Amazônia, os que aqui vivem e os que ouvem falar

Por Nelson Azevedo (*)

Há uma diferença absurda entre a suposição daqueles que avaliam à distância uma  realidade qualquer e o depoimento daqueles que vivenciam essa mesma realidade em seu cotidiano. Estamos falando do artigo publicado nesta segunda-feira, 27 de junho, pelo jornal o Estado de São Paulo, sobre a Zona Franca de Manaus em busca de um futuro. Escrito pelos empresários Horacio Lafer Piva, Pedro Passos e Pedro Wongtschowski, parceiros na gestão da Natura, o texto padece de algumas distorções que precisam ser explicitadas.

Gasto fiscal é um Power Point da RFB

Os dados citados logo de início, atribuídos à SUFRAMA, afirmam que “… os incentivos fiscais federais à Zona Franca de Manaus estão estimados em R$ 45,6 bilhões para este ano e em R$ 54 bilhões para 2023, e os estaduais somam R$ 12 bilhões em 2021”. Este montante de gastos fiscais não saem dos cofres públicos. São apenas um gráfico da Receita Federal do Brasil. E se a Zona Franca de Manaus for deletada, não haverá reversão desses gastos para o tesouro porque esses valores não existem. A União não aplica um centavo sequer no

Pólo Industrial de Manaus

As empresas não suportariam o custo Brasil. Ao sair de Manaus elas vão para países do continente que oferecem alternativos fiscais até melhores do que a ZFM.  Ou seja, este programa de redução das desigualdades regionais, considerado por especialistas estrangeiros o melhor arranjo fisca na história da República, é uma política de estado. Muito menos uma estratégia atrasada,  definem à distância aqueles que julgam saber o que é melhor para o Norte. Não há recurso público investido na ZFM. Senhores empresários, basta ver o site da Receita, o Amazonas está entre os 5 maiores contribuintes do Tesouro Nacional.

Serviços ambientais a favor do Brasil

Dizem os senhores: “No conjunto, a zona franca opera à margem do bioma amazônico e sem políticas inclusivas. Essa desconexão ajuda a entender por que 44,5% da população do Amazonas vivia em situação de pobreza em 2020, o pior índice da Região Norte”. Os investidores que atuam no Pólo industrial de Manaus cumprem um contrato firmado com a União. E são responsáveis por uma indústria que opera, sim, à margem da floresta. Ou seja, ajuda a manter 95% da floresta em pé, o que significa serviços ambientais gratuitos em profusão, incluindo os rios voadores que “hidratam” a agricultura do Continente e os reservatórios do Sudeste, especialmente. E, se não conseguem mitigar a exclusão de 45% da população, é porque a ZFM é um verdadeiro paraíso tributário do Fisco. Somente em Manaus, a receita recolhe 45% de todos os impostos da região Norte.

Bioeconomia é o projeto da Amazônia

“Nosso objetivo é sugerir uma transição para um projeto conectado com a floresta e sua biodiversidade e que expanda os ganhos para muito além de Manaus, beneficie o conjunto da população da região, esteja baseado em pesquisa, tecnologia e inovação e na qualificação da mão de obra”. Essa não é o objetivo exclusivo dos empresários. Este objetivo é nosso, de investidores e trabalhadores da Amazônia, há muitas décadas. Desde que criamos, por exemplo, o Centro de biotecnologia da Amazônia, em 1999. Foram 22 laboratórios pagos pela indústria. Durante duas décadas a União Federal ficou brigando entre seus ministérios para chamar de seu o que pertence à população da Amazônia.

Cercada pelo crime organizado

Assim, também, pagamos a construção e estruturação didática da Universidade Federal do Acre, e mantemos integralmente a Universidade do estado do Amazonas. A proposta dos três empresários, autores do artigo, é uma política nova de estado, do estado brasileiro. Quais são os indicadores de que esta é também uma preocupação Federal, se a União confisca 75% dos recursos aqui gerados? Nós não somos responsáveis pelo desmatamento, por queimadas criminosas, por garimpo ilegal em terras indígenas. Esses garimpos, hoje, foram tomados por organizações criminosas que ameaçam nossas vidas, vindas do Rio de Janeiro e São Paulo.  A economia do Amazonas, consubstanciada na Constituição Federal, está cercada pelo crime organizado. Por que uma região que usufrui de 7,8% de compensação fiscal precisa ser removida enquanto as atividades ilegais não são contidas/combatidas pelo poder público.

Sejam bem-vindos

“A base inegociável de um novo modelo para a Amazônia é o fim do desmatamento e da mineração ilegais. Novas possibilidades ligadas a uma economia de baixo carbono poderiam se abrir, se parcela dos recursos destinados à zona franca fosse alocada para desenvolvimento focado na bioeconomia.” Nenhuma riqueza ou modalidade industrial ou econômica, no curto, médio e longo prazo, será capaz de substituir sem choques sócioeconômicos irreparáveis, o programa zona Franca de Manaus. A proposta contida no artigo é também a nossa, diversificação – mas não substituição do Polo Industrial de Manaus. Se a logística é onerosa é porque o país não investe um centavo, daquilo que recolhe no  Amazonas, em infraestrutura competitiva. Temos propostas, reclamações contra à maledicência, pelas sentenças condenatórias de quem, assim como Brasília, nos olha à distância e tenta decidir por nós sem conhecer quem somos? Em tempo, é preciso dizer que a Natura segue bem-vinda entre nós, afinal aqui é o almoxarifado da maior biodiversidade da Terra. Importante lembrar, porém, que não basta batizar os produtos inspirados na Amazônia com insumos ínfimos da floresta. É preciso investir na propagação genética desses insumos, gerar empregos, distribuir oportunidades, manter a floresta em pé, dentro dos mais rigorosos princípios da sustentabilidade e da prosperidade social.

Zona Franca do Brasil

Por fim, faltou explicar só mais um assunto: custas gastos fiscais da Receita, os 54 bilhões de reais aplicados na Amazônia, é uma afirmação sem fundamento. Segundo estudos da Fundação Getúlio Vargas, de cada R$1.00 que a Receita deixa de arrecadar, R$1,40 pelo menos é repassado ao contribuinte pela economia da ZFM. Além do mais, a contrapartida fiscal do IPI, saibam, é integralmente repassada ao cidadão e suas famílias quando adquirem produtos de qualidade e menor preço fabricados na Zona Franca de Manaus.

(*) Nelson é economista, empresário, presidente do Sindicato da Indústria Metalúrgica Metalomecânica e de Materiais Elétricos materiais elétricos de Manaus, conselheiro do CIEAM e vice-presidente da FIEAM.

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