Apesar de novo formato, PEC desenha cenário fiscal preocupante, dizem economistas

Consequências de alta de gastos podem envolver alta dos juros, piora do risco país e fuga de capital

Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Apesar do novo formato da PEC do Estouro, os planos do governo eleito não deixam de desenhar um cenário fiscal preocupante para os próximos anos, o que pode envolver alta dos juros, piora do risco país e fuga de capital, segundo economistas ouvidos pela reportagem.

Para Murilo Viana, especialista em contas públicas, a aprovação da PEC com essa expansão fiscal carrega vários efeitos na economia.

“Temos que considerar que a relação dívida/PIB no Brasil próximo dos 80% já é bem elevada considerando outros países com a economia semelhante, além de termos um custo de rolagem da dívida muito alto. Se concretizar o furo do teto acima dos R$ 130 bilhões, o país terá que lidar com um esfriamento da atividade econômica”, diz.

“Essa PEC acaba com todas as âncoras fiscais que nós temos hoje.  Acaba com o teto de gastos, permite mudar o teto daqui a um ano por lei complementar e não reforma constitucional, ou seja, é uma PEC bastante negativa do ponto de vista fiscal”, diz José Márcio Camargo, economista-chefe da Genial Investimentos.

Um dos pontos mais preocupantes do texto, segundo ele, é a sugestão que está na PEC de que o déficit público pode vir a ser financiado no futuro via aumento de emissão de moeda em vez de dívida. “Isso realmente é bastante preocupante”.

“[Essa ideia] é inaceitável. No curto prazo, vai fazer com que a moeda perca credibilidade, o que causaria uma fuga de recursos do real para outras moedas, gerando uma tendência de desvalorização cambial que pode ser bastante complicada”, diz.

PEC do Estouro / Arte/CNN

“[Elevar o teto em vez de extrapolar o limite] faz uma pequena diferença. Se você simplesmente tira do teto, não sabe o que vai acontecer com esses gastos do futuro. O valor do auxílio poderia até ser elevado no ano que vem sem exigir uma reforma constitucional”, diz Camargo.

Rafaela Vitoria, economista-chefe do Inter, concorda que a proposta tem um “potencial impacto muito negativo” nas contas do ano que vem.

“R$ 200 bilhões de gastos acima do teto significa um crescimento real de despesas de 6% no ano o que elevaria os gastos públicos para 19,5%, contra um resultado estimado de 18,3% em 2022, além de transformar o superávit desse ano de 1,4% para um potencial déficit de 1,6% em 2023”, disse.

Vitoria diz ainda que “a ausência de indicação do ministro da economia e o foco da transição em aprovar mais gastos não traz uma sinalização positiva sobre o que esperar da responsabilidade fiscal do próximo governo”.

A proposta, lida mais cedo pelo senador Alexandre Silveira (PSD-MG) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, é similar ao que vinha sendo proposto pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), mas em um valor bastante superior. O senador tucano falava em apenas R$ 80 bilhões a mais no limite do teto de gastos. O valor aprovado pela CCJ ficou em R$ 145 bilhões por dois anos.

Dessa forma, com o teto sendo inflado, o estouro no teto de gastos seria o equivalente aos R$ 23 bilhões para investimentos públicos com receitas extraordinárias e outras brechas, como doações para universidades, transferências de estados e municípios para recapeamento de estradas pelo Exército, etc.

Silveira também determina em seu relatório que, se a PEC for aprovada, o presidente da República deverá enviar até 31 de dezembro de 2023 um novo arcabouço fiscal com o objetivo de substituir o teto dos gastos.

O problema, alertam especialistas, com ou sem âncora fiscal, dificilmente esses gastos serão reduzidos no futuro.

“Vai ser difícil limitar esse valor em dois anos, pois, a partir do momento em que se faz uma expansão fiscal, depois haverá uma capacidade limitada de fazer a restrição. Mesmo sendo possível retirar depois, mas politicamente é impossível”, diz Murilo Viana.

Neste cenário, os analistas de mercado já preveem uma retomada no ciclo de alta de juros. Com isso, o país teria o juro real subindo por causa da reação do Banco Central para trazer a inflação à meta.

“O gasto adicional elevado tem impacto inflacionário na demanda e pode prejudicar a convergência da inflação para a meta e eventualmente resultar em novas altas da Selic pelo Copom. O custo da dívida pública já está bastante elevado e a perspectiva de juros mais altos por mais tempo tende a prejudicar ainda mais o resultado fiscal de médio e longo prazo, com despesas com juros que podem ultrapassar 7% do PIB”, diz a economista-chefe do Inter.

Segundo o ex-diretor do Banco Central, Tony Volpon, há questões fundamentais que vão determinar qual será o impacto do mercado. “O resultado disso vai precificar a taxa de juros e a taxa de câmbio, pelo menos num curto prazo. A certeza é que veremos uma desaceleração da economia entrando em 2023”, acredita.

Para Viana, a tendência é de que o dólar se mantenha crescendo acima dos R$ 5,50, aproximadamente. “Isso impactaria na alta do risco fiscal, ou seja, tendendo ao rebaixamento da nota das agências de rating, os fundos de investimentos estrangeiros deixaram de aplicar recursos no Brasil por conta dessa queda de ranking”, explica.

Além do conteúdo da PEC, Volpon avalia que é importante saber como será a trajetória de juros dos Estados Unidos e do dólar nos mercados globais. “Existem contextos bastantes complexos onde se tem diversas variáveis com pesos variáveis. Tem momentos onde a conjuntura internacional é mais importante, tem momentos em que a conjuntura doméstica é mais, e essas coisas mudam ao longo do tempo”.

Por Diego Mendes e Ligia Tuon, do CNN Brasil Business | Com informações de Raquel Landim

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