
Por Roberto Motta (*)
Durante nossas vidas testemunhamos tanto acontecimentos gigantescos quanto eventos microscópicos e mundanos. Acompanhamos processos históricos — guerras, revoluções e inovações tecnológicas —, mas vivemos de microeventos: buscar o filho na escola, ver a luz do sol refletida no mar de inverno, cuidar de um parente doente.
O macro briga com o micro. É um desafio prestar atenção ao mundo e, ao mesmo tempo, abraçar o microcosmo onde está nossa existência. É preciso saber da geopolítica mundial enquanto regamos as flores do jardim.

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É aqui que muitos se perdem, embriagados por trivialidades.
A supremacia do trivial sobre nossas vidas é garantida pela produção, na maioria da mídia, de uma sequência infinita de fatos irrelevantes e informações inúteis, que demandam atenção permanente. Uma fala de um político desconhecido, o rompimento de um casal de atores, o acidente em um local sem importância e a troca de farpas entre as celebridades da semana: essas são as notícias que dominam nossos dias.
As dimensões intelectual, moral e espiritual definem se uma vida será produtiva, fértil e emocionalmente satisfatória. Mas a vida intelectual e moral do cidadão médio — do consumidor — tem, cada vez mais, a profundidade de uma piscina de criança.

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Estamos acorrentados ao trivial.
A combinação de tecnologia e mídia oferece distração a todo momento, quase sempre na forma de satisfação instantânea via consumo, de representações de violência estilizada, da infantilização do amor romântico ou de sua hipersexualização.
O tempo é dedicado a coisas banais em prejuízo do que é precioso.
Gastamos tempo enorme com banalidades, enquanto o essencial nos escapa. As coisas centrais à nossa humanidade foram substituídas por um voyerismo em escala industrial
Passamos horas sentados, assistindo a programas em que pessoas como nós passam horas sentadas, assistindo a programas. É um espelho bizarro; é a banalidade absoluta transformada em nova categoria de programação: os reality shows são apenas um exemplo. Reality show é um nome curioso para um produto cuja principal função é remover o espectador da realidade. Nunca o termo programação foi tão bem empregado.

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Imaginem se alguém assistisse a nosso cotidiano.
A busca por diversão deve ser tão antiga quanto a humanidade. Ela está na origem da política de “pão e circo” da Roma antiga, que mantinha cheio o estômago do povo e o divertia com os espetáculos do Coliseu.
Hoje o Coliseu está em todos os lugares.
E ao alcance de um clique.

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É uma tempestade perfeita de televisão, internet, celular, mídias sociais, canais de streaming e jogos on-line.
Quanta distração.
Nos afogamos em trivialidades.
Somos empurrados do desejo para o repúdio, da esperança para o medo, do medo para uma intimidade inexistente com completos desconhecidos, como barquinhos de papel em uma inundação.

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Gastamos tempo enorme com banalidades, enquanto o essencial nos escapa. As coisas centrais à nossa humanidade foram substituídas por um voyerismo em escala industrial que nos faz consumidores de minúcias da vida de estranhos, enquanto ignoramos o básico sobre nós mesmos.
A maioria não consegue responder de forma sincera e completa a pergunta “quem é você?”.
A trivialidade do que absorvemos tritura nosso espírito, encolhe o intelecto e esteriliza as emoções. A trivialidade destrói a vida contemplativa.
Nunca foi tão fácil fugir do aqui e agora. Mas é no aqui e agora que a vida acontece.
Ninguém pode apreciar de verdade uma boa música se não souber apreciar o silêncio.

(*) Engenheiro PUC/RJ com Mestrado em Gestão Empresarial FGV/RJ, Professor, Escritor com 2 livros publicados, Empreendedor, Pai e Ativista de Segurança Pública







