possibilitou que assentados tivessem no reflorestamento uma atividade econômica complementar, com a produção de 800 mil mudas por ano em 12 viveiros comunitários, e com a implantação de sistemas agroflorestais.

“Esse projeto permitiu a formação do maior corredor já reflorestado no Brasil, que liga duas grandes unidades de conservação da Mata Atlântica no interior de São Paulo, com potencial para se estender até o corredor trinacional, na fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai”, diz Laury Cullen Júnior, pesquisador do IPÊ e coordenador do projeto. Segundo ele, cada 1.000 hectares restaurados geram 200 empregos diretos.

Fonte: Valor Econômico

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