Fala mais, presidente

Luiz Inácio Lula da Silva - Foto: Wilton Junior/Estadão Conteúdo

Por Augusto Nunes e Edilson Salgueiro (*)

“Não quero discutir eleição e reeleição porque tenho apenas um ano e sete meses de mandato”, disse o presidente da República neste 18 de junho. “Quando chegá o momento de discutir, tem muita gente boa pra sê candidato.” Lula errou a conta da primeira frase: ele completará um ano e seis meses de desgoverno no próximo domingo, 30. E mentiu na segunda: desde o primeiro dia de janeiro de 2023, quando se instalou pela terceira vez no gabinete no Palácio do Planalto, o Exterminador de Esses e Erres está em campanha para reeleger-se. “Agora, presta atenção no que vou te falá”, confessou na continuação da discurseira: “Se for necessário sê candidato pra evitá que os trogloditas que governaram voltem a governá, pode ficá certo que meus 80 anos virarão 40 e eu poderei sê candidato”.

“No momento, só penso em cumpri minhas promessa”, trapaceou de novo. Até agora, não cumpriu nenhuma. No comando de um dos mais bisonhos governos da história, não apresentou algo que mereça o nome de política econômica, não revelou um único plano ou projeto que preste, não começou nem concluiu nenhuma obra relevante. Tem viajado para o exterior pelo menos uma vez por mês e, quando visita o Brasil, faz o que pode para manter-se distante do local do emprego. Não tem tempo para conversar com seus 39 ministros. Tem todo o tempo do mundo para Janja, primeira-dama e primeira-conselheira. A culpa é sempre dos outros — companheiros ou adversários. E vem falando como nunca, especialmente sobre assuntos que desconhece e episódios que vive tentando falsificar.

Confiram 25 palavrórios registrados nestes 18 meses de Lula 3, reproduzidos em ordem cronológica e sem correções nem retoques:

“Há 500 anos, aqueles que invadiram nosso país e depois disseram que o descobriram, depois de exterminá milhões de índios, resolveram vendê a ideia de que era preciso fazê a escravidão vir para o Brasil, porque os indígenas eram preguiçosos, não gostavam de trabalhar. E se eles não gostavam de trabalhá e não tinha brancos para trabalhá, porque os que vinham da Europa não queriam trabalhá, então resolveram contar história de que os índios eram preguiçosos e, portanto, era preciso trazê o povo negro da África, para produzir nesse país. Ora, toda a desgraça que isso causou ao país… causou uma coisa boa, que foi a mistura, a miscigenação entre indígenas, negros e europeus que permitiu que nascesse essa gente bonita aqui, que gosta de música, de dança, de festa, que gosta de respeito, mas que gosta de trabalhá para sustentá sua família e não vivê de favor, de quem quer que seja.”

“De vez em quando, ia um procurador, entrava lá na prisão de sábado, dia de semana, para perguntá: ‘Está tudo bem?’ Eu respondia: ‘Não está tudo bem. Só vai está tudo bem quando eu foder esse Moro’. Vocês cortam a palavra ‘foder’.”

“A decisão da guerra foi tomada por dois países. E, agora, estamos tentando construir um grupo de países que não têm nenhum envolvimento com a guerra, que não querem a guerra, que desejam construir paz no mundo, para conversarmos tanto com a Rússia quanto com a Ucrânia. Mas, também, nós também temos que ter em conta que é preciso conversá também com os Estados Unidos e com a União Europeia.”

“Sempre ouvi dizê que a Organização Mundial da Saúde sempre afirmou que a humanidade deve tê mais ou menos 15% de pessoas com problema de deficiência mental. Se esse número é verdadeiro, e você pega o Brasil, com 220 milhões de habitantes, se você pegá 15% disso, significa que temos quase 30 milhões de pessoas com problema de desequilíbrio de parafuso. Pode uma hora acontecê uma desgraça.”

“Eu acho, companheiro Maduro, que é preciso que você saiba a narrativa que se construiu contra a Venezuela. Da antidemocracia, do autoritarismo. Eu acho que cabe à Venezuela mostrá a sua narrativa para que possa efetivamente fazer as pessoas mudarem de opinião. […] A sua narrativa vai sê infinitamente melhor do que a narrativa que eles têm contado contra você.”

“Temos uma profunda gratidão ao continente africano por tudo que foi produzido durante 350 anos de escravidão no nosso país.”

“Eu, aliás, se eu pudesse dá um conselho, é o seguinte: a sociedade não tem que sabê como é que vota um ministro da Suprema Corte. Sabe, eu acho que o cara tem que votá e ninguém precisa sabê. Votou a maioria 5 a 4, 6 a 4, 3 a 2. Não precisa ninguém sabê que foi o Uchôa que votou, foi o Camilo que votou. Aí cada um que perde fica com raiva, cada um que ganha fica feliz.”

“Se o Putin vier para o Brasil, não tem como ele sê preso. Não, ele não será preso. Ninguém vai desrespeitá o Brasil. Se você prendê alguém no Brasil sem a autorização do governo, você não vai respeitá o Brasil.”

“Se eu tiver informação — ‘Olha, ô Lula, tem um presidente de tal país que é amigo do Hamas’ —, é para esse que eu vou ligá: ‘Ô cara, fala pro Hamas libertá os reféns, porra. Para que ficá com os reféns lá retidos? Liberta. Tem gente que precisa de remédio para tomá, tem gente que tem asma. Liberta o refém’. E também falá para o governo de Israel: ‘Liberta os presos, liberta os sequestrados. Que coisa que é essa?’.”

“Resolvê o problema em torno de uma mesa de negociação, em torno de uma conversa, é muito mais barato, é muito mais fácil, é muito mais econômico. Um casal dentro de casa, quando tiver algum problema de desavença, sente numa mesa, converse, discuta. Não é possível a gente chegar às vias de fato por uma divergência, por ciúmes.”

“Em fábrica, a gente sabe que tem que tê uma profissão. Se a gente não tivé uma profissão, a gente vai sê ajudante-geral. E ajudante-geral não ganha nada. Nenhuma mulher qué namorá com um cara que mostra a carteira profissional e tem a profissão ajudante-geral.”

“Sabe, o que está acontecendo na Faixa de Gaza, com o povo palestino, não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu quando Hitler resolveu matá os judeus.”

“Nós temos um pequeno problema aqui. A imprensa vai se retirá por conta de logística. As pessoas têm que ir embora. Eu e o Sarkozy [confundindo o presidente francês Emmanuel Macron, ao seu lado, com o antecessor, Nicolas Sarkozy] vamo viajá para o Rio de Janeiro ainda hoje à noite.”

“É uma homenagem às quase 12 milhões e 300 mil crianças que morreram na Faixa de Gaza, em Israel, bombardeadas em uma guerra insana contra a humanidade.” (Pelos cálculos de Lula, as crianças mortas pelos israelenses na Faixa de Gaza somam mais que o dobro dos 6 milhões de judeus assassinados no Holocausto.)

“Vamo criá vergonha. Vai tê uma conferência nacional em julho, e vocês tratem de me apresentá um produto de inteligência artificial em língua portuguesa, criado pelos brasileiros. Porque a gente não vai permitir que nos roubem a criação da inteligência artificial, assim como foi roubada a criação do avião.”

“Se o Zelensky diz que não tem conversa com o Putin, e o Putin diz que não tem conversa com o Zelensky, ou seja, é porque eles estão gostando da guerra, porque senão já tinham sentado para conversá e tentá encontrá uma solução pacífica.”

“A concentração de renda é tão absurda que alguns indivíduos possuem seus próprios programas espaciais. Certamente tentando encontrá um planeta melhor que a Terra, para não ficá no meio dos trabalhadores que são responsáveis pela riqueza deles.”

“Eu não tenho nada contra o Haddad. O Haddad é um extraordinário ministro da Defesa.”

“Um presidente do Banco Central que não demonstra nenhuma capacidade de autonomia, que tem lado político e que, na minha opinião, trabalha muito mais para prejudicá o país do que ajudá o país, porque não tem explicação a taxa de juros do jeito que está. A quem esse rapaz é submetido?”

“Não tem contradição. Temos Guiana, Suriname explorando petróleo, próximo de nós. O que não dá é pra gente dizê, a priori, que vai abri mão de explorá uma riqueza que, se for verdade as previsões, é uma riqueza muito grande para o Brasil. É contraditório? É, porque estamos apostando na transição energética. Olha, mas enquanto a transição energética não resolve nosso problema, o Brasil tem que ganhá dinheiro com esse petróleo.”

“A unanimidade dos deputados era contra a saidinha. Quando ela chegou para mim, eu tomei a decisão de vetá por uma questão de princípio. Como você pode impedir esse cidadão de encontrar a família, se a família pode ser a base da recuperação dele?”

Teve um terremoto nesse país, ou teve uma praga de gafanhoto, que veio para tentá destruí aquilo que era a realização de um sonho do povo brasileiro. Tudo isso veio abaixo, mais uma vez, com a agourância da elite. Com o falso argumento de combate à corrupção, a Operação Lava Jato mirava, na verdade, o desmonte e a privatização da Petrobras. O que estava por trás da Lava Jato era entregá patrimônio a petrolíferas estrangeiras.”

“Quando eu vejo o que vocês fazem aqui na Petrobras, a inteligência humana, fico imaginando: ‘Um país como o Brasil talvez não precise de inteligência artificial, porque a nossa humana é muito competente, e ela pode dá conta do recado’.”

“Vocês lembram, quando nós começamo a fazê a Copa do Mundo, a quantidade de denúncia de corrupção nos estádios na Copa do Mundo? E muita gente inventou aí, da direita mesmo, sabe? Tudo tem que ser ‘padrão Fifa’. Porque o Brasil tem que dá saúde ‘padrão Fifa’, o Brasil tem que dá não sei o que lá ‘padrão Fifa’, na tentativa de desmoralizá a Copa do Mundo. E Deus é justo, nós tomamos de 7 a 1 da Alemanha, sabe? Já que é para castigá, vamos castigá.”

“Eu sou da turma em que artista, cinema e novela não é pra ensiná putaria. É pra ensiná cultura, contá história, contá narrativas, e não pra dizê que nós queremos ensiná às crianças coisas erradas. Nós só queremos fazê aquilo que se chama arte. Quem não quiser entendê o que é arte, dane-se.”

“A única razão pela qual eu quis sê presidente da República era pra prová: é possível e é barato cuidá do povo pobre desse país. O que custa caro é cuidá de rico. Rico custa caro. Porque o pobre vai conversá com você e ele pede R$ 10 reais. O rico pede logo R$ 10 bilhões.”

Essa curta viagem por uma cabeça baldia merece encerrar-se com o que Lula acha da primeira-dama: “Eu tenho uma mulher especial, sabe? A Janja é uma espécie de meu farol. Sabe aquele farol que guia assim? Ou seja, quando tem coisa errada, ela me chama atenção. Quando tem alguma coisa no jornal errada, ela me chama atenção. Quando tem alguma coisa na rede, ela me chama atenção. Às vezes, ela fala coisa para mim que minha assessoria não fala, e ela fala. A gente troca muita ideia”. Como se houvesse alguma ideia aproveitável a ser trocada.

O besteirol acima transcrito adverte: faz 18 meses que o Brasil é assombrado pelo perigo que Lula invoca para disputar um quarto mandato. Desde janeiro de 2023, a Presidência da República está nas mãos de um troglodita. Ou dois.

(*) Integrante do Conselho Editorial de Oeste, foi redator-chefe da revista Veja e diretor de redação do Jornal do Brasil, do Estado de S. Paulo, do Zero Hora e da revista Época. Atualmente, é colunista da revista Oeste e integrante do programa oeste Sem Filtro. Apresentou durante oito anos o programa Roda Viva, da TV Cultura, e foi um dos seis jornalistas entrevistados no livro Eles Mudaram a Imprensa, organizado pela Fundação Getulio Vargas. Entre outros, escreveu os livros Minha Razão de Viver — Memórias de Samuel Wainer e A Esperança Estilhaçada — Crônica da Crise que Abalou o PT.

Fonte: https://revistaoeste.com/revista/edicao-223/fala-mais-presidente/

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