
Por Nuno Vasconcellos (*)
Nada foi decidido, e seria estranho se tivesse havido algum avanço. A rigor, o único resultado concreto do encontro entre o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, e o Secretário de Estado dos Estados Unidos, Marco Rubio — que ocorreu na tarde de quinta-feira passada, na Casa Branca, em Washington —, foi o próprio encontro.
Os dois estiveram frente a frente durante pouco mais de uma hora — sendo 15 minutos em uma conversa totalmente reservada e o restante do tempo, com a presença de assessores. Diante das circunstâncias que envolveram a reunião, esse era o melhor resultado que se poderia esperar.
Abertura de uma discussão adulta
Foi a primeira vez, desde que Rubio foi empossado como Secretário de Estado em janeiro deste ano, que os dois se reuniram presencialmente. A abertura de uma discussão adulta sobre temas importantes para os dois países — algo que parecia impossível cerca de um mês atrás — já pode ser visto como o maior avanço possível.
Com base nas expectativas da delegação brasileira, a pauta incluía:
- A redução das tarifas de 50% impostas pelos Estados Unidos à maioria dos produtos importados do Brasil.
- A revogação de sanções aplicadas a autoridades brasileiras, vistas por Washington como violadoras de direitos humanos.
Pelo lado americano, as reivindicações não foram trazidas a público. Contudo, é evidente o interesse do país em facilitar o acesso às terras raras, que o Brasil tem em abundância e das quais os Estados Unidos necessitam para abastecer a indústria eletroeletrônica e a produção de armas modernas.
A pauta, como se vê, não apenas era extensa, como também continha temas complexos demais para serem esgotados em uma hora de conversa. A solução do contencioso exigirá horas e horas de negociações — e algumas das pendências podem, inclusive, ficar sem solução.
Canal de diálogo desobstruído
Sendo assim, não há nada de errado em saber que Rubio e Vieira saíram sem nada de concreto para apresentar, a não ser anunciar que o canal de diálogo está desobstruído. Os negociadores dos dois lados entrarão em ação e os dois ministros voltarão a conversar oportunamente. Uma conversa entre o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, deverá acontecer ainda este ano.
Aliás, seria até estranho se Vieira e Rubio tivessem tratado de todas as divergências acumuladas pelos governos já neste primeiro encontro. Mais inacreditável ainda seria se o Secretário Rubio, em nome do governo dos Estados Unidos, tivesse varrido para debaixo do tapete a extensa lista de divergências recentes, alimentadas, sobretudo, pelas escolhas que, nos últimos tempos, colocaram o Brasil, cada vez mais, sob influência geopolítica dos adversários dos Estados Unidos — mais especificamente Rússia, China e Irã.
Preocupações extremas de Washington
É fundamental não perder de vista as causas das divergências entre os dois países. Essa recordação serve para que não se alimentem ilusões a respeito do restabelecimento imediato da normalidade na relação. Ainda haverá muitas idas e vindas antes que se chegue a um acordo.
Há muito entulho a ser removido, e esse trabalho, para ser bem-sucedido, exigirá uma mudança de postura que só acontecerá se os dois governos, ou pelo menos um deles, revirem a linha de atuação que vêm adotando. Pelo que têm demonstrado até agora, os líderes dão a impressão de preferir naufragar abraçados às suas convicções do que ceder um milímetro em favor do outro.
Na quarta-feira — véspera do encontro entre Vieira e Rubio —, em entrevista coletiva em Washington, o Representante de Comércio dos Estados Unidos, Jamieson Greer, afirmou que, na tarifa de 50% imposta ao Brasil, apenas dez pontos percentuais dizem respeito à tarifa recíproca. Os demais 40 pontos percentuais se referem a “preocupações extremas com o Estado de Direito, a censura e os direitos humanos” no Brasil.
O secretário do Tesouro, Scott Bessent, que estava ao lado de Greer, interveio na conversa e lembrou que a punição também se explica pela “detenção ilegal de cidadãos americanos que estavam no Brasil”. As declarações de Greer e Bessent serviram para balizar as negociações que seriam abertas no dia seguinte.
A conta da retórica ideológica
Aceitar o diálogo é importante, mas não é suficiente para pôr fim às desavenças. Caso queira mesmo se livrar das tarifas incômodas de 50%, que dificultam a entrada de seus produtos no trilionário mercado americano, o Brasil terá que rever alguns procedimentos e cuidar da incontinência verbal em relação a temas que, nos últimos meses, ajudaram a alimentar as divergências com os Estados Unidos.
O melhor que poderia acontecer para o Brasil — que, dos dois países, é o que mais tem a perder com o contencioso — seria que o Planalto renunciasse à sua retórica antiamericana e parasse de mandar indiretas para Washington.
Insistir na defesa pública da Venezuela e de Cuba — dois espinhos atravessados na garganta do secretário Marco Rubio — é, para dizer o mínimo, uma provocação desnecessária.
Pois foram justamente esses os países que o presidente Lula mencionou em um discurso inflamado, feito para os comunistas do PCdoB, na própria quinta-feira passada. Embora a afirmação tenha sido feita para agradar o público daquele evento, nesta altura do campeonato, já deveria estar claro que qualquer palavra dita do Brasil chega imediatamente aos ouvidos das autoridades de Washington.
Diplomacia: interesses econômicos acima de ideologia
Sem jamais renunciar ao direito de definir o rumo de sua política externa, de escolher seus parceiros comerciais e de ampliar o mercado, o Brasil avançaria muito caso sua diplomacia comercial passasse a se orientar pelos interesses da economia. E deixasse de ser conduzida com base no ranço ideológico quase juvenil que tem orientado as ações do Itamaraty nos últimos anos.
Não se trata de sugerir que o Brasil recue de acordos, mas sim de defender que o Itamaraty retorne ao tempo do “pragmatismo responsável”, em que os interesses do país eram postos à frente e acima das preferências ideológicas do governo.
A diplomacia brasileira não tem sido orientada pela defesa dos interesses soberanos do país, mas pela insistência em agradar aliados que, não por coincidência, são os maiores adversários dos Estados Unidos. Essa é a principal causa das divergências, que se tornaram sérias e profundas demais para serem eliminadas em um único encontro.
Otimismo injustificado
Não havia, portanto, qualquer sentido no otimismo pueril que se alastrou pelo Brasil a partir do discurso feito pelo presidente Donald Trump na tribuna da Assembleia Geral das Nações Unidas, no último dia 23 de setembro.
Os acontecimentos, a partir daí, se sucederam com celeridade por iniciativa das autoridades americanas:
- Uma conversa por vídeo chamada entre Lula e Trump (dia 6) sacramentou a retomada do diálogo.
- Um telefonema de Rubio para Vieira (dia seguinte) resultou no agendamento da reunião.
Diante de uma situação em que nada vinha acontecendo, a conversa da semana passada deve ser considerada um avanço. Mas imaginar que esse ponto de partida tenha sido suficiente para aplainar todas as desavenças e pôr fim a todos os ressentimentos revela uma dose bem alentada de ingenuidade, que nem o Doutor Pangloss (o otimista ingênuo de Voltaire) consideraria.
Razões do desentendimento
O resultado do diálogo de quinta-feira passada não foi tão ruim como os adversários do governo Lula apostavam, mas também não foi tão bom quanto supunham aqueles que esperavam que todos os desentendimentos seriam removidos pela “química” entre Lula e Trump.
O importante é encarar a situação com maturidade. A relação entre os dois países só voltará à normalidade se houver uma revisão nas escolhas e na postura que fizeram com que a situação chegasse ao ponto que chegou.
É importante observar que o contencioso não foi resultado de uma decisão repentina. Antes que as tarifas de 50% fossem anunciadas, os Estados Unidos deram uma série de sinais de incômodo em relação às posições brasileiras.
O tratamento dado pelos Estados Unidos ao Brasil — incluindo as tarifas de 50% e as sanções contra autoridades — é resultado das escolhas, das decisões e dos pontos de vista adotados pelo Brasil nos últimos meses.
A pergunta é: interessa ao Brasil reverter as tarifas e acabar com as sanções às autoridades?
Caso a resposta a essa pergunta seja positiva, cabe ao próprio Brasil, e não aos Estados Unidos, mudar a postura e escolher um caminho diferente para trilhar. Se continuar insistindo em não perder uma única oportunidade de criticar o governo americano, a economia brasileira continuará pagando a conta das escolhas meramente ideológicas. Será que vale a pena?
(*) Empresário luso-brasileiro