Israel surrou o grandão arrogante

O Irã desabou na lona antes do fim do primeiro assalto

Por Augusto Nunes e Eugênio Goussinsky (*)

Desencadeada pelo governo de Israel neste 13 de junho, a Operação Leão em Ascensão precisou de uma semana para provocar estragos irreparáveis no programa nuclear do Irã, desmoralizar a arrogância da ditadura xiita, despovoar bairros inteiros de Teerã e obrigar o grandão insolente a beijar a lona já no primeiro assalto. Nenhuma surpresa: o vitorioso sabia há quase 40 anos que o confronto era tão inevitável quanto a mudança das estações. Virou questão de tempo em fevereiro de 1979, quando o xá da Pérsia, aliado do Estado judeu, foi derrubado pelo aiatolá Ruhollah Khomeini. Em seu primeiro discurso, o líder da Revolução Islâmica revelou os três deslumbramentos que povoavam seus sonhos: varrer Israel da face da Terra, consolidar a hegemonia xiita no Oriente Médio e transformar o mundo num vastissimo templo islâmico.

Em 1989, promovido ao comando supremo pela morte de Khomeini, o aiatolá Ali Khamenei confessou que, além do emprego, herdara as três obsessões do antecessor. “Israel precisa ser jogado no mar”, reincidiu. Se tivesse juízo, teria tratado de conhecer melhor a história do Oriente Médio, o histórico das turbulências regionais, as singularidades do presente e o que pode vir por aí. Como o Brasil, também aquela parte do mundo não é para principiantes. O Irã, por exemplo, não é árabe nem fala a língua oficial da maioria dos vizinhos. É separado de Israel por outros países e quase mil quilômetros. O mosaico religioso informa que os xiitas, majoritários no Irã, perdem de longe para a soma dos sunitas que se espalham pelas nações islâmicas. Os iranianos parecem ignorar tais fatos.

Aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do Irã, durante o 36º aniversário da morte do líder da Revolução Islâmica do Irã de 1979, o aiatolá Ruhollah Khomeini, no santuário de Khomeini, no sul de Teerã, Irã (4/6/2025) – Foto: Divulgação

Pior ainda: o balanço parcial da guerra avisa aos gritos que o Irã — por falta de informação ou excesso de soberba — não sabe com quem resolveu meter-se. Um israelense aprende no berço que terá de lutar para que sua pátria siga existindo. Sabe que deve preparar-se para sobreviver por conta própria. A competência beligerante das tropas de elite é comparável à dos melhores marines americanos. O material bélico é sempre de última geração. E o serviço de inteligência coleciona proezas que convidam a enxergar numa roda de jovens agentes da CIA um bando de estagiários. Alguns brilham no Shin Bet, incumbido de “prevenir espionagem e lidar com extremistas que realizam ações contra o Estado e o regime democrático”. Mas é sobretudo entre os 7 mil agentes do Mossad que podem ser encontradas figuras que elevaram o serviço de inteligência à categoria de arte.

Em tese, cumpre-lhes “coletar informações, planejar e executar operações secretas contra o terrorismo”. Na prática, a liberdade de movimentos é favorecida por bem-vindos truques burocráticos. O diretor da agência responde ao primeiro-ministro, e só a ele. Não estão definidos em lei nenhuma o propósito, os objetivos, as missões, os poderes ou o orçamento do Mossad. Ninguém de fora reclama. As façanhas do grupo permitem ao governo repetir, sem parecer bravata, o mantra entoado por integrantes dos partidos que se revezam no poder: “Não haverá um segundo holocausto”.

Foto: Shutterstock

Para tanto, é preciso recorrer a cláusulas pétreas que não têm existência oficial. Uma delas: nenhuma nação hostil a Israel poderá dispor de armas nucleares, Para facilitar tal tarefa, podem ser eliminados cientistas ou negociantes envolvidos na concepção de programas do gênero. É o chamado “assassinato seletivo”, que pode estender-se a chefes terroristas ou recrutadores de homens-bomba. Quase sempre o diretor solicita o endosso do primeiro-ministro. O plano a ser executado deve incluir a localização precisa do alvo. Se for um indivíduo, o Mossad cuida da execução. Se for um grupo de pessoas reunidas num prédio, entram em ação as Forças Armadas.

Coube ao Mossad infiltrar no território iraniano agentes que localizaram reatores, mediram o estágio das obras, levantaram horários de trabalho e outras informações que permitiram às Forças Armadas atingir alvos a mais de 2,3 mil quilômetros de distância. Ataques cirúrgicos neutralizaram sistemas de defesa importados da Rússia. Paralelamente, agentes e mísseis provocaram baixas de bom tamanho na cúpula militar do Irã. Entre outros figurões, foram mortos no mesmo local o comandante da Guarda Revolucionária Islâmica, o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas e pelo menos dois cientistas nucleares.

O comandante em chefe da Guarda Revolucionária Islâmica, major-general Hossein Salami, durante reunião parlamentar em Teerã, no Irã (22/1/2023) – Foto: Divulgação
O governo israelense entendeu que a hora chegara há cerca de um ano, quando destruiu a maior parte da infraestrutura militar do Hezbollah no Libano. A organização terrorista sustentada pelos aiatolás não poderia juntar-se às tropas do Irã, que, por acreditar que haveria confronto direto, acelerou o desenvolvimento de misseis balísticos. “Eles trabalhavam secretamente para transformar o urânio em arma, avançando rápido”, suspeitou Benjamin Netanyahu. “Teriam um dispositivo testado em poucos meses.” Não houve tempo para isso.

Foi o terceiro desmonte de instalações nucleares planejadas por inimigos. Em 1981, o Mossad descobriu que Saddam Hussein, ditador do Iraque, usava a guerra contra o Irã como pretexto para apressar o programa nuclear com o apoio da França. Logo teria uma primeira bomba atômica, soube o primeiro-ministro Menachem Begin, que antecipou a Operação Nova Era. A primeira etapa, baseada em intensa espionagem e assassinatos seletivos, não interrompeu as obras. Em 1981, o programa Osirak foi pulverizado por caças que decolaram de Tel Aviv. Enfurecido, Saddam encarregou o engenheiro canadense Gerald Bull de ampliar o arsenal de armas químicas, biológicas e de mísseis de longo alcance. Também encomendou um supercanhão. Antes de regressar ao local do emprego, Bull foi morto a tiros em Bruxelas. Em 2007, o que houve no Iraque repetiu-se na Síria. Em 2018, agentes do Mossad invadiram o depósito secreto em Teerã, que escondia o arquivo nuclear iraniano composto de mais de 55 mil documentos físicos e digitais. Embarcaram num caminhão que cruzou a cidade e saiu do país.

Na Operação Leão em Ascensão, o Mossad agiu em parceria com a refinada tecnologia aperfeiçoada por Israel. Parte da defesa aérea iraniana foi neutralizada por ataques cibernéticos, que paralisaram sistemas de comando, radares, satélites e comunicação. O programa nuclear dos aiatolás foi devolvido à infância. O que restou não resistirá a outra onda de bombardeios. Uma imensidão de moradores deixou Teerã. Khamenei agora quer conversar com Trump, o maior aliado de Israel. Por enquanto, só ouviu um conselho: “Faça um acordo antes de perder tudo”.

Donald Trump, presidente dos EUA, 6 Jared Kushner, marido de lvanka Trump, em Washington, D. EUA (18/6/2025) – Foto: Divulgação

(*) Integrante do Conselho Editorial de Oeste, foi redator-chefe da revista Veja e diretor de redação do Jornal do Brasil, do Estado de S. Paulo, do Zero Hora e da revista Época. Atualmente, é colunista da revista Oeste e integrante do programa oeste Sem Filtro. Apresentou durante oito anos o programa Roda Viva, da TV Cultura, e foi um dos seis jornalistas entrevistados no livro Eles Mudaram a Imprensa, organizado pela Fundação Getulio Vargas. Entre outros, escreveu os livros Minha Razão de Viver — Memórias de Samuel Wainer e A Esperança Estilhaçada — Crônica da Crise que Abalou o PT.

Fonte: https://revistaoeste.com/revista/edicao-274/israel-surrou-o-grandao-arrogante/

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