Se arrependimento matasse

Geddel Vieira Lima, ex-ministro da Integração Nacional - Foto: Montagem Revista Oeste/Marcelo Camargo/Agência Brasil

Por Augusto Nunes (*)

PRESO EX-MINISTRO DE TEMER, concordaram as manchetes dos três principais diários da velha imprensa em julho de 2017, ao noticiarem a ida para a gaiola do político baiano Geddel Vieira Lima. Entre maio e novembro de 2016, ele fora ministro-chefe da Secretaria de Governo do vice que assumira a Presidência com o impeachment de Dilma Rousseff. Mas os editores das primeiras páginas sabiam que a Polícia Federal não estava no encalço do ex-integrante do primeiro escalão de Temer (demitido, aliás, tão logo se comprovou seu envolvimento em pilantragens imobiliárias denunciadas por um colega de ministério). Fora para a cadeia o Geddel que colecionara patifarias de março de 2011 a dezembro de 2013, instalado no cargo de vice-presidente de Pessoa Jurídica da Caixa Econômica Federal.

Geddel Vieira Lima, ex-ministro da Integração Nacional, e Michel Temer, ex-presidente da República, no Palácio do Planalto – Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

PRESO EX-BANQUEIRO DE DILMA — essa seria a manchete correta. Infiltrado no alto-comando da Caixa, Geddel atacou os cofres da instituição com tamanha gula que não demorou a estabelecer um recorde ainda não superado. Num apartamento em Salvador emprestado pelo empresário Sílvio Silveira ao amigo Lúcio Vieira Lima, irmão do larápio compulsivo, a Polícia Federal encontrou R$ 51 milhões (em cédulas novinhas em folha), além de uma pilha de dólares de bom tamanho. Foi a maior apreensão de dinheiro em espécie da história do Brasil. Espalhado por nove malas e alguns caixotes de papelão, o produto de muitos roubos, exibido em fotos e vídeos, permitiu que milhões de brasileiros vissem o tamanho da bolada à espera de quem consegue acertar sozinho na Mega-Sena. (O prêmio desta semana, por exemplo, é calculado em R$ 55 milhões. Atualizadas as cifras, equivale a um Geddel.)

Naquele Brasil esperançoso, a Operação Lava Jato e seus desdobramentos seguiam drenando o pântano irrigado pelo escândalo do Petrolão, do qual era pinçado quase diariamente algum figurão da seita que tem em Lula seu único deus. Num primeiro momento, devotos atarantados com a ofensiva anticorrupção celebraram a captura de um político que, antes da passagem pelo governo Temer, conseguira cinco mandatos de deputado federal, sempre pelo MDB, e posava de futuro dono da Bahia. Como os redatores de primeiras páginas, os militantes petistas vislumbraram a chance de, finalmente, afirmar aos berros que sobravam casos de polícia também em outros partidos. A sensação de alívio logo seria revogada pela exposição, na internet, do prontuário detalhado de Geddel — e pelas imagens do apartamento cofre.

Na semana passada, o padroeiro dos culpados bilionários presenteou outro lote de bandidos da classe executiva com anulações de provas e devoluções da dinheirama roubada do povo brasileiro

Ganhara o cargo da presidente Dilma Rousseff por ordem do amigo Lula, um entusiasta dos dotes administrativos do político baiano cuja gula por dinheiro lhe valera ainda na juventude o apelido de Jacaré. A admiração se consolidara entre 2007 e 2010, período em que Geddel foi ministro da Integração Nacional do segundo governo Lula. Ao saber que a sumidade nordestina deixaria o primeiro escalão para acabar surrado na disputa pelo governo da Bahia, Lula lamentou a perda nos comícios da campanha eleitoral de 2010. O vídeo abaixo registra um dos capítulos da cerimônia do adeus. “Você foi um cumpridor de tarefa extraordinário”, derrama-se o orador com cara de viúvo inconsolável. “E isso eu tenho ouvido não apenas da minha boca, que viajo com você, mas da companheira Dilma, que conviveu contigo.” O alvo da choradeira capricha na pose de estadista sertanejo, Lula segue em frente. “Eu disse ao Geddel outro dia: ‘É uma pena que você deixa o governo, você poderia continuar no governo pela grandeza do teu trabalho’.”

Não é pouca coisa. Mas não foi tudo. “Eu acho que o Temer deveria pegar os deputados aqui, de todos os partidos, e levar pra ver algumas obras que estão acontecendo no Nordeste brasileiro, pra saber o que que tá acontecendo no Nordeste brasileiro”, patina na redundância o palanque ambulante. Por exemplo, a transposição das águas do Rio São Francisco. “O canal da integração é uma obra que vocês vão perceber por que que Dom Pedro II queria fazer essa obra em 1847, e eu espero que até 2012 a gente conclua ela inteira. Então, Geddel, meus agradecimentos por todo o teu trabalho.” Nenhum deles poderia prever as trapaças da sorte ocorridas antes que terminasse a segunda década do século 21.

Condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, Lula ficou 580 dias encarcerado em Curitiba. Foi resgatado pelo Supremo Tribunal Federal, graças à Lei do CEP inventada por Edson Fachin, e hoje é presidente da República de novo. Em outubro de 2019, Geddel foi condenado a 14 anos e 10 meses de prisão em regime fechado, por lavagem de dinheiro e associação criminosa. Em julho de 2020, o ministro Dias Toffoli, comovido com problemas de saúde do presidiário, socorreu Geddel com a concessão da “prisão domiciliar humanitária”. Somadas as temporadas na Papuda e num presídio em Salvador, foram 1.010 dias.

Hoje em liberdade, pretende disputar algum cargo depois de recuperar os direitos políticos, suspensos até 2025. Já na fase de aquecimento, sonha juntar o MDB e o PT na disputa da prefeitura da capital baiana e, quem sabe, candidatar-se a deputado federal em 2026. “Estou conseguindo sair do vale dos leprosos”, compara. “O Lula também passou pelo xilindró. Ficamos no mesmo hotel. O eleitor decide.” Enquanto ficou na cadeia, manteve a discurseira inverossímil: “Não tenho nada a ver com esse dinheiro”, continuou a recitar. “Nem sei quem é o dono desse apartamento.” As coisas pioraram quando tentou impedir que o ex-deputado Eduardo Cunha, parceiro de tramoias, fechasse um acordo de delação premiada. Só no fim de 2023 resolveu render-se. E passou a garantir que o dinheiro seria usado em mais uma tentativa de eleger-se governador da Bahia, enfim admitiu que era o dono daqueles 51 milhões. Tarde demais.

“Reconheço que o meu grave equívoco foi ter colocado o desejo de chegar ao governo acima de tudo”, diz agora. Conversa fiada. Ele sabe que seu grande erro foi negar a posse da fortuna e recusar a delação premiada, reafirma o que anda fazendo Dias Toffoli. Na semana passada, o padroeiro dos culpados bilionários presenteou outro lote de bandidos da classe executiva com anulações de provas e devoluções da dinheirama roubada do povo brasileiro. Em breve, todos os criminosos confessos terão embolsado os bilhões que se dispuseram a pagar para livrar-se da merecidíssima gaiola. Menos Geddel. Por ter jurado que nem um único e escasso centavo lhe pertencia, ficou mais de mil dias no xadrez e viu evaporar-se uma Mega-Sena acumulada. É inútil fingir que não entendeu que errou a escolha na encruzilhada. Se arrependimento matasse, Geddel Vieira Lima já seria nome de rua em alguma cidade do interior da Bahia.

Geddel Vieira Lima, hoje em liberdade, pretende disputar algum cargo depois de recuperar os direitos políticos, suspensos até 2025 – Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

(*) Integrante do Conselho Editorial de Oeste, foi redator-chefe da revista Veja e diretor de redação do Jornal do Brasil, do Estado de S. Paulo, do Zero Hora e da revista Época. Atualmente, é colunista da revista Oeste e integrante do programa oeste Sem Filtro. Apresentou durante oito anos o programa Roda Viva, da TV Cultura, e foi um dos seis jornalistas entrevistados no livro Eles Mudaram a Imprensa, organizado pela Fundação Getulio Vargas. Entre outros, escreveu os livros Minha Razão de Viver — Memórias de Samuel Wainer e A Esperança Estilhaçada — Crônica da Crise que Abalou o PT.

Fonte: https://revistaoeste.com/revista/edicao-222/se-arrependimento-matasse/

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