Conservadores de araque

Boris Johnson se tornou a antítese dos caminhos tomados por Winston Churchill

Ana Paula Henkel

Por Ana Paula Henkel (*)

Para aqueles que, em tempos de calmaria ou de turbulência, se inspiram em ícones da humanidade, a pandemia de coronavírus trouxe mais do que perguntas, até hoje, sem respostas. O vírus que assolou o globo trouxe a certeza de que o mundo está profundamente carente do espírito de líderes que engrandeceram as páginas dos livros de história. De tempos em tempos, nomes são elevados ao cenário político global como potenciais faróis e defensores dos legados de Winston Churchill, Ronald Reagan, Margaret Thatcher e até mesmo o papa João Paulo II. No entanto, nossa realidade não vem mostrando diálogo com nossos desesperados anseios.

A eleição do primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, não foi diferente. Diante da ascensão ao cargo do comando político de uma das nações mais importantes do planeta, conservadores de todo o mundo vibraram com a possibilidade de uma correção na rota suicida que parte do mundo decidiu tomar elegendo líderes da esquerda radical globalista. Exímio estudioso e conhecedor da vida de Churchill, Johnson chegou a escrever um livro sobre a vida, o trabalho e as lições deixadas pelo líder britânico durante a Segunda Guerra Mundial: O Fator Churchill. No entanto, as similaridades com o antigo e fundamental primeiro-ministro do Reino Unido, que ajudou a libertar o mundo das garras nazistas, não vão muito além da palavra “conservador”. Boris Johnson acabou se tornando, de fato, a antítese dos caminhos tomados por Churchill. Caminhos pavimentados com ações que mostraram coragem e resiliência.

A renúncia de Boris Johnson, na quinta-feira, desnuda a hipocrisia de palavras tão usadas hoje em dia no debate raso na política como “esquerda x direita”, “conservadores x progressistas”, e assim por diante. Mas podemos ir além. A renúncia anuncia uma incerteza significativa para o Reino Unido, que desencadeará uma disputa de liderança dentro do Partido Conservador e levará a um novo primeiro-ministro em outubro, com uma provável eleição geral antecipada. Mas também expões as vísceras de líderes patéticos que se ajoelharam para a turba globalista com agendas perigosas que minam o poder dos cidadãos que não querem ver suas vidas governadas por burocratas em Bruxelas. O mandato de quase três anos de Johnson, que foi iniciado com o tão aguardado Brexit”, o processo de saída do Reino Unido da União Europeia, terminou em absoluta desordem, depois que ele ameaçou um impasse com seu partido, após a renúncia de 42 secretários que consideraram sua posição “insustentável”.

Partygate

Ministros conservadores declararam que perderam a confiança no primeiro-ministro, depois que surgiram notícias de que ele havia elevado Chris Pincher, nome de peso de seu partido, a um poderoso cargo no governo, apesar das alegações de má conduta sexual. Mas esse não foi o único escândalo com o qual o governo de Johnson teve de lidar, foi apenas o último que os ministros puderam tolerar. Os eleitores britânicos ficaram diante de eventos devastadores para o partido de Johnson, hoje apelidados pela mídia como Partygate: festas e outras reuniões de funcionários do governo e do Partido Conservador realizadas durante a pandemia em 2020 e 2021, quando as restrições de saúde pública proibiram a maioria de reuniões e aglomerações de pessoas. Enquanto vários lockdowns no país estavam em vigor, as reuniões ocorreram na residência do primeiro-ministro localizada no famoso endereço 10 Downing Street, em seu jardim e outros prédios do governo.

Manifestante protestam contra Boris Johnson, em abril de 2022, próximo ao Palácio de Westminster – Foto: Shutterstock

Os escândalos das festas foram apenas a cereja de um bolo que já estava derretendo. Para o ex-assessor de Boris Johnson, Thomas Corbett-Dillon, o primeiro-ministro “esqueceu que é conservador”. Ele afirmou nesta semana que o primeiro-ministro foi sugado por uma agenda globalista: “O resumo da história é que elegemos Boris para ser o Trump britânico, para que ele ‘abalasse’ o sistema, para que ele pudesse fazer o Brexit acontecer, seguir com as vontades do povo; mas ele foi sugado rapidamente pela agenda globalista. Johnson passou muito tempo bajulando Macron e Merkel, e esqueceu que é um conservador. Ele foi um tirano nos lockdowns e com as políticas de vacinas experimentais obrigatórias. Ele virou um ‘woke’ e, em seguida, aderiu totalmente a essa ideia da Greta Thunberg de que o mundo está acabando, e se tornou em quem os conservadores jamais votariam”.

No entra e sai dos presidentes, desde os anos 1970, a cada quadriênio a carga tributária não faz outro movimento senão o ascendente

Em 2021, Boris Johnson enfrentou resistência sobre os planos de exigir vacinações em certos locais para conter a rápida disseminação da variante Ômicron, já que dezenas de legisladores de seu próprio Partido Conservador votaram contra a medida. Apesar da rebelião de cerca de cem parlamentares conservadores, os controversos “passaportes vacinais” entraram em vigor na Inglaterra, depois que o Partido Trabalhista, de oposição, apoiou a medida. A revolta inesperada por Boris dentro do partido deixou evidente o desconforto de alguns parlamentares do Partido Conservador sobre as regras que exigiam comprovação de vacinação ou teste negativo para as pessoas acessarem boates e outros locais. Johnson também apostou em uma campanha de vacinação de reforço, afirmando — sem um dado científico — que o reforço manteria o vírus sob controle e, assim, as restrições ao mínimo.

A disseminação da já fraca variante Ômicron em 2021 mostrou que o não tão conservador Boris Johnson usou e abusou de intervenções estatais draconianas. Nas ondas anteriores da pandemia, Johnson até resistiu e adiou mais do que os líderes europeus antes de impor restrições drásticas. Mas diante do escrutínio da casta globalista da Europa — não do povo —, o agora quase ex-primeiro-ministro se ajoelhou diante da gritaria anticientífica da turma de George Soros e companhia e, contrariando qualquer página de qualquer manual conservador, ficou com medinho do que falariam dele na hora do recreio. A rebelião dentro do partido contra a postura de Johnson foi tão expressiva que legisladores conservadores disseram que queriam que o Parlamento fosse retirado do recesso de Natal, em dezembro de 2021 para examinar quaisquer novas restrições que fossem introduzidas por ele. Tudo isso acontecia enquanto Downing Street quebrava as regras de lockdowns impostas por Downing Street realizando várias festas e reuniões.

Diante dos escândalos e da renúncia de Boris Johnson, conservadores espalhados pelo mundo, dentro de suas vertentes locais, mas conectados pela espinha dorsal dos princípios do conservadorismo, agora enfrentarão certa turbulência. O Partido Conservador da Grã-Bretanha foi atingido pela crise de confiança que tomou conta do primeiro-ministro, levantando questões sobre o dano de longo prazo que seu mandato causou ao partido e ao movimento como um todo. Ele deixará para seu sucessor, a ser escolhido nas próximas semanas, um desafio hercúleo. O próximo primeiro-ministro terá de reconstruir a confiança na integridade, na honestidade e na competência dos governos conservadores, enquanto enfrenta uma crise de custo de vida que já atinge muitos de seus principais eleitores.

Em movimento contrário às projeções das eleições de midterms nos EUA em novembro, projeções que mostram que os republicanos podem tomar com certa folga a liderança na Câmara e no Senado, as dificuldades de Johnson prejudicaram a posição do partido com o eleitorado conservador. Uma pesquisa da Savanta ComRes realizada de 1º a 3 de julho mostrou que 41% das pessoas votariam hoje nos trabalhistas em uma eleição geral e 32% nos conservadores. Mas nem tudo está perdido. O Partido Conservador é, historicamente, resiliente. Formado em 1834 a partir do antigo Partido Conservador (Tory Party), eles se apegarão no fato de o partido ser o mais antigo ainda existente, tendo seu principal pilar estabelecido na capacidade de se adaptar às mudanças do sentimento público e na sua eficiência em remover líderes que não têm mais a confiança do partido e dos eleitores em geral.

Protesto contra Boris Johnson, em fevereiro de 2022 – Foto: Shutterstock

Vernon Bogdanor, cientista político e historiador, afirma que muitos dentro e fora do partido acham que a deposição de Johnson aumentará as perspectivas do partido nas próximas eleições gerais, que devem ser realizadas até o fim de 2024: “Na minha opinião, a mudança melhorará enormemente as chances dos conservadores nas próximas eleições”, diz o professor do King’s College London. Bogdanor defende a ideia de que, embora os oponentes do partido argumentem que os conservadores estão no poder desde 2010 e que a mudança é necessária, há um precedente para mudar um líder após um longo período no cargo e vencer uma eleição subsequente. Quando Margaret Thatcher foi destituída, em 1990, após 11 anos no poder, por exemplo, seu sucessor, John Major, obteve uma vitória surpreendente em 1992 em meio a uma recessão.

Assim como nos EUA, os conservadores representam uma ampla gama de opiniões dentro do partido. Na centro-direita, a tenda política abrange os que querem cortes de impostos radicais com os que competem com conservadores fiscais, comerciantes livres com protecionistas, liberais sociais com tradicionalistas e uma facção anti-União Europeia com aqueles que gostariam de consertar as relações com o bloco. O grande sucesso eleitoral de Johnson foi combinar o apoio ao seu partido em áreas suburbanas e rurais tradicionais com incursões em áreas pós-industriais onde o Partido Trabalhista dominava havia muito tempo. O que será crítico na corrida para seu sucesso serão a integridade e a reparação do dano à marca que o partido sofreu. E, embora a disputa pela liderança possa prejudicar o partido aos olhos do público, isso não é nada comparado ao dano que teria sido causado se Johnson tivesse permanecido no cargo.

Para o ex-líder do partido do Brexit, Nigel Farage, a renúncia de Boris Johnson como primeiro-ministro britânico estimulará uma “batalha pela alma do conservadorismo” no Reino Unido: “Eu acho que o que vai acontecer agora é que vai haver uma batalha pela alma do conservadorismo neste país. Johnson foi eleito como conservador, mas governou como progressista, com compromissos maciços com a agenda globalista ambiental e irreal, aumentou os impostos, aumentou o tamanho do Estado… Para muitos conservadores tradicionais, ele era irreconhecível como conservador, e agora ele terá aquela ala do Partido Conservador que era efetivamente dos sociais-democratas contra os conservadores mais tradicionais. E essa será a batalha. Eu simplesmente não sei o que pode acontecer. Tudo o que sei é que, se eu olhar para o mundo ocidental, seja na América, seja na Grã-Bretanha, Austrália, qualquer lugar, quando os partidos conservadores deixam de ser conservadores, eles perdem eleições. Acredito que este é um grande momento para o conservadorismo britânico. Haverá uma grande batalha de ideias nos próximos meses”. Apesar da grande crise, Farage é otimista: “Substituir Johnson também será uma oportunidade maravilhosa para o Partido Conservador redescobrir seu propósito. O fim do mandato de Boris Johnson como primeiro-ministro não é um desastre para o movimento conservador. É uma grande oportunidade e deve ser agarrada com as duas mãos”.

A figura de Boris Johnson é emblemática e hoje não é difícil apontar aqueles que usam as caixinhas ideológicas para vencer eleições, mas traem seus eleitores assim que estão no poder. Na teoria, querem ser Winston Churchill, mas não passam de um patético Justin Trudeau. Até no Brasil testemunhamos alguns que abusaram do crachá de conservador ou liberal, mas que administraram como verdadeiros globalistas com sua agenda devoradora de liberdades. Depois de serem destronados pela opinião pública, eles precisam admitir a saída da vida pública e a volta para a privada. Faz sentido.

(*) Pesquisadora associada do Instituto Ronald Reagan, é hoje arquiteta e analista política. Ex-atleta, atuou pela Seleção Brasileira de Voleibol e disputou quatro Olimpíadas. Foi medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de 1996, em Atlanta, Estados Unidos, pelo vôlei de quadra. É bicampeã mundial no vôlei de praia. Tornou-se um dos principais nomes femininos do pensamento liberal-conservador. Vive em Los Angeles, onde cursa Ciência Política pela Ucla, e é colaboradora da Rádio Jovem Pan.

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