O preço da democracia

Na sua eleição de estreia, em 2018, o fundo eleitoral teve uma dotação de R$ 1,7 bilhão. Em 2022, saltou para R$ 4,9 bilhões

Por Roberto Motta (*)

Eleições fazem parte da espinha dorsal de qualquer sistema político democrático e são descritas por muitos como a festa da democracia. Elas também são um sorvedouro de dinheiro público. Ou, como diria Margaret Thatcher, dinheiro dos nossos impostos. Será que esse dinheiro é bem empregado? Vale a pena refletir.

Margaret Thatcher, em 1984 – Foto: Domínio Público

O Brasil tem eleições a cada dois anos. Por exemplo, em 2016 realizaram-se eleições municipais, nas quais o eleitor vota para escolher vereadores e prefeitos. Dois anos depois, em 2018, foi a vez das eleições gerais, nas quais o brasileiro escolhe deputados estaduais e federais, senadores, governadores e o presidente da República. Em 2020, realizaram-se novamente eleições municipais e, em 2022, outras eleições gerais. Esse é o ritmo eleitoral brasileiro.

No ano que vem, em 2024, teremos eleições municipais, e os líderes partidários estão pressionando o Congresso Nacional para conseguir novo aumento das verbas para o financiamento de campanha. O financiamento é feito através de dois fundos: o fundo partidário e o fundo eleitoral.

O fundo partidário é um dinheiro que os partidos recebem mensalmente dos cofres do Estado, e que tem como objetivo manter o funcionamento das máquinas partidárias. O fundo eleitoral é outra transferência de recursos do Estado para os partidos, mas que só é feita em ano de eleições, com a finalidade específica de financiar campanhas eleitorais.

Até 2015, candidatos a cargos eletivos podiam receber doações de pessoas físicas e de empresas. Mas, naquele ano, uma decisão do STF proibiu empresas de doar para campanhas políticas. A razão alegada para a decisão foi a busca de um maior equilíbrio no jogo eleitoral.

Placas de propaganda durante campanha eleitoral, colocadas em uma rua da cidade de Salvador, Bahia (28/7/2014) – Foto: Joa Souza/Shutterstock

Não há indicações claras de que o jogo tenha ficado mais equilibrado, mas não há dúvidas de que ficou muito mais caro para o pagador de impostos. Quando as empresas foram proibidas de doar, foi o dinheiro do pagador de impostos que preencheu a lacuna.

Depois da proibição de doações por empresas, o Congresso criou o fundo eleitoral que, na sua eleição de estreia, em 2018, teve uma dotação de R$ 1,7 bilhão. Em 2020, o valor do fundo subiu para R$ 2,1 bilhões e, em 2022, deu um salto para R$ 4,9 bilhões.

Há quem se escandalize com os números e acredite ser necessário (e possível) impor limites a esse gasto — que muitos classificam de desperdício — de dinheiro público.

Há quem diga que esse é o preço da democracia, uma consequência natural e previsível da realização de eleições frequentes, com disputas cada vez mais competitivas, em um país de dimensões continentais.

Panfletos de divulgação de candidatos são vistos espalhados no chão durante as eleições na cidade de Salvador, na Bahia (7/10/2018) – Foto: Joa Souza/Shutterstock

Os números da nossa festa da democracia são realmente impressionantes. Na última eleição municipal, em 2020, foram preenchidos 58.208 cargos de vereador nas Câmaras Municipais dos 5.568 municípios espalhados pelo país — além, é claro, de 5.568 cargos de prefeito e vice-prefeito. Segundo dados do TSE, esses cargos foram disputados por 528.891 candidatos.

Vale parar um momento para considerar este número: é mais de meio milhão de políticos que precisam organizar uma campanha, preparar material impresso, filmar e editar vídeos, impulsionar posts em redes sociais, organizar reuniões e caminhadas e contratar chefes de campanha, estrategistas, advogados e contadores.

Não parece haver uma bala de prata, uma solução mágica que compatibilize, ao mesmo tempo, a busca por um suposto equilíbrio na competição eleitoral com o respeito ao dinheiro do pagador de impostos

Nas eleições gerais, os números são menos assustadores; ainda assim, na última eleição geral, em 2022, concorreram 26.402 candidatos.

É lógico que isso custa dinheiro, muito dinheiro. Como se trata de dinheiro de impostos, são recursos que deixarão de ser utilizados em áreas como segurança pública, sistema de ensino e serviços de saúde. Os críticos do financiamento público de campanha consideram isso um absurdo. Para eles, as campanhas políticas deveriam ser financiadas exclusivamente com dinheiro privado, captado pelos políticos de acordo com a aceitação de suas ideias pelos eleitores.

Foto: Shutterstock

Não parece haver uma bala de prata, uma solução mágica que compatibilize, ao mesmo tempo, a busca por um suposto equilíbrio na competição eleitoral com o respeito ao dinheiro do pagador de impostos. Ou se retira o dinheiro público dessa equação e se permite a livre competição entre os candidatos por doações privadas (com os inevitáveis desequilíbrios e assimetrias gerados por toda a competição) ou se mantém o financiamento público entendendo que, como a decisão sobre o tamanho dos gastos é tomada pelos mesmos políticos que farão as campanhas, o crescimento contínuo das verbas para os partidos é inevitável.

Mas uma coisa é preciso sempre lembrar: a base de uma democracia é a eleição de representantes. É principalmente através das eleições que cidadãos têm acesso ao poder político. Um candidato — a vereador, deputado ou senador — só tem acesso ao cargo, e ao poder que ele confere, se receber votos suficientes.

Não dá para criar um sistema assim e depois reclamar que os políticos só pensam em votos.

voto em trânsito
Urna eletrônica – Foto: José Cruz/Agência Brasil

Os políticos só existem se tiverem votos. E eles só têm votos se fizerem campanha. E as campanhas são cada vez mais concorridas, e cada vez mais caras, entre outras razões porque se desenvolveu todo um ecossistema de instituições, empresas e profissionais que ganham a vida trabalhando para candidatos e partidos na época das campanhas.

Essa é uma parte do preço que pagamos pela democracia. Ou alguém achou que era tudo de graça?

(*) Engenheiro PUC/RJ com Mestrado em Gestão Empresarial FGV/RJ, Professor, Escritor com 2 livros publicados, Empreendedor, Pai e Ativista de Segurança Púb

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